MOURÃO DIZ BOBAGEM E RECEBE RESPOSTA DURA NO FACEBOOK. RESPOSTA MAIS QUE OPORTUNA

Sobre a declaração do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, de que "Tem gente nas Universidades Federais que não devolve nada ao País", a amiga Rosane Angelo publicou no seu Facebbok este brilhante texto, que está recebendo dezenas de curtidas a cada hora:

"Mourão, eu quero saber o que as forças armadas devolvem pro Brasil?

São 400.000 vestidos de azeitona que custam aos cofres públicos mais de 65 bilhões ao ano.

Vocês defendem o quê?

Vocês entregaram nossa base de Alcântara, a Embraer, querem entregar o pré sal.

O Bolsonaro transformou o governo num cabide de emprego pra vocês.

O estado mínimo é só para os pobres, pra vocês o estado é máximo.

Vocês foram premiados na reforma da previdência, vocês já tiveram depois disso milhares de reajustes e penduricalhos, o Bolsonaro está transformando vocês numa casta de milionários.

Vocês servem pra quê?

Pra matar mosquito da dengue ?

Vocês não têm razão de existir, e está na hora da gente extinguir as forças armadas.

Vocês não têm mais utilidade, o Brasil preservou suas fronteiras há décadas sem forças armadas, se o Brasil entrar numa guerra, não têm munição pra mais de 1 hora de guerra.

O poder militar no Brasil não existe, vocês só servem pra servir de polícia militar ideológica pra matar preto e pobre.

Vamos acabar com as forças armadas, desmilitarizar a polícia, e vamos instituir polícias florestais, de fronteiras, polícias cidadãs, pra servir o povo.

As guerras hoje são totalmente diferentes.

O Brasil sofreu uma guerra híbrida, fomos atacados, eles destruíram nosso setor de tecnologia, engenharia, indústria, tiraram uma presidente e colocaram um fascista no poder, alinhado aos interesses do capitalismo financeiro mundial.

E pra isso não deram nem um tiro.

A maioria dos conflitos mundiais têm sido a partir de cortes bancários, quando o Obama quis atingir o Putin, o que ele fez ? Cortou as contas de Putin nos EUA.

Quando se quis perseguir o Bin Laden, o que se fez ?

Um rastreamento nos bancos.

Quando se quis pegar a Venezuela, o que se fez?

Se pegou os bancos onde os venezuelanos tinham dinheiro nos EUA.

Em um mundo assim é preciso investir em inteligência e tecnologia, e não mais em forças armadas.

Forças armadas num país que não vai entrar em guerra só serve pra eles ficarem se coçando.

E esses acordinhos de compra de arma servem pra quê?

Pra alimentar as milícias somente.

Essa é a verdade nua e crua. E quero que saibas Mourão, que as verbas inúteis que gastamos com vocês, vamos investir tudo em educação.

Foi assim que a Alemanha e o Japão fizeram depois que eles acabaram com as forças armadas.

Investiram em educação e eles decolaram.

Caiam fora, seus inúteis!"

ADOECEU DE BOLSONARO



(Fernando Tenório)

Estava conversando com um paciente que é militar sobre o isolamento social e as dificuldades de quem - como ele - mora sozinho. Lá pelas tantas, perguntei ao homem como estava fazendo para manter contato com os amigos e ele respondeu:

- Não tenho tido contato com meus amigos.

- Mas é importante manter alguma relação com as pessoas próximas, manter essa solidão em todos os âmbitos pode não fazer bem - retruquei.

- Aí que mora a minha questão, pois eu já não os reconheço mais. Não sei se são tão próximos.

- Como assim?

- Adoeceram de Bolsonaro, cara. Não sei se você votou nesse homem, mas ele entrou na cabeça das pessoas feito doença. Lá no trabalho virou uma coisa estranha. Ele parece ser um familiar das pessoas. Elas o defendem com unhas e dentes. O que ele fala vira verdade de forma instantânea.

