Atualizado em 26/12/2018 - 14:08
DO GGN
Há muito tempo, leitor, não trato de um tema que me era caro outrora:
a ascensão fulminante e irresistível do idiota. E, no entanto, hoje
mais do que nunca vivemos as consequências desse fenômeno arrasador –
não só no Brasil, mas em grande parte do mundo.
Tudo começou no século 20. O primeiro a diagnosticar o fenômeno foi,
salvo engano, o filósofo espanhol Ortega y Gasset. A sua obra “A
Rebelião das Massas” marcou época. Décadas depois, Nelson Rodrigues
retomou o tema com mais verve e mais graça. Os idiotas sempre existiram –
e em grande número.
Sempre foram a maioria –sólida e compacta maioria.
Mas até o século passado, os idiotas ignoravam a sua condição de maioria
e, portanto, viviam omissos e acomodados, ignorantes da força que a sua
condição lhes proporcionava. A deferência era seu traço característico.
Nunca lhes ocorreria incomodar os outros com opiniões, ideias,
projetos.
De repente, tudo mudou. O idiota descobriu o próprio peso e
desencadeou-se por toda parte com força brutal. Passou a publicar, dar
entrevistas, gerir empresas e – o que é pior – ocupar cargos públicos da
maior importância. Isso foi, como dizia, no século passado.
De lá para cá, o campo ocupado pelo idiota só fez se expandir. É
notório, por exemplo, que as redes sociaisampliaram sobremaneira as suas
possibilidades de atuação. Convenhamos, leitor: o que temos, hoje, não é
mais a ascensão do idiota, mas o seu completo e indiscutível triunfo.
Os não-idiotas sobrevivem assustados e acuados. Quando botam a cabeça
para fora, sofrem as piores agressões.
O fenômeno se reproduz em todas as esferas. Começa no seio das
famílias. Em outros tempos, os idiotas da família eram bem-comportados;
não arriscavam um palpite, um parecer, sequer faziam perguntas.
Hoje,
não. As reuniões familiares são dominadas pelos patetas, sempre ruidosos
e cheios de convicções. Nunca lhes ocorrerá, é claro, que a dúvida tem
um papel salutar.Nietzsche, não por acaso, escolheu o jumento como
metáfora para o portador de convicções...
Obviamente, os patetas não se contentam em tumultuar reuniões
familiares ou sociais;querem“influir nos destinos da nação”. Em 2016,
leitor, quem é que marchava atrás de pato na Avenida Paulista, na
Avenida Atlântica e em tantas outras avenidas Brasil afora? O idiota,
ora, o idiota na sua mais límpida e cristalina manifestação. E ali
começou a nossa desgraça atual.
Mas o fenômeno está longe de ser apenas nacional. Basta dar uma
espiada nos Estados Unidos, por exemplo. É uma grande nação. Já teve um
Abraham Lincoln como Presidente da República. Lincoln, além de grande
líder político, era um artista da palavra. Escrevia ele mesmo, com
grande cuidado, os seus discursos e pronunciamentos. Alguns deles são
verdadeiras obras de arte.
Bem. Esse mesmo país elegeu George W. Bush para a presidência (duas
vezes!) e agora Donald Trump. Bush tinha, pelo menos, certo senso de
humor. Trump, nem isso.
Mas, enfim, quem sou eu para menosprezar o
presidente dos EUA? Trump tem, sem dúvida, pontos fortes e qualidades
apreciáveis. Mas aí é que está: consegue disfarçá-los de maneira
magistral. Pode parecer estranho, mas não há mistério nem paradoxo. Num
mundo dominado inapelavelmente pelos idiotas, um homem de talento como
Trump tem que se comportar como se idiota fosse.
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, trilha exatamente o
mesmo caminho. Comporta-se, às vezes, como perfeito idiota. Mas é tudo
manobra, tudo disfarce. Na campanha, Fernando Haddad deu um show de
inteligência e cultura. Chegou a lançar expressões em latim na cara do
eleitor. Um grande erro, evidentemente.
Bolsonaro, assim como Trump, mostra traços de verdadeira genialidade
no modo como simula idiotice. A escolha de alguns ministros causou
sensação. Um exemplo: o embaixador Ernesto Araújo, futuro ministro das
Relações Exteriores. Pelos seus escritos, percebe-se que é um diplomata
de vasta cultura. Mas, para subir na vida, é obrigado a fazer concessões
medonhas.
Em texto recente, citado na imprensa, Araújo sugeriu que o Brasil
questione os Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul.
A sua ideia é que se tente, no lugar, constituir “um
agrupamento nacionalista Brasil – EUA – Itália – (Rússia?) – (Índia?) –
(Japão?) – (países de Visegrado?)”, em suma “um Bricsantiglobalista sem a
China”.O futuro chanceler sugere ainda que o governo explore“a
possibilidade de um núcleo composto pelos três maiores países cristãos,
Brasil-EUA-Rússia”.
Insuperável.
O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.