Retrato do juiz Sérgio Moro quando jovem. Por Renan Antunes de Oliveira
Postado em 16 Jan 2016
Nascido em berço de ouro
Educado dos 6 aos 16 por freiras carmelitas espanholas
Andou de busão pela primeira vez aos 18
Até quase 30 não sabia o que era um pobre
Idolatrava o pai, um professor apoiador da ditadura e militante do PSDB
Para fazer um perfil do juiz Sérgio Moro destaquei dois
repórteres durante 70 dias, entre julho, agosto e outubro. Nós
percorremos Maringá, Ponta Grossa e Curitiba entrevistando amigos e
familiares: tudo olho no olho, nada de email ou papo por telefone.
A maioria das pessoas próximas dele estava preparada para
manter silêncio até sobre informações banais como o resultado do teste
do pezinho – a mãe não queria comentar nem se ele nasceu de parto
natural ou cesárea.
O objetivo da reportagem era identificar as origens
familiares, apurar quais experiências de vida moldaram o homem sob a
toga – e se possível, qual a orientação política dele, já que suas
sentenças, todas supostamente técnicas, abalaram a política nacional.
Diferentes repórteres falaram com a mãe, o irmão, um tio, o
padrinho de batismo, ex-colegas e ex-professores das duas primeiras
escolas (Santa Cruz e Gastão Vidigal), da turma de 1995 (a dele) da
Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM), o único
patrão de seu emprego anterior ao concurso para juiz (o advogado
Irivaldo Joaquim de Souza) a turma do Country Club de cidade natal,
juízes, advogados, promotores, assessores de imprensa do Judiciário,
seus alunos na Universidade Federal do Paraná e uma trinca de amigos
inseparáveis com quem ele confidencia tudo.
Moro raramente dá entrevistas. Ele dificulta qualquer
investigação sobre sua vida privada, revelando uma obsessão pelo
impossível: manter-se fora da mídia, num momento em que todos os
holofotes estão voltados para seu gabinete.
Amigos e familiares admitiram estar orientados para manter silêncio. Aqueles que falam qualquer coisinha recebem broncas.
A um juiz federal ele pediu para retirar fotos do Instagram
onde aparecia de camiseta vermelha e tomando cerveja.
E conseguiu
deletar a maioria das fotos antigas – a que ilustra esta reportagem é do
álbum de uma colega de faculdade não alcançada pela vigilância dele.
Sérgio Moro não quis nos dar entrevista, apesar de
insistentes pedidos.
Ele disse a amigos que quer se manter acima de tudo
o que considera mundano: não fala de suas camisas pretas, de seus
hobbies, de seu marca predileta de charutos e nem dos vinhos preferidos –
ele se isola em casa, no condomínio de um amigo juiz em Maringá ou num
ambiente exclusivo de um shopping de Curitiba para curtir vinhos &
charutos longe dos paparazzi.
Até onde foi possível apurar ele faz isto não porque tenha algum esqueleto no armário.
Parece que o faz para copiar o estilo do pai, Dalton.
Este foi descrito por amigos como tendo sido um homem
discreto, modesto, eficiente, legalista, focado na família e no trabalho
de professor – no cemitério local tudo o que está escrito sobre ele
cabe em meia linha: “Dalton Áureo Moro 1934-2005”.
Um personagem verdadeiramente modesto que trombou de leve
com o juiz Moro nesta jornada dele em busca de zerar tudo o que foi
antes de assumir a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba é o porteiro
Edson Gerônimo de Souza – e o pequeno incidente dá a dimensão da
obsessão de Moro com sua privacidade fora do gabinete.
Edson trabalha no edifício da mãe de Moro, dona Odete, em
Maringá. Ele se diz fã do juiz, a quem via apenas pela câmera de
vigilância do elevador.
Em junho, Edson criou coragem e pediu para dona Odete para tirar uma selfie com o filho famoso.
Numa das visitas dele, dona Odete ligou pelo interfone para Edson: “Se você quer uma foto com ele, venha imediatamente”.
Souza disse que “na hora, fiquei arrepiado”. Sem querer
perder a oportunidade, subiu correndo, entregou seu smartphone para
Odete, abraçou o juiz e sorriu para a foto.
“Só tive tempo de mostrar para minha mulher e minha
cunhada”, disse o porteiro, dias depois. É que na semana seguinte ao
episódio a síndica do edifício o chamou e ordenou que deletasse a foto –
pressionado, ele apagou tudo da memória do telefone.
Dias depois, dois homens, supostamente agentes federais, o
procuraram para saber se ele ainda tinha a foto. O porteiro estava
assustado: “Me disseram que pode ser perigoso”.
Seguindo instruções do filho, Odete fala pouco – a um dos
repórteres que a procuraram ela se justifica com o mesmo argumento do
porteiro: “Sérgio corre perigo”.
Numa conversa, deixou escapar um importante traço da
personalidade do filho – a profunda ligação que ele tinha com o pai,
descendente de imigrantes italianos.
Para um trabalho completo, o ideal seria confrontar Sérgio
Moro com o conteúdo apurado com tantas e tão diversas fontes, até porque
muitas delas pediram anonimato.
