“Vá à batalha pelo que veio à vida. Não imagina quanta gente só
espera um aceno teu, para te ajudar a enfrentar este inferno atual”
publicado em 09 de outubro - VIOMUNDO
Grafite de Thierry Ehrmann,
que lhe deu o profético título, em 2011: “Dilma Rousseff — aquela que
retorna do inferno”. Está em Saint-Romain au Mont d’Or, uma comuna na
região metropolitana de Lyon, na França.
Carta aberta à Presidenta Dilma
Querida companheira Dilma:
Eu imagino como anda difícil sua vida aí no Planalto. Mas é possível
que você não tenha ideia de como anda a nossa aqui na planície. Não, eu
não falo da carestia, do desemprego. Nós todos sabíamos que, quando o
cobertor ficasse curto, a briga pela coberta ia ser feia. E eles, da
elite, têm muita mais força que nós, apoiados pela grande mídia.
Sabíamos, sim.
Nossa angústia aqui é outra. É ver que você tomou para si a bandeira
da luta contra a corrupção e deixou todos eles, da elite, fulos de
raiva. Eles não conseguem te associar à corrupção, por mais que façam. E
olha que não fazem pouco. A martelação é todo dia, nos rádios, nas TVs,
em todo canto. Chega a encher o saco.
Pois é. Mas esse é o problema. Nós estamos sentindo que você está
achando que teu principal legado vai ser o combate à corrupção. Duela a quién duela. Daí
que você não quer nem ver perto de você qualquer um que tenha respingos
de Lava Jato. Tem razão, é complicado. Você chegou a se isolar por
causa disso. E não fala com ninguém. “Meu governo não impedirá a
apuração dos mal-feitos”, você tem repetido. E o teu ministro da Justiça
segue nesse rumo.
O problema é que a justiça em nosso país tem olhos, ouvidos e enxerga
bem demais por baixo daquele paninho nos olhos. Ela só apura o que
interessa para seus patrões. Não, não, não estou sendo exagerado. Ela só
apura se for contra o PT. Com o resto, ela é complacente. Você,
obviamente, já reparou isso.
Sabe aquele poema do Brecht, que a gente falava tanto nos nossos
tempos de luta contra a ditadura? “Primeiro levaram os negros. Mas não
me importei com isso. Eu não era negro…” Lembra? Pois é. A agressão está
crescendo cada vez mais, já estão hostilizando nossos companheiros nos
bares e restaurantes.
Agora, companheira Dilma, um Presidente da Câmara, que está enrolado
até os cabelos com corrupção, está à frente para te pegar por – é
incrível – improbidade administrativa! E conta com os votos de ministros
do TCU, que também estão enrolados com malfeitos.
Mas você não está. Incrível!E vai ser impedida por causa de quê?
Porque a elite quer, porque eles não aturam mais os investimentos
sociais que tiram deles margens de lucro. E já está claro que não
adianta ter um Levy para amansar essa gente. Você sabe disso, eu não
preciso dizer. Veja o desespero deles, hipócritas, com a decisão do STF
sobre financiamento de campanha.
Mas o que eu queria falar, que me dói no peito, é que não dá pra
ficar calada, aí, no Planalto. Nós não ficamos calados no tempo da
ditadura. Você foi à luta. E agora?
Você vai deixar teu ministro da Justiça quieto enquanto eles vão
tomando os espaços, um a um, acusando todo mundo de corrupção como se
fossem todos eles vestais da honestidade?
Vai deixar que o cobertor descubra os mais humildes?
Nós sabemos a hipocrisia da política. Basta olhar o tratamento dado ao Cunha. Ou ao Nardes. É estarrecedor.
Mas, companheira Dilma, não se deixe abater em pleno voo. Vá às
massas. Mostre que teu compromisso é com quem precisa. Na dúvida, opte
pelos oprimidos e radicalize a disputa para deixar claro o que está em
jogo.
Se for para cair, caia atirando. Mas diga aos quatro ventos a que
você veio, pra que tua vida serviu. Vá à batalha defendendo o que
acreditas. Essa é nossa angústia. Ver você quieta, sendo torturada no
Planalto calada, amortecida, como se aí dentro não batesse mais um
coração tão valente. Você não imagina a quantidade de gente que espera
por um aceno teu, para ir junto, e te ajudar a enfrentar o inferno
atual.
Artur Scavone