Empresa com ex presidente da PETROBRAS lucra quase 500 bilhões com campos que ele mesmo ajudou a vender!
DO INTERCEPT
21 de Novembro de 2022, 6h13
Maior
empresa brasileira e uma das gigantes mundiais no ramo de petróleo, a Petrobras
tomou um novo rumo no governo Bolsonaro ao acelerar a venda de parte de seu
patrimônio — uma mudança de perfil que deve ser revista no terceiro mandato de
Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de janeiro de 2023.
Iniciada
durante o governo de Dilma Rousseff, a política que permitiu o surgimento de
novos atores privados no mercado ganhou um forte impulso com o atual governo,
responsável por vender a maioria dos ativos negociados pela Petrobras até o
momento.
Quem
liderou essas aquisições foi uma pequena e até há pouco tempo desconhecida
petrolífera, a 3R Petroleum, que tem em sua cúpula alguns ex-diretores da
Petrobras e atua exclusivamente em campos comprados da estatal.
Fundada
em 2014, a 3R Petroleum tornou-se expoente do novo mercado adotando uma velha
prática do setor, a chamada porta giratória – quando executivos envolvidos em
uma ponta do processo passam para o outro lado do balcão, atuando em companhias
privadas que compram justamente espólio da estatal da qual vieram.
Pelo
menos 12 profissionais da 3R vieram da Petrobras, inclusive o ex-presidente da
estatal, Roberto Castello Branco, responsável por alavancar o programa de
desinvestimento no governo Bolsonaro. Castello Branco é o atual presidente do
Conselho de Administração da 3R.
O caso
chama a atenção por iluminar os bastidores de um mercado e seus novos atores
privados, admitidos no país desde a edição da Lei do Petróleo, em 1997, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, responsável por derrubar o monopólio da Petrobras.
Quando a legislação entrou em vigor, o país extraía 1 milhão de barris
de petróleo por dia. Hoje, são mais de 2,8 milhões de barris por dia,
produzidos por mais de 40 empresas – a Petrobras é a gigante absoluta,
respondendo por 93% da produção.
Além de
diretores experientes e o aproveitamento no programa de desinvestimento da
Petrobras, o que impulsionou a 3R foi o preço competitivo de algumas das
aquisições. A companhia comprou nove polos de gás e petróleo ofertados pela
estatal – três deles, ainda em fase de transição.
Todos os
ativos foram negociados no governo Bolsonaro, cujo ministro da economia, Paulo
Guedes, é um declarado entusiasta da privatização da Petrobras e ex-sócio (e
fundador) do BTG Pactual, banco que detém uma pequena parte (3,68%) do capital
social da 3R. O BTG Pactual também ajudou a levantar dinheiro para o grupo
adquirir ativos.
A primeira
tentativa da 3R de comprar um espólio da Petrobras ocorreu no final do governo
Michel Temer, presidente cuja agenda liberalizante acelerou ainda mais o
programa iniciado no governo Dilma.
O alvo
era o polo de Riacho da Forquilha, no Rio Grande do Norte, com alguns dos
maiores poços onshore (extração de gás ou petróleo realizada em terra) do
Brasil. Mas a companhia renunciou ao direito de compra. Segundo noticiou-se à
época, exatamente pela desconfiança do mercado em relação ao faturamento e à
inexperiência da 3R no setor.
“A 3R ficou responsável pela área
que ele gerenciou na Petrobras”.
O cenário
mudou desde então. A companhia estreou na bolsa de valores há dois anos e
chamou a atenção do mercado financeiro exatamente num momento em que o barril
de petróleo valorizou por causa da invasão na Ucrânia e da alta da inflação em
todo o mundo. Nos canais de jovens investidores no YouTube, a 3R é comparada à
Petrorio, outra petroleira nacional, em atividade há mais tempo, que cresceu
comprando campos maduros (aqueles que já passaram do pico de produção) da
Petrobras.