Mesmo assim ele se recusou a falar. Os assessores dele na
Justiça Federal fazem chacota dos interessados em entrevistá-lo. Nos
primeiros pedidos eles já dizem que ninguém conseguirá, exibindo
centenas de solicitações arquivadas. Submetidos a um ritual de emails e
telefonemas, os jornalistas logo percebem que os assessores estão lá
apenas para enrolar.
Moro diz que costuma falar nos autos, isto é, através das
sentenças. Outra razão pela qual ele não fala pode ser explicada pela
mãe. Dona Odete disse que “ele tem uns amigos jornalistas na Folha, na
Veja e no Globo para quem dá entrevistas quando quer” – argumento que
ela usou para desencorajar minha equipe de tentar falar com ele.
Uma repórter tentou se aproximar do juiz em dia 4 de agosto, assistindo uma aula dele na Universidade Federal do Paraná.
Naquele dia o professor Sérgio Moro entrou na faculdade sete
minutos atrasado para a aula das 20h15, da quinta fase da cadeira de
Direito Processual II.
Cumprimentou o segurança da empresa terceirizada Poliservice
e subiu as escadas até a sala, chegando às 20h22. Cerca de 100 alunos o
esperavam.
O professor Moro trajava terno preto, gravata vermelha e
camisa branca, impecável. Postou-se em frente ao quadro negro, na
diagonal da mesa, numa posição que parecia estudada – como se estivesse
buscando seu melhor ângulo.
Sua propalada gentileza e educação no trato com as pessoas
foram arranhadas: não deu nem oi e foi direto aos comunicados. Avisou
que todos ali deveriam indicar as datas prováveis paras suas provas e
trabalhos.
Em seguida, começou a falar, com o giz numa mão e a
Constituição na outra. Falou o tempo todo, com breves pausas para risos –
ele não faz piadas, mas usa um humor sutil, ferino, que arranca
gargalhadas da turma.
Para dominar a audiência, às vezes ele erguia a voz – um
recurso que aprendeu com seu pai professor – quando o fez, a voz dele
soou mais fina do que o normal, exacerbando o sotaque caipira com seus
RRs puxados.
Os gestos dele eram meio teatrais. Postava-se ereto,
apoiando os braços nos quadris para inclinar o corpo para trás e jogar o
peito para a frente, tipo um movimento de pilates.
Num momento muito Moro ele fecha os olhos e cambaleia,
simulando esforço para lembrar a data exata da importação de um modelo
inglês de júri. Aí abre os olhos e arrisca: “1831”? Errado: segundo o
site Âmbito Jurídico, o Brasil adotou o sistema em 18 junho de 1822.
MÃE CAROLA
Por todos os relatos a personalidade de Sérgio Fernando Moro
foi moldada pela carolice da mãe e pelo jeitão autoritário do pai,
professores pioneiros em Maringá, cidade fundada em 1950 nos grotões do
Paraná.
Ele nasceu em 1º de agosto de 1972, durante a ditadura
militar (1964-1985). O país vivia o auge do chamado “milagre econômico”.
No período, o pai dele ocupava um cargo público nomeado por políticos
da Arena, partido de apoio ao regime militar.
A visão dele do mundo também foi muito influenciada por
viver num ambiente irreal: nasceu em berço de ouro, passou a
adolescência sem contestar a ditadura e cresceu numa cidade que era uma
ilha de excelência se comparada ao resto do Brasil.
A Maringá da época do menino Sérgio foi planejada por
arquitetos, financiada por ingleses e construída por um banco paulista,
hoje absorvido pelo Bradesco. Foi a cidade mais limpa e mais segura do
Brasil (com menos violência do que Amsterdã), e a mais arborizada do
mundo.
Os primeiros mil dias do bebê foram saudáveis. Não se sabe o
resultado do teste de Apgar dele por conta do manto de segredo que caiu
sobre o homem depois da fama.
Sabe-se que ele cresceu sem nenhum achaque, desenvolvendo o
físico invejável que exibe na televisão. No país do futebol, não era
peladeiro: praticou ginástica olímpica e tornou-se um ciclista de pé
cheio.
Uma vizinha de porta por décadas descreveu a família Moro
como “estruturada e feliz”. Os meninos (ele e o irmão mais velho, César)
tinham uma babá que tomava conta deles enquanto os pais lecionavam.
A vida dos Moro era classe A. Dalton frequentava o exclusivo
Country Club, localizado numa área do tamanho de 60 campos de futebol e
cujo título hoje custa cerca de R$ 30 mil.
Pai e filho iam sempre de carro de casa para a escola e dali
para o clube, onde o professor jogava peladas com os amigos – ninguém
lembra ter visto o menino em campo.
PRIMEIRO BUSÃO
Até entrar na universidade Sérgio nunca tinha usado
transporte coletivo. Quando o fez pela primeira vez, para ir a uma festa
na casa da amiga Rita Agioletto, contou para o pessoal que estava
deslumbrado, feliz de andar sozinho num busão.
Seus amigos eram como ele e seus pais: 76% dos habitantes de Maringá são brancos, a maioria descendente de alemães e italianos.
Na Maringá antiga, ser professor dava status e dinheiro.
A
casa da família era ampla e confortável, na frente de um parque sem
mendigos – mais tarde, aos 29 e já formado, o juiz Moro até teve
dificuldades para descrever a pobreza que não conhecera. Então, escreveu
um ensaio jurídico intitulado “Quem são os pobres”. Precisou de 255
linhas para definir aquilo que qualquer brasileiro sabe: pobre é quem
não tem bens, nem emprego e ganha salário mínimo.