O rapaz continuou falando sobre as dificuldades de estar em um meio no qual não se reconhece, afirmando que evita dar seus posicionamentos no ambiente militar:

- A minha resistência é o silêncio. Não pode falar de política nas forças armadas, no entanto se for para falar bem do Bolsonaro, pode. Então lá eu não me pronuncio. Eu reconheço quem pensa parecido comigo pelo silêncio. Quem cala não consente nesse caso. Quem cala não foi infectado essa doença.

- E você trata isso como doença por quê?

- Porque como em algumas doenças mentais não há argumento lógico que dê conta. Eu tentei conversar com amigos, parentes e todos ficam agressivos quando confrontados com as contradições. Parece um transe coletivo.

Continuamos conversar e eu falei que ele deveria ter outros amigos além do trabalho. Foi quando o militar sorriu laconicamente e disse:

- Estou cercado por todos os lados. Meus amigos de adolescência foram feitos na igreja evangélica que eu frequentava desde a infância. Quer dizer, que eu ainda frequento. Todos doentes de Bolsonaro também.

- E como se deu isso?

- O pastor de lá, sempre foi um cara do bem, e assumiu o voto no atual presidente e foi reproduzindo fake news nos grupos, postando coisas que abalavam a nossa fé. Foi adoecendo e adoecendo outros. Ficou duro, rígido, odioso e beligerante. Fez arminha com a mão no culto.

- Sério?

- Sério. Cada vez ele inflamava uma parcela da igreja com as notícias falsas. Eram tantas que cada pessoa ou grupo ia se identificando com uma. Não demorou para que a simpatia ao Bolsonaro fosse menor do que o ódio a quem se dizia progressista, de esquerda, feminista... Muita gente votou por ódio e isso não dá em boa coisa. Eu entrei nesse lugal de ser odiado por ser "esquerdista", simplesmente por não ter contraído essa "doença".

- E você se posicionou?

- Eu tentei e em alguns grupos trouxe informações verdadeiras conflitando com as do pastor, mas logo fui retirado da liderança do banda da igreja e excluído de alguns grupos. Ninguém me procurou. Senti o peso do que é ter um pastor contra você. Fui sendo evitado pelas pessoas, meus amigos começaram a me ver como um perigo.

- Mas você ainda frequenta?

- Não sei dizer direito. Hoje vou mais pela força do hábito e pela culpa. Desde quando uma das salas foi liberada para quem um grupo sobre terraplanismo pudesse debater, vi que ali não era o lugar de amor que eu idealizei a vida toda. Eu fiquei decepcionado não com Deus, mas com o que fazem em nome dele. Aí silenciei e não participo mais da coletividade que era o que me dava a noção de pertencimento. Eu vou, oro sozinho, e volto pra casa.

Tentei fugir daquele discurso duro e que não deixava margem para apontamentos e provoquei:

- Seus pais frequentam essa igreja também. Vocês os encontra? E sua família também adoeceu de Bolsonaro?

- Essa é a minha maior tristeza. Meu pai adoeceu e levou minha mãe junto.

- Como foi isso?

- Meu pai era meu maior orgulho. Começou a vida como engraxate e foi para vida militar. Sujeito boa praça que chegava aqui nos botecos no subúrbio e era amado. Torcedor do Bangu, fazia uma fé no bicho, tinha papo sobre tudo. Era da igreja, mas sabia fazer críticas e vivia feliz.

- Era?

- Sim. Ele adoeceu de Bolsonaro em 2018 e virou o avesso do que era. Ficou triste, com uma linguagem toda estereotipada de "esquerdalha", "globolixo", "volta AI-5". Virou um zumbi e não questiona nenhuma conduta do cara. Compartilha tudo que chega contra a esquerda, PT, Lula e Ciro... Não importa se é verdade, ele já vai postando ou compartilhando sem nenhuma crítica. Eu não consigo mais conversar com ele. Esse é o único assunto. Perdeu alguns amigos e só vive nos grupos bolsonaristas de Whatsapp e virou um ditador em casa. Foi por isso que fui morar sozinho.

- E sua mãe?

- Era uma senhora bondosa. Gostava muito de ir à igreja e fazer caridades. Todo mundo gostava dela, porém virou aquelas coroas que vai de verde e amarelo para Orla de Copacabana pedir a volta da ditadura militar. Uma professora que pede a volta da ditadura. Logo ela que sofre com uma em casa...