“Quando a
Petrobras decide vender é que se inicia. Construímos a 3R para esse tipo de
oportunidade. Somos a empresa que mais assinou contratos de compra com a
Petrobras. Foi muito trabalho nessa primeira fase, onde o segredo é precificar
corretamente”, afirmou o CEO da empresa, Ricardo Savini, em entrevista ao jornal O
Globo neste ano. Ele é geólogo, formado na Petrobras, tendo trabalhado lá por
mais de uma década.
Além do
BTG Pactual, a companhia conta com outros fundos e bancos para capitalizar e
realizar novas aquisições. E tem atraído parceiros de peso como a família
Gerdau, dona de 10,9% do capital da empresa, por meio da Gerdau Investimento.
Neste
ano, a 3R contraiu dois empréstimos de 500 milhões de dólares cada para poder
pagar o polo Potiguar, o maior e mais valioso ativo da Petrobras que entrará
para o portfólio do grupo. O acordo de compra e venda foi assinado em janeiro
deste ano – o preço supera 1,3 bilhão de dólares. No primeiro empréstimo,
anunciado num comunicado ao mercado
em agosto, a 3R informou que o valor foi emprestado por um grupo de credores
que conta com Morgan Stanley, Citibank, Banco do Brasil, Itaú, Deutsche Bank,
entre outros. O segundo, firmado dois meses depois,
foi com o BTG Pactual. As cifras poderão ser pagas em até cinco anos, mas os
bons resultados mostram que o débito deve ser honrado bem antes.
No último balanço divulgado, a
3R registrou receita líquida no terceiro trimestre deste ano de R$ 502 milhões,
um aumento de 161% em relação ao mesmo período de 2021. Já o lucro líquido foi
de R$ 469 milhões, um fabuloso crescimento de 1.364%, comparado ao trimestre
anterior.
Uma girada de sucesso
Nos dois
anos e três meses da gestão de Castello Branco na Petrobras, a estatal vendeu
37 campos de petróleo. Só com a 3R, nesse período, os campos negociados
renderam cerca de R$ 3,8 bilhões, em valores atuais.
Castello
Branco virou presidente da Petrobras após as eleições de 2018. Foi indicado por
Guedes e ocupou o cargo de janeiro de 2019 até 12 de abril de 2021. No discurso
de posse, ele – defensor da privatização da estatal, assim como seu padrinho
político – criticou a existência de monopólios e pregou menor intromissão do
Estado na economia.
Durante a
gestão Castello Branco, a Petrobras realizou sucessivos reajustes no preço da
gasolina e do diesel provocando um choque direto com Bolsonaro, que desejava
controlar os preços dos combustíveis. O presidente demitiu o executivo. Em
resposta, Castello Branco acusou Bolsonaro de usar a empresa como se fosse dele e deu
a entender que tinha mensagens em seu telefone corporativo que poderiam
incriminá-lo.
Seguindo
uma praxe que se tornaria recorrente ao longo do mandato, Bolsonaro colocou o
assunto sob sigilo e decretou o prazo de 100 anos para acesso às mensagens.
Menos de um ano depois de ser demitido, em março de 2022, o mercado tomou conhecimento de que o ex-chefe da Petrobras assumiria
o cargo máximo no conselho de administração da 3R Petroleum. Apesar de ter
suscitado críticas, a ida do executivo para a petrolífera não é ilegal, já que
foi respeitada a quarentena de seis meses prevista em lei para evitar conflito
de interesses. A restrição temporária também vale para ministros, “presidentes
e diretores de empresas públicas ou sociedades de economia mista”.
A Petrobras informou ao Intercept que o descumprimento dos
princípios e compromissos internos (os mesmos previstos na lei em questão, nº
12.813/2013) podem acarretar medidas disciplinares, mas ressaltou que não
“comenta casos específicos”.
Em nota enviada ao Intercept, Castello Branco ressaltou que o
desinvestimento de “um ativo está sujeito a rigorosas normas de governança
requerendo aprovação” de diferentes órgãos da empresa, além de auditoria do
Tribunal de Contas da União, sendo um