Dalton e Odete se mudaram para a cidade no final da década
de 60, a convite de um cunhado dela, Neumar Godoy, fundador e reitor da
Universidade Estadual de Maringá (UEM) – criada no primeiro ato do
coronel Jarbas Passarinho como ministro da Educação do general Emílio
Médici, em 6 de novembro de 1969.
Os dois começaram no Colégio Estadual Gastão Vidigal, ele
lecionando geografia e ela português. O colégio se tornaria o embrião da
UEM, da qual Dalton foi um dos fundadores.
CDF EM COLÉGIO DE FREIRAS
Mesmo sendo formada em Letras e lecionando em escola
pública, Odete confiou a educação do filho às freiras carmelitas
espanholas da escola particular católica Santa Cruz.
Nascida Starke, de origem alemã, ela é muito carola. Hoje
aposentada, Odete é ministra da eucaristia da Igreja Matriz, ajudando
nas missas e auxiliando inválidos em asilos.
O pai do juiz se dizia apolítico. Ele viveu os melhores anos
de sua carreira durante a ditadura, período em que os amigos o
descreveram como “conformado”, “protegido” e “satisfeito”. Foi
vice-diretor e tesoureiro do Colégio Gastão Vidigal.
O professor Basílio Baccarin dirigiu o Gastão Vidigal
nomeado pela ditadura, entre 1970 e 1973, tendo Dalton como vice. Os
dois conviveram décadas e as famílias são muito unidas. Ele disse que “o
professor Moro era rigoroso, muito justo, um modelo para a comunidade”.
Baccarin descreve seu vice como “muito ativo na associação
dos professores, era um autêntico profissional do magistério, mas não
participava de atos políticos”.
Dalton foi descrito por outros colegas como obcecado pelo
trabalho e pela disciplina. Era duro e usava sua voz potente para
submeter alunos bagunceiros: “Bastava elevar o tom”, lembra Baccarin,
citando a característica da origem italiana do colega – Dalton era
descendente de imigrantes, por sua vez afetados pelo fascismo, em alta
na Itália dos anos 20 e 30.
O ex-aluno e depois colega de magistério Elpídio Serra era
amigo íntimo de Dalton: “Foi um homem muito sério, cumpridor de seus
deveres”, disse.
Serra conhece o hoje juiz como “Serginho”. E diz que seu
Serginho “é o espelho do pai: Dalton não era direita nem esquerda, mas
sério. Dizia que ‘se está escrito não vou afrontar’. Ele não gostava de
inovar. Era metódico e legalista, seguia os regulamentos”.
Serra anotou uma obsessão do professor Dalton com prazos: “A
gente ia para um congresso e ele levava provas para corrigir no ônibus.
Ele dizia que não iria atrasar, corrigindo tudo antes do prazo, para
botar o resultado na parede. Ninguém mais fazia isto, só o Moro era tão
exigente consigo mesmo” – note-se que esta é uma das características
conhecidas do juiz Sérgio.
O ex-aluno acha que “Dalton passou isto (este nível de
exigências) pro Serginho. Passou conceitos de moral, de bons costumes.
Serginho é Dalton Moro no passado. Uma réplica”.
Serra enfrentou problemas com a ditadura quando atuava como
jornalista e opina sobre o ex-professor: “Dalton, pela maneira de ser,
pelos atos, não era um contestador, apenas seguia as normas. Eu nunca
vi, enquanto aluno e depois como colega, o Moro dizer qualquer coisa
contra o regime militar”.
Na abertura política, Dalton participou da fundação do PSDB,
ajudando a eleger ex-arenistas. Impossível saber se ele fez a cabeça do
filho, então com 16 anos – só Sérgio Moro sabe quais foram os conselhos
que recebeu do pai.
O professor Basílio Baccarin enveredou pela política e
registrou a única participação conhecida de Dalton em um partido.
Baccarin ligou-se a Mário Covas (1930-2001) e participou da fundação do
PSDB em Maringá, elegendo-se vereador (1990): “Moro me apoiou, como
amigo. Esteve sempre comigo durante minha campanha e só me dizia que eu
deveria ser menos radical”. Baccarin ainda tentou ser deputado estadual,
mas lhe faltaram 270 votos.
Baccarin é fã do filho de Dalton: “Fui eu quem fez a faixa
“BRASIL ADMIRA SÉRGIO MORO”, levada na frente da catedral de Maringá e
do apartamento de dona Odete, com 15 mil pessoas, naquela passeata
televisionada no início do ano” – o Brasil inteiro a viu.
CAMINHO DA PERFEIÇÃO
Sérgio Fernando entrou aos 6 anos na Escola Santa Cruz “para
receber educação católica”. Os princípios da escola se baseiam nos
ensinamentos de duas freiras espanholas, ambas canonizadas, Santa Teresa
de Ávila e Santa Joaquina de Vedruna. Em sua obra Teresa gostava muito
de citar os mártires da Igreja. Seu objetivo era buscar “o caminho da
perfeição”.