O paciente seguiu falando que as vezes não reconhecia as pessoas que ele jurava conhecer tão bem. Do nada, começou a chorar e disse:

- Eu só queria meus pais, meus amigos e minha igreja de volta. Eu queria que essa doença passasse de uma vez e a gente pudesse voltar a conversar sobre tudo. Eu queria poder discordar sem me sentir mal ou odiado por isso. Eu queria gritar um gol do Bangu com meu pai, fazer uma feijoada com a minha mãe ou fazer um som com meus amigos. Eu queria trabalhar sem medo de ser perseguido por meu silêncio diante do ufanismo da maioria. Vai demorar, mas eles voltam desse transe.

- Deve ser bem difícil mesmo.

- É sim. Não adoecer de Bolsonaro nos adoece de outras coisas. Já tive várias crises de pânico ao ver tudo isso que narrei e esse foi o motivo que me trouxe até aqui. Todos os dias eu faço um esforço enorme e sigo firme, reafirmando para mim mesmo que das doenças eu tive a menos grave.

Os 'documentos secretos' levados por Joe Biden ao Brasil que desafiam versão de Bolsonaro sobre ditadura

 Mariana Sanches - @mariana_sanches

  • Da BBC News Brasil em Washington

Crédito, Roberto Stuckert Filho/Presidência da Rep. (2015) Legenda da foto, 

Crédito, Roberto Stuckert Filho/Presidência da Rep. (2015)

Dilma e Biden em foto de 2015; na época, governo americano se aproximou de países latino-americanos com abertura de documentos históricos sobre violações de direitos humanos

Se havia alguma dúvida de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidenciável democrata Joe Biden estão em lados políticos opostos, o debate entre Biden e o presidente Trump na última semana tratou de dissipá-las. Na ocasião, Biden, favorito para vencer o pleito de 3 de novembro pelas atuais pesquisas, criticou a devastação da Amazônia e aventou até sanções econômicas ao país.

O meio ambiente, no entanto, está longe de ser o único tema de discordância entre Biden e Bolsonaro. O ex-vice-presidente americano está no centro de uma das empreitadas pelas quais o atual presidente brasileiro mais demonstrou desprezo e resistência: a apuração, pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), de crimes e violações cometidos por agentes públicos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Em 17 de junho de 2014, Biden, o então vice-presidente na gestão Barack Obama, desembarcou em Brasília com um objeto especial na bagagem: um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977. A partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão, os relatórios americanos detalhavam informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar do Brasil.

Até aquele momento, a maior parte dos documentos era considerada secreta pelo governo dos Estados Unidos, que apoiou e colaborou com a ditadura durante boa parte do período em que os militares estiveram no poder.

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Biden sabia bem do que se tratava. E sabia também que produziria impacto real ao passar a mídia para as mãos da então presidente brasileira Dilma Rousseff, ela mesma uma das oposicionistas torturadas nos porões da ditadura.

É certo que o governo americano poderia ter enviado o material por internet, pela embaixada nos Estados Unidos.

Mas a gestão Obama-Biden queria gravar seu nome no ato de abertura dos documentos, como um manifesto pela transparência e pelos direitos humanos.

Mais do que isso, queria melhorar relações diplomáticas com base na troca de informações altamente relevantes para a história de países como Brasil, Argentina e Chile.

No caso do Brasil, isso era ainda mais estratégico já que a revelação, meses antes, de que a Agência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês) havia espionado conversas da mandatária brasileira abalou o alicerce das relações entre os dois países.

"Estou feliz de anunciar que os Estados Unidos iniciaram um projeto especial para desclassificar e compartilhar com a Comissão Nacional da Verdade documentos que podem lançar luz sobre essa ditadura de 21 anos, o que é, obviamente, de grande interesse da presidente", afirmou Biden, sorridente, ao lado de Dilma.

Sem ditadura

A própria definição dada por Biden do regime militar é hoje refutada por Bolsonaro, que nega ter havido ditadura no país.

"Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", concluiu Biden.

