24 de Março de 2020, 23h37
Apesar
das declarações em
que tenta minimizar a gravidade da epidemia do novo coronavírus, Jair Bolsonaro
recebe relatórios da Abin, a agência de inteligência do governo federal, que
deixam claro o impacto da doença no
Brasil. O mais recente deles projeta que 5.571 brasileiros deverão morrer por
covid-19 até 6 de abril – ou seja, em duas semanas.
O Intercept
teve acesso aos informes da Abin – classificados como sigilosos e enviados também
a agentes de governos estaduais. Os relatórios deixam ainda mais evidente o
desprezo do presidente da República pela população: mesmo informado sobre
quantas pessoas podem morrer, Bolsonaro segue fazendo pouco caso da emergência.
Nesta terça à noite, ele desdenhou da ciência e da imprensa antes de pedir o fim de medidas de confinamento.
Os
informes da agência são claros ao enfatizar a necessidade de medidas de
contenção como a quarentena – medidas essas que são ignoradas ou até criticadas por
Bolsonaro, por empresários aliados e assessores do presidente.
“Coréia do Sul, Irã e China conseguiram mudar a direção da reta, provavelmente
depois da adoção de medidas de contenção”, avalia a Abin no documento mais
recente, finalizado às 22h10 desta segunda, 23. A agência é comandada pelo
ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional – uma das
vítimas do coronavírus após a viagem do presidente aos EUA, há alguns
dias.
No
Brasil, prefeitos e governadores tomaram as rédeas da crise. Muitos instituíram
quarentena à revelia do que pensa o governo
federal.
A China
conseguiu diminuição na taxa de crescimento cerca de 10-15 dias depois da
adoção de medidas de contenção, inclusive com lockout (fechamento da entrada e
saída de pessoas) em municípios e cidades. A partir desse período o número de
casos novos parou de crescer na mesma taxa e o número de casos ativos começou a
reduzir em função da melhora dos pacientes mais antigos”, relatam os agentes.
O
documento também deixa claro que “a taxa de letalidade no Brasil ainda é baixa
quando comparada a outros países e aos dados da Organização Mundial da Saúde –
OMS”, mas que “é importante considerar que o país se encontra no início da
epidemia”.
Colapso nas UTIs em 15 dias
Colapso nas UTIs em 15 dias
A Abin
preparou uma projeção da demanda por leitos de UTI em duas semanas caso a curva
da epidemia no Brasil seja semelhante à de Irã, Itália e China. Nesse caso, a
Abin avalia que 10.385 leitos – ou 17,4% dos quase 60 mil disponíveis no país –
estarão ocupados por doentes com casos graves de covid-19.
A
análise, diz a agência, é imprecisa, porque “o Ministério da Saúde divulga os
dados dos casos confirmados e dos óbitos por COVID-19, o que não permite fazer
projeções mais precisas sobre o crescimento dos casos no país”.
Se o
percentual parece pequeno quando se olha para a média nacional, a impressão
muda ao se analisar a situação dos estados mais afetados pela doença. No Ceará,
Distrito Federal, Santa Catarina e Acre, casos graves de infecção por
coronavírus demandariam 46,3%, 44,5%, 30,6% e 30,4% dos leitos de UTI,
respectivamente. Em apenas duas semanas.
Apesar de
concentrar a maioria dos casos até agora – e da tendência a manter-se nessa
posição –, São Paulo chegaria a 6 de abril com 25% das vagas em UTIs ocupadas
por doentes de covid-19. Isso se deve ao fato do estado ter a melhor rede
hospitalar do país.
Há um
outro dado do próprio levantamento que agrava o caráter sombrio da análise – a
taxa atual de ocupação das UTIs, segundo o Ministério da Saúde informou à Abin,
gira entre 80% e 90%. Quer dizer – o governo federal sabe que, em duas semanas,
já deverá faltar vagas em terapia intensiva no país.
Mais de 5 mil mortos e 200 mil casos
A mesma
curva de progressão – a de China, Itália e Irã – é usada para projetar a
mortalidade da doença daqui a duas semanas. Se o coronavírus se propagar aqui
com a mesma velocidade com que se espalhou por China, Itália e Irã, o Brasil
chegará a 6 de abril com 5.571 mortos e 207.435 casos da doença.
Um
segundo cenário, menos sombrio, mas também menos provável, também é traçado
pela Abin. Nesse caso, a epidemia no Brasil cresceria às mesmas taxas
observadas na França e na Alemanha – países cujos líderes tomaram medidas duras
contra o coronavírus, em vez de menosprezá-lo e agir para atrapalhar
iniciativas de governadores e prefeitos.
Ainda
assim, chegaríamos a 6 de abril com a covid-19 matando 2.062 pessoas.
Uma
ressalva importante: as projeções da Abin são feitas diariamente e a partir dos
números divulgados pelo Ministério da Saúde e de comparações com as curvas de
avanço da epidemia noutros países. Assim, eles podem variar bastante de um dia
para outro. Na análise de 22 de março, por exemplo, a agência projetava 8.621
mortes até 5 de abril caso a covid-19 avançasse por aqui em ritmo semelhante ao
que teve na Itália – quase 60% mais do que a previsão feita no dia seguinte.
Quer
dizer – os números estão longe de serem definitivos. Mas todos eles enfatizam a
gravidade da situação, que o presidente e seu núcleo duro insistem em relativizar.
E ainda
há um outro ponto a considerar.
Curva inferior às de Itália e EUA. Mas…
Em um
terceiro documento, também enviado ontem, a Abin compara as trajetórias do
avanço da epidemia na Itália, Estados Unidos e Brasil a partir do dia em que os
três países chegaram a 150 casos.
Por aqui,
ontem (segunda, 23) completaram-se dez dias desde que essa marca foi atingida
com 1.891 casos notificados ao Ministério da Saúde. Para efeitos de comparação,
dez dias após chegarem à marca de 150 doentes confirmados, Itália e EUA já
tinham, respectivamente, 2.502 e 2.247 casos.
Mas
algumas ressalvas devem ser feitas. Foi justamente dez dias após a marca de 150
casos confirmados que os EUA massificaram a realização de testes – como mostra essa reportagem, em inglês.
Com isso, 19 dias após a marca de 150 casos, o país já tinha 33.546 doentes
diagnosticados – mais que o dobro do que a Itália tinha no mesmo momento da
epidemia (15.113).
Fazer
testes em massa foi essencial para que a Coréia do Sul conseguisse deter o
avanço do coronavírus e reduzir o número de mortes. Por aqui, o
Ministério da Saúde anunciou no sábado, 21, a compra de 5 milhões de testes.
Mas eles só devem chegar a hospitais e postos de saúde no dia 30 – ou seja, um
mês após o Brasil registrar seus primeiros 150 casos.
Até lá, a
situação já poderá estar fora do controle. Como na Itália.
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