Joaquina ainda hoje é reverenciada nas orações dos
estudantes da Escola Santa Cruz – ela parece ter recebido um milagre,
porque mesmo sem qualquer tratamento químico seu cadáver não apodreceu.
Exposta numa urna em Barcelona, surpreende cientistas e deslumbra
turistas.
Nos seus 10 anos de educação católica Sérgio sempre foi CDF.
Seu boletim só tem O e B, de ótimo e bom. E nenhuma mancha. Colegas o
descreveram como “inteligente” e “obediente”, sem notar nada mais
expressivo. Apesar de ser uma coisa comum entre crianças e adolescentes,
ele não teve nenhuma traquinagem conhecida.
No Santa Cruz, Sérgio fez três amizades duradouras, Lafayete
Tourino (agora promotor), Luis Beltrame (professor universitário) e
Eduardo Hiroyuki (bancário). Segundo várias fontes, até hoje eles se
encontram quando podem e trocam confidências.
Os quatro têm um pacto de silêncio. Tudo o que um deles
revelou é que se, note-se, apenas “se”, Moro torce por algum time seria
pelo Grêmio Maringá, 86º no ranking da CBF. O amigo não dá certeza – o
jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, crava que ele é São Paulo.
Quando Sérgio fez 16 anos os quatro saíram juntos do Santa
Cruz para o Gastão Vidigal, em tempo de fazer um terceirão do colégio
que tinha excelentes índices de aprovação no vestibular da UEM – não foi
possível apurar como se deu esta transferência da particular à escola
pública.
Não há registro de que Dalton e Odete tenham lecionado para o
próprio filho na instituição. Sérgio passou de primeira no vestiba. Já
na UEM, participou como ouvinte de classes do pai.
A vida acadêmica de Sérgio é descrita por quem conviveu com
ele só com muito esforço. Não era notado por professores – ao contrário
da lenda de que teria sido aluno laureado (aquele que obtém notas acima
de oito durante todo curso) na Faculdade de Direito.
A info oficial da UEM diz que não houve laureados na turma de 1995, aquela de SM.
Ele nem sequer era popular na turma: “Ele não era
namorador”, atesta um colega. Teria tido apenas uma namorada, uma
estudante de arquitetura – os dois romperam quando ele mudou-se para
Curitiba, conheceu e em seguida casou com a advogada Rosângela.
O juiz federal Anderson Furlan é o quarto amigo mais
importante, além do trio do Santa Cruz. Os dois se conheceram na UEM:
“Quando eu fui bixo ia sofrer um trote violento, mas Sérgio me salvou e
me adotou como sendo um irmão menor”, lembra.
Furlan viu o amigo passar no concurso público para juiz e
ficou surpreso – à época ele Furlan trabalhava como estagiário na Caixa:
“Eu queria ser magistrado e perguntei como ele fez para passar. Ele me
disse ‘você tem que estudar’ “.
Estudando, Furlan passou para funcionário do Judiciário –
quando então foi levado por Moro para assessorá-lo em seu gabinete,
antes que o amigo se tornasse ele mesmo juiz.
O juiz Abílio Freitas, vizinho de condo de Furlan em
Maringá, também é do círculo íntimo de amigos, formando o trio
Moro-Furlan-Freitas.
Os três se encontram regularmente – Sérgio Moro continua
mantendo uma rotina de viajar para visitar a mãe e o irmão na cidade
natal, ocasião em que invariavelmente encontra Freitas.
Furlan se aventura a analisar a personalidade do amigo: “Ele
é muito tímido”, para justificar a conhecida discrição. “O Sérgio não
conversa olhando para você”, afirma o juiz.
O lado discreto e humilde do juiz Moro seria tanto que,
conta Furlan, anos atrás, quando foi convidado para um aniversário do
professor Dalton, foi surpreendido: “O Sérgio fazia aniversário no mesmo
dia, mas não contou nada para nós”.
Furlan disse que “Sérgio ainda hoje age comigo como se fosse
meu irmão mais velho. Me dá muita dura quando eu apareço na mídia (como
presidente da seção local da Associação dos Juízes Federais – Ajufe),
me diz coisas como ‘isso você não pode fazer’ “.
O amigo contou que “Sérgio me disse que a Ajufe deveria ter
uma postura mais cívica do que coorporativa”. Dá um exemplo: “Uma vez eu
fui premiar uma personalidade, fazer um agradecimento público porque
ele tinha ajudado ao tribunal. Aí ele me disse ‘tem gente aí (na lista
de premiados) que não pode ser homenageada’ e eu tive que cortar esta
pessoa”. O nome do vetado por Moro não foi revelado.
Furlan deu uma entrevista para a FSP e “Sérgio me deu uma
espinafrada, numa boa, me pediu para não falar mais”. Ele acredita que o
amigo detesta o que seriam ‘reportagens laudatórias’. Moro disse pra
Furlan que “…(Justiça) é um trabalho conjunto, delegado, promotor, o
juiz só defere o que o Ministério Público pede…é apenas um elo.”
O juiz amigo diz que “90 por cento daquilo que o Ministério
Público pede Moro acata”. Elogia Moro por “mandar prender gente
poderosa”, vê “mérito do Supremo em manter as prisões”.
Furlan é o primeiro incentivador da campanha da Ajufe para
obter uma cadeira no STF para Moro: “Pode dizer que eu disse: ele é uma
pessoa que reúne todas as condições morais e intelectuais para estar no
Supremo”.