Cinco anos após esse encontro entre Dilma e Biden, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro desqualificou por completo as revelações feitas pela CNV, das quais os documentos trazidos por Biden são peça fundamental.

"A questão de 64 não existem documentos se matou ou não matou, isso aí é balela, está certo?", disse Bolsonaro.

O presidente respondia à imprensa, que questionava uma declaração sua dada no dia anterior para atingir o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Bolsonaro disse pra Santa Cruz que poderia esclarecer a ele como seu pai havia desaparecido.

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da OAB, foi visto pela última vez em fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. Oliveira jamais voltou a ser visto. Ele morreu nas mãos dos agentes.

"Comissão da Verdade? Você acredita em Comissão da Verdade?Você quer documento para isso, meu Deus do céu? Documento é quando você casa, quando você se divorcia. Eles têm documento dizendo o contrário?, acrescentou Bolsonaro.

Mas, afinal, o que há nos documentos trazidos por Biden?

 Crédito, Arquivo Comissão Nacional da Verdade

Documento enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro descreve padrão de tortura

"O suspeito é deixado nu, sentado e sozinho em uma cela completamente escura ou refrigerada por várias horas. Na cela há alto-falantes, que emitem gritos, sirenes e apitos em altos decibéis. Então, o detido é interrogado por um ou mais agentes, que o informam qual crime acreditam que a pessoa tenha cometido e que medidas serão tomadas caso não coopere. Nesse ponto, se o indivíduo não confessa, e se os agentes consideram que ele possui informações valiosas, ele é submetido a um crescente sofrimento físico e mental até confessar."

"Ele é colocado nu, em uma pequena sala escura com um chão metálico, que conduz correntes elétricas. Os choques elétricos, embora alegadamente de baixa intensidade, são constantes e eventualmente se tornam insuportáveis. O suspeito é mantido nessa sala por muitas horas. O resultado é extrema exaustão mental e física, especialmente se a pessoa é mantida nesse tratamento por dois ou três dias. Em todo esse período, ele não recebe comida nem água."

O texto acima é um trecho de um documento de sete páginas enviado pelo consulado americano do Rio de Janeiro ao Departamento de Estado, em 1973, e trazido por Biden em sua visita.

A comunicação diplomática informa que 126 pessoas teriam passado por tratamento parecido ao relatado, além de outras formas de sevícias, como o "pau de arara". O informe é feito não só com base em depoimentos de vítimas, mas de informantes militares, cuja identidade aparece protegida por trechos apagados no documento.

Detalhes

"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.

Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros. Quase todo o mundo acredita neles. As pessoas que preferem não reconhecer a verdade sobre o que foi feito são os Bolsonaros e aqueles que realmente cometeram esses crimes".

Mas nem sempre Bolsonaro nega que a ditadura tenha cometido violações aos direitos humanos. Em julho de 2016, em uma entrevista à rádio Joven Pan, ele afirmou: "O erro da ditadura foi torturar e não matar".

E dois anos mais tarde, em meados de 2018, quando já estava em pré-campanha presidencial, confrontado com a informação de um relatório da CIA, aberto em 2015 no escopo do mesmo projeto de desclassificação de Biden, que o presidente Ernesto Geisel teria aprovado a execução sumária de adversários do regime, o atual presidente disse à rádio Super Notícia: "Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece."

Tortura e morte

Um dos outros documentos trazidos por Biden evidencia que a máquina repressiva da ditadura brasileira não só torturou como matou. Nele, o cônsul-geral americano em São Paulo, Frederic Chapin, afirma que ouviu o relato de "um informante e interrogador profissional trabalhando para o Centro de Inteligência Militar de Osasco", em São Paulo.


Crédito, Arquivo Comissão Nacional da Verdade

Telegrama de 1973 descreve a tortura de um policial e de uma amiga dele que, inicialmente, se recusou a colaborar

Em um telegrama de maio de 1973, Chapin escreve o seguinte: "Ele (o informante) explicou como havia quebrado uma célula 'comunista' envolvendo um agente da polícia civil. O policial foi forçado a falar depois de ter tomado choques elétricos nos ouvidos e mencionou sua conexão com uma amiga, que foi imediatamente detida. Ela não foi cooperativa, no entanto, então foi deixada no pau-de-arara por 43 horas, sem alimentos ou água."

"Isso a quebrou, nossa fonte contou. Tortura, de uma forma ou de outra, é prática comum em interrogatórios em Osasco. Ele também nos deu um relato em primeira mão do assassinato de um subversivo suspeito, o que chamou de 'costurar' o suspeito, ou seja, dar tiros nele da cabeça aos pés com uma arma automática."

O termo "costurar" seria referência a um método para desfigurar o cadáver e evitar sua futura identificação.

Assassinatos cometidos pela repressão

O cônsul Chapin relata ainda que "vários agentes de segurança nos informaram que suspeitos de terrorismo são mortos como prática padrão. Estimamos que ao menos doze tenham sido mortos na região de São Paulo no ano passado (1972)".

Ao registrar as mortes em São Paulo, Chapin aponta para a atuação do coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe do DOI-Codi paulista, um dos principais órgãos de repressão do país, entre 1970 e 1974. Ustra foi o primeiro militar brasileiro a ser condenado civilmente pela Justiça pelos crimes de tortura. Ele é também considerado um herói e uma referência por Bolsonaro, que já afirmou ter como livro de cabeceira a obra de Ustra, A verdade sufocada.

"Sou capitão do Exército, conhecia e era amigo do coronel, sou amigo da viúva. (...) o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recebeu a mais alta comenda do Exército, a Medalha do Pacificador, é um herói brasileiro", afirmou Bolsonaro em 2016.

Enquanto era deputado, no dia da votação da abertura de processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, naquele mesmo ano, Bolsonaro citou o militar em seu voto: "Perderam em 1964, perderam em 2016. (...) Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim".

"Só terroristas"

Outro documento da leva de Biden desafia um argumento central de Bolsonaro sobre o período: o de que o regime militar só prendeu, torturou e matou "terroristas".

Em dezembro de 2008, quando o Ato Institucional número 5, instrumento da ditadura que cassou liberdades individuais, completava 40 anos, o então deputado federal Bolsonaro ocupou o plenário da Câmara para dizer: "Eu louvo os militares que, em 1968, impuseram o AI-5 para conter o terror em nosso País, (...) Mas eu louvo o AI-5 porque, pela segunda vez, colocou um freio naqueles da esquerda que pegavam em armas, sequestravam, torturavam, assassinavam e praticavam atos de terror em nosso País".

 

Crédito, Arquivo Comissão Nacional da Verdade

Serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS

Mas em outubro de 1970, o serviço diplomático americano no Brasil mandou uma comunicação ao Departamento de Estado registrando os relatos de um cidadão americano, Robert Horth, que havia sido confundido com um extremista e preso no DEOPS, a unidade de polícia política paulista.

Horth não era um comunista subversivo e afirmou aos diplomatas americanos que "cinco dos seis prisioneiros em suas celas eram absolutamente inocentes da acusação de subversão política".

Outro documento, de dezembro de 1969, dá força ao questionamento sobre os crimes reais dos alvos escolhidos pela repressão ao informar que freiras dominicanas foram presas, humilhadas e torturadas em Ribeirão Preto.

"Mais do que trazer novos fatos, os documentos americanos foram cruciais porque comprovaram muitos fatos a partir de uma fonte insuspeita. Estamos, afinal, falando de relatórios da diplomacia dos Estados Unidos, que não tinham qualquer simpatia pelos oposicionistas de esquerda e que apoiavam os militares", afirmou à BBC News Brasil Pedro Dallari, relator da CNV.

Prova de que o governo americano era, naquele período, abertamente a favor do regime está em uma comunicação do embaixador americano William Rountree de julho de 1972. Na carta, ele alerta ao Departamento de Estado que qualquer tentativa de fazer críticas públicas contra o que qualifica como "excessos" cometidos contra os direitos humanos poderia "prejudicar nossas relações gerais".

CNV

Os documentos americanos tornaram-se especialmente importantes para a CNV diante da negativa das Forças Armadas Brasileiras de oferecer evidências que corroborassem os depoimentos de vítimas de tortura em dependências militares.