Na faculdade, o amigo que hoje o quer no STF não percebeu em
Moro nem a vontade de ser juiz: “Ele estudava mais do que todos nós.
Acho que isto ele pegou da mãe.
Dona Odete não deixava ele sair para
brincar sem ler antes uma cota de livros, todos os dias. Mas eu não
sabia que ele ia fazer o concurso para juiz, foi uma surpresa. Quando
fez e passou, me chamou, mas só quando já era para ver o resultado”.
Furlan participa bastante do lado Caras da vida de Sérgio.
Sabe que o amigo já foi a uma festa sertaneja na casa de shows Curaçao,
mas o pinta quase como um asceta: “Nunca deu bola para a mulherada, nem
fala piadas pornográficas, não usa palavrões”.
Contou que Sérgio “namorou uma menina por muito tempo (a estudante de arquitetura), mas eu nunca vi esta pessoa”.
Nas mesas com colegas juízes, notou que “ele raramente fala, prefere ouvir e fazer comentários pontuais”.
Ele acha o amigo zero vaidoso: “Sérgio compra uma camisa
Calvin Klein e diz ‘o importante é a pessoa que está dentro, típico dele
falar assim’ “. Notou que “ele trabalha sempre com os mesmos ternos e
gravatas, deve ter só dois”.
Furlan disse que o amigo usa “as camisas pretas só em
ocasiões importantes”, como aquela em que recebeu da Rede Globo o título
de personalidade do ano de 2014.
Furlan frequenta a casa dos Moro em Curitiba. Os dois
costumam fumar charutos no Shopping Bourbon, “quando bebemos algumas,
ele é flex”, significando que o juiz prefere vinhos, mas que também bebe
destilados “socialmente, moderadamente”.
Dos velhos tempos ele lembra que a turma zoava do jeito
certinho de Sérgio Moro: “Quando a gente saia e tomava uns vinhos
contando as histórias dele, ele ria, reagia com bom humor. Mas era um
cara inflexível nos princípios dele”, contou, sem elaborar sobre os
princípios.
Sérgio Moro desenvolveu um gosto especial por estudos
religiosos, compartilhado apenas com alguns juízes mais chegados, em
reuniões fechadas. Um colega que participou de um destes encontros disse
que ele é capaz de discorrer por horas sobre as diferenças entre
cristãos, judeus e muçulmanos. É um especialista em Maomé, mas continua
católico como a mãe.
As conversas de política entre os dois, hoje, se acontecem,
não foram reveladas por Furlan. Falando de si mesmo, Furlan se definiu
como petista na juventude, do tipo que “segura o violino com a esquerda
mas toca com a direita”.
No momento (falando antes do tsunami das contas
na Suíça), se disse admirador do presidente da Câmara Federal Eduardo
Cunha (PMBD/RJ) “que está desengavetando tudo, botando as pessoas para
trabalhar. Não entro no mérito, mas no jogo político ele tá ok”.
Última sobre Sérgio Moro: o juiz Furlan disse que “na
Justiça, ele não gostava dessas milhares de ações de baixa relevância,
prefere poucas causas, mas as boas causas” – fica agora a tarefa de
descobrir como foram distribuídos para ele apenas casos top tipo
Banestado, Mensalão e Petrolão.
Em tempo: nesta quinta (14) dona Odete atendeu o repórter por telefone.
Ela estava de muito bom humor, mas já começou com a frase “você sabe que não posso falar nada sobre meu filho”.
Papo vai, perguntei se ela não estaria disposta a falar ao
menos dos “segredos” do nascimento dele, que não contara à repórter que a
visitara em agosto.
Dona Odete achou engraçada tanta curiosidade e começou a rir: “Ele nasceu de parto normal, satisfeito ? ”
Pedi mais: “Ele tinha três quilos, foi uma criança pequena”.
Aproveitei a deixa e perguntei pelos números dele nos testes
do pezinho e de apgar: “Naquele tempo não existiam”, disse a senhora.
Neste momento dona Odete já estava às gargalhadas ao telefone. Aí ela se voluntaria: “O sangue dele é O negativo”.
Eu ia aproveitar o momento para perguntar…mas ela se
antecipou, mais ou menos assim: “Ele não quer que eu fale nada e não vou
falar”.
Fim do papo. “Tenha um bom dia”, e desligamos.
___________________________________________________________________________________Salário do juiz Sérgio Moro em abril/2016 passou de R$ 77 mil
Só este ano, magistrado recebeu duas vezes o dobro do teto
Paraná - Idolatrado pelos brasileiros que
exigem o fim da corrupção no país, o juiz Sérgio Moro, responsável pela
Operação Lava Jato, é um dos muitos magistrados beneficiados por uma
prática legal, mas questionável do ponto de vista moral: a dos
supersalários pagos aos servidores da Justiça no Brasil. Graças a uma
generosa cesta de auxílios e adicionais eventuais, Moro tem recebido no
contracheque muito acima do teto, que é limitado ao salário do ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 33,7 mil.
O artifício muito utilizado pelos
tribunais fez com que o salário do magistrado chegasse a R$ 77.423,66,
no mês de abril. Desse total, R$ 43.299,38 foram referentes a pagamentos
de férias, 13º salário, atrasados e outros. No valor bruto, estavam
incluídos ainda R$ 5.176,73 de auxílios para ajudar nas despesas com
alimentação, transporte, moradia e saúde.