"Ao mesmo tempo em que chegavam os documentos americanos, recebíamos retorno dos militares dizendo que suas sindicâncias não localizaram nada", afirma Dallari.

Kornbluh concorda que, enquanto muito da documentação brasileira do período pode já ter se perdido, os arquivos americanos são fonte importante para acessar a história brasileira.

"Parte dos militares brasileiros esconderam com sucesso a maioria de seus próprios documentos e mantiveram isso fora do escrutínio público. E conseguiram escapar de qualquer tipo de responsabilidade legal por seus crimes contra os direitos humanos. E então os documentos americanos fornecem um histórico fidedigno de pelo menos alguns casos. E se as coisas mudarem no Brasil, essas são evidências de crimes que ainda podem ser litigados", afirma o especialista, que menciona a lei da Anistia, de 1979, que impediu a responsabilização criminal de agentes e oposicionistas por crimes cometidos durante a ditadura.

Em 2014, durante os trabalhos da CNV, o Exército brasileiro afirmou que não opinaria sobre o reconhecimento do Estado Brasileiro em relação às torturas, enquanto a Força Aérea e a Marinha disseram não ter provas para reconhecer, tampouco refutar as acusações de violações de direitos humanos nas décadas de 60 e 70.

 Crédito, Arquivo Comissão Nacional da Verdade

Embaixador escreveu sobre não condenar excessos publicamente

O que o histórico diz sobre relação Brasil-EUA em possível governo Biden?

Para Dallari, apesar de o golpe de 1964 ter recebido o apoio do governo americano, então sob a batuta do democrata Lyndon Johnson, nas últimas décadas, os democratas deixaram claro ter interesse em colaborar com processos de investigação sobre atrocidades cometidas pelos governos na região e o papel dos Estados Unidos nelas.

"Eu não tenho porque duvidar que Obama e Biden tivessem real interesse em abrir essas informações. E o primeiro presidente americano a se opor a violações dos direitos humanos na região foi outro democrata, o presidente Jimmy Carter", diz ele, em referência ao presidente americano entre 1977 e 1981.

Na verdade, desde a administração Clinton, nos anos 1990, documentos secretos sobre ditaduras latino-americanas têm se tornado públicos. Mas foi na gestão Obama que essa abertura dos arquivos ganhou tons de política de relações exteriores, em algo que Kornbluh batizou de "diplomacia da abertura".

Além do Brasil, Argentina e Chile também receberam acesso a documentos, em um esforço americano para melhorar sua imagem e seu relacionamento na região.

E com Biden e Dilma, o especialista afirma que esse tipo de diplomacia alcançou um de seus pontos mais altos, já que as relações foram reconectadas depois da visita de Biden em 2014.

"Tenho certeza de que ele foi informado sobre o teor dos documentos. E é uma tarefa importante a de carregar esses documentos que descrevem violações graves dos direitos humanos durante a era militar. Certamente foi uma experiência de aprendizado para o vice-presidente Biden e um lembrete pungente para ele dos horrores cometidos", diz Kornbluh.

Em conversas com a BBC News Brasil, conselheiros da campanha de Biden têm dito que o tema dos direitos humanos é central para o candidato, especialmente na América Latina.

Mas embora ainda exista um grande arquivo intocado sobre a história da ditadura do Brasil, especialmente de informações dos órgãos de inteligência como FBI e CIA, é improvável que Biden faça qualquer nova abertura se vencer as eleições.

Isso porque documentos secretos americanos sobre outros países só podem se tornar públicos se os governos dessas nações requisitarem acesso aos americanos. E hoje não há interesse no governo brasileiro por esse tipo de informação.

"Naquele momento, a abertura foi importante e ajudou os dois países a se reaproximarem. Agora, em um possível governo Biden, com Bolsonaro no Brasil, é um contexto completamente diferente. Mas se Bolsonaro cometer violações de direitos humanos, a administração Biden agiria de modo muito mais rápido e negativo do que Trump e pressionaria Bolsonaro a parar", diz Kornbluh.