O levantamento, feito pelo DIA
no portal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS),
mostra que, de janeiro a julho deste ano, Moro recebeu, por quatro
vezes, rendimentos superiores a R$ 63 mil. Nos meses sem gratificação
(março, maio e junho), o salário do magistrado, que é lotado na 13ª Vara
Federal de Curitiba, não passou de R$ 36 mil. Além dele, há juízes
cujos vencimentos ultrapassam R$ 100 mil por mês.
O expediente de criação de
penduricalhos foi criticado pelo deputado federal Wadih Damous (PT-RJ).
“A limpeza deveria começar pela remuneração desses juízes e
desembargadores que recebem acima do teto constitucional, em manobras
que não fazem bem à democracia e à moralidade”, disse. As informações
sobre o descumprimento do teto salarial na magistratura foram
publicadas, na última semana, no site Consultor Jurídico.
A análise foi
feita pelo procurador federal Carlos André Studart Pereira, a pedido da
Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf), e enviada a
parlamentares. De acordo com a reportagem, o teto que deveria limitar o
aumento de salário, na verdade, se tornou piso para magistrados.
___________________________________________________________________________________7 mentiras que você provavelmente já ouviu sobre o juiz Sérgio Moro
A condenação, porém,
levanta uma dúvida: o que farão os políticos ao perceberem a
inevitabilidade de responder à justiça por seus atos? No que depender
do que foi mostrado até aqui, a resposta é uma só: irão tratar de
desviar o foco da justiça e dos tribunais para a política – uma terra na
qual o jogo sujo e os conchavos são a lei, Lula é uma grande figura, e
Sérgio Moro um completo ninguém.
Partidarizar
e politizar a Lava Jato para desacreditá-la é a grande estratégia da
vez. Nada que intimide Moro.
O juiz federal sabe, por experiências
passadas, que conduzir sem a vigília constante da mídia e da opinião
pública uma operação que tem entre os citados a atual presidente da
República e os demais quatro ex-presidentes vivos, levanta suspeita
sobre membros da Suprema Corte, investiga os presidentes da Câmara e do
Senado, tem quase 300 políticos e autoridades já citados e é responsável
por desarticular operações de cartel nas nove maiores empreiteiras do
país, é o cenário perfeito para que, como tudo na política, os
julgamentos terminem em acordos ou arquivamentos.
No
equilíbrio complexo entre depender da opinião pública e seguir
estritamente as leis, inúmeros são os ataques que Moro vem sofrendo.
Desde que começou a julgar o caso e esbarrou no maior esquema de
corrupção da história do país, o juiz que já era conhecido por ter
ajudado a revelar nosso segundo maior caso de corrupção (o Banestado),
já teve sua vida vasculhada e virada de cabeça para baixo inúmeras
vezes. Ao longo da Lava Jato, dois veículos de imprensa foram
intimamente correlacionados a pessoa do ex-presidente Lula ou ao PT, e
outros muitos já aventados – mas o certo é que Moro não é alvo apenas da
imprensa governista. É também, e muito mais, das dezenas de blogs
apócrifos destinados apenas a isso: caluniar e difamar seu trabalho.
Abaixo, selecionamos 7 dessas mentiras que você provavelmente já ouviu sobre ele.
1. Sergio Moro é filiado ao PSDB.
A acusação
de que Moro é militante ou filiado ao PSDB é provavelmente o mais
difundido dos boatos a respeito do juiz. Há muito que antagonizar PT e
PSDB tem sido uma estratégia para desvirtuar o debate por parte do
governo. O cenário é taxativo: quem não é petista, é tucano. E se você
aponta irregularidades de um lado, certamente tem rabo preso com o
outro, mesmo quando isso tudo não passa de fantasia.
A
estratégia é bastante comum. Para cada crime do PT, cita-se um crime do
PSDB, como se corrupção fosse um jogo de soma zero e ambas se anulassem.
Se você critica Lula ou Dilma, automaticamente defende FHC ou Aécio. O
PSDB, dessa forma, se torna muito além de uma “oposição conveniente”
(como lembrou Delcídio em sua delação, dizendo que os tucanos agiram
para impedir o impeachment de Lula no auge do Mensalão), mas a oposição
“permitida”.
O boato
sobre Moro, porém, não passa disso – um boato. Após a 24ª fase da Lava
Jato, que deflagrou a operação TriploX, colocando Lula em evidência,
começaram a surgir estórias de que o juiz seria filiado ao PSDB do
Paraná desde 1999. A prova seria um print do site do TSE apontando a
filiação de um tal “Sergio Roberto Moro”. O erro, porém, é que o nome
real do juiz é outro: Sérgio Fernando Moro.
2. A esposa de Moro é advogada do PSDB.
Na mesma
onda de ligar o juiz ao suposto partido de oposição e mostrar que a
operação seria partidária, e portanto inválida, surgiram acusações de
que a esposa do juiz seria advogada de um escritório que trabalharia
para candidatos do PSDB.
O boato
surgiu ao ligar Rosângela Moro como advogada do vice-governador do
Paraná, Flávio Arns, do PSDB. Fotos de Rosângela com o político tucano
comprovariam a ligação e, portanto, mostrariam em definitivo que o juiz
não era imparcial.
Só há um
problema com as fotos: a época em que elas foram tiradas. De fato,
Rosângela Moro e Flávio Arns se conhecem. Flávio, sobrinho de Zilda
Arns, foi presidente da associação das APAES’s do Paraná, de onde
Rosângela é advogada. Na época, o político tucano ainda não possuía
qualquer relação com o governo estadual, tampouco atuava como político.
A
estória, porém, não para por aí. Até 2009, Flávio Arns era ligado ao PT.
Seguindo o rastro deste boato, poderíamos afirmar que Rosângela foi advogada do PT por um tempo, certo? Pois é. Também não faria o menor sentido.
3. Moro recebe R$ 77 mil de salário.
Que o
judiciário brasileiro é caro e ineficiente, restam poucas dúvidas.
Segundo um estudo publicado em O Globo, temos cerca de 1/5 do número de
juízes da Alemanha, mas nosso sistema judiciário custa aproximadamente
1,5% do nosso PIB, valor quase 10 vezes maior do que o gasto em países
como os Estados Unidos. Não é novidade, portanto, que juízes, promotores
e outros membros proeminentes do judiciário brasileiro ganhem bem.
Com esta
ideia bem sedimentada na opinião pública, no entanto, criar um boato não
parece tão difícil.
O limite salarial de um funcionário do judiciário
deve ser o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal,
equivalente a R$ 39,2 mil. É público e notório, porém, que existem casos
onde membros do judiciário recebem valores maiores que estes,
descumprindo a lei. O que não é o caso aqui.
Para criar
o boato de que o juiz Sérgio Moro receberia R$ 77 mil, descumprindo
portanto a lei (o que o tornaria corrupto), os responsáveis pegaram um
mês atípico – onde o salário real do juiz, R$ 28,947,55, segundo o site do TRF4
(o Tribunal Regional Federal da quarta região, onde ele trabalha),
soma-se a verbas indenizatórias de R$ 5,176,63, que o juiz recebeu em
função de ter pago do próprio bolso despesas do Judiciário, além de R$
43,229,38, em função do adiantamento de férias e outros benefícios
trabalhistas garantidos em lei. Goste-se ou não do custo do Judiciário, a
acusação de que o juiz receberia mensalmente este valor é, como nos
outros casos, categoricamente falsa.
4. Sergio Moro arquivou a corrupção do caso do Banestado.
Um dos
mais emblemáticos casos de corrupção na história do país, o do
Banestado, foi responsável por enviar ilegalmente US$ 24 bilhões para o
exterior por meio do banco público paranaense. Do total, cerca de US$ 17
milhões foram recuperados. Um número 27 vezes menor do recuperado até
aqui pela Lava Jato.
Um dos
personagens envolvidos no caso, Alberto Yousseff, que você certamente já
ouviu falar pelo caso do Petrolão, fechou um acordo de delação premiada
com o Ministério Público estadual. Ao ver que o doleiro incorreu no
mesmo crime novamente, Sergio Moro suspendeu o acordo e retomou o
processo do Banestado contra Yousseff, condenando-o a 4 anos e 4 meses
de prisão (Yousseff ainda não foi condenado na Lava Jato). Não é
verdade, portanto, que o doleiro tenha escapado por conta de Moro.
Cerca de
684 pessoas foram denunciadas pelo escândalo do Banestado, sendo 97
condenadas (até 2011). Da parte do juiz Sergio Moro, que na época
possuía 31 anos, foram 25 condenações,
em apenas 12 meses. Seja por lentidão da Justiça em julgar nas
instâncias superiores ou por obra dos advogados, muitas condenações
caíram. Em 2013, o Superior Tribunal de Justiça extinguiu a pena de 7
condenados. Outras penas foram extintas ou casos arquivados em recursos
no mesmo TRF4. O certo é que, dele, as condenações ocorreram. E foram
rápidas.
Em outra
operação, a Farol da Colina, Moro decretou de uma única vez a prisão de
123 pessoas, tirando de circulação 63 doleiros. O caso é emblemático.
Como Yousseff fez um acordo com a Procuradoria e o Ministério Público do
Paraná ao ser liberado no caso do Banestado, ele era um dos poucos
doleiros livres no país, motivo que o levou a ser chamado para atuar no
Petrolão.
Ainda
sobre o caso, argumenta-se que nenhum político foi condenado na ocasião.
Ocorre, porém, que como juiz de primeira instância, não cabe a Moro
julgar, e sequer investigar, políticos, que possuem foro privilegiado.
As decisões de investigar tais autoridades cabem ao Procurador Geral da
República e ao Supremo Tribunal Federal.
5. Moro recebe sem dar aulas na UFPR.
As
tentativas de desqualificar Sergio Moro crescem à medida que
desqualificar as provas torna-se mais improvável. A “ordem” para blogs e
páginas governistas de redes sociais é, de alguma forma, mostrar que o
juiz comete atos ilegais, e assim, trata-se de um hipócrita condenando
os responsáveis por roubar e fraudar R$ 88 bilhões da Petrobras.
Além de
juiz, Moro é também professor, na Universidade Federal do Paraná, onde
recebe por volta de R$ 3 mil mensais para trabalhar 20h semanais (com
obrigação de dar 8 horas semanais de aula). Segundo a acusação, Moro se
utilizaria do seu cargo de juiz para impedir uma liminar da universidade
que o obrigaria a dar as aulas, enquanto ele próprio não comparece à
universidade.
A
informação, mais uma vez, é falsa. Moro não apenas dá as aulas (duas
vezes na semana), como também já enfrentou protestos de governistas em
frente a elas, buscando tumultuar seu trabalho.
Em 2012, quando foi chamado para ser assessor da ministra Rosa Weber no caso do Mensalão, Moro buscou por meio judicial que
a universidade lhe permitisse dar as 8 horas semanais as quais é
obrigado, em 3 aulas seguidas na segunda-feira e no sábado (e não nas
segundas e terças como faz atualmente).
Ocorre que o regimento da
universidade proíbe mais de duas aulas seguidas por professor, de modo
que também não é verdade que Moro tenha processado a universidade para
não dar aulas.
Em suma, o
STF tentou obrigar Moro a escolher entre o Judiciário e o magistério – e
Moro buscou continuar em ambos, sendo além de juiz, professor.
6. Moro grampeou a presidente da República, o que é ilegal para um juiz de primeira instância.
A
divulgação de parte dos grampos telefônicos do ex-presidente Lula (ainda
há grampos sob sigilo) gerou provavelmente uma das ondas de
desinformação mais relevantes dos últimos tempos na Lava Jato. De todos
os lados surgiram “juristas” de ocasião, para avaliar se um juiz de
primeira instância não teria cometido uma ilegalidade ao divulgar um
grampo contendo Dilma Rousseff, uma autoridade com foro privilegiado.
Para
desviar o foco do conteúdo, que demonstra uma tentativa de obstrução da
justiça (um crime, portanto) por parte de Dilma, sites governistas como o
Diário do Centro do Mundo e o Pragmatismo Político buscaram apontar que
o grampo na presidente da República seria ilegal, uma vez que demanda
autorização do Supremo Tribunal Federal, coisa que Moro não possui.
Todos
aqueles que não perdem tempo em gritar “Fora Globo”, acusando a emissora
carioca de manipulação, como a jornalista-governista Cynara Menezes, a
Socialista Morena, correram para a apontar a prova de que Moro teria
grampeado Dilma: o fato de uma das gravações mostrar o barulho do
escritório de Dilma antes de Lula atender. Segundo o perito Ricardo
Molina, porém, isto ocorre pois a gravação por parte do telefone é
iniciada assim que se realiza a chamada,
e não no momento em que se atende. Trata-se portanto de uma conclusão
descabida (o perito foi procurado pelo governo, segundo a revista IstoÉ,
mas acabou não apontando aquilo que o Palácio do Planalto esperava).
A ideia
falsa foi comprada por deputadas como Jandira Feghali e a própria
presidente Dilma, que fez discursos inflamados sobre o absurdo que era a
presidente ser grampeada (mesmo sendo alertada de que isso se tratava
de uma inverdade). Após as indicações de peritos de que a presidente não
foi grampeada, porém, nenhum dos citados até o momento voltaram atrás.
7. Moro é seletivo, não julga Cunha ou Aécio.
Provavelmente
a mais absurda das acusações que pesem sobre o juiz Moro seja a de que
ele se recuse a julgar o senador mineiro Aécio Neves, citado 5 vezes nas
delações da Lava Jato. Tudo isto, segundo muitos, pois Moro insiste em
julgar apenas Lula e o PT.
A acusação
não passa de um absurdo. Moro não tem poder para julgar Aécio, ou
Cunha, ou mesmo Gleisi Hoffman e Lindbergh Farias (senadores petistas
citados nas delações da Camargo Correa), ou Maria do Rosário (deputada
petista citada pela Engevix). Todos devem ser investigados e julgados no
foro competente – o Supremo Tribunal Federal, se assim concordar o
Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.
Janot,
indicado por Dilma em 2013, é o responsável por denunciar ministros,
senadores, deputados, ou mesmo a presidente da República, cabendo ao STF
autorizar a abertura de inquérito. Ao fazer isso, o caso segue para o
ministro Teori Zavascki, também indicado por Dilma para o STF. Teori é o
relator da Lava Jato na instância máxima da nossa justiça. É dele, por
exemplo, a responsabilidade sobre o não andamento dos nove casos que
pesam sobre o senador Renan Calheiros, ou contra o senador Fernando
Collor.
Ao juiz
Moro, cabe julgar aqueles que não possuem foro privilegiado, como o
ex-presidente Lula e sua família, todos os executivos e presidentes das
mais de 16 empresas envolvidas, doleiros e funcionários das empresas
estatais. Neste caso, Moro tem sido rigoroso ao estabelecer penas, como
mostra o caso do empresário Marcelo Odebrecht. As condenações do juiz
Moro, porém, são passíveis de recursos, uma vez que se trata de um juiz
de primeira instância.
Para
evitar que, assim como no caso do Banestado, suas decisões
sejam desfeitas pelos tribunais superiores, Moro só tem uma alternativa:
contar com o apoio vigilante da mídia e da população, para evitar
boatos e mentiras que favoreçam políticos e os demais acusados. Como
esses aqui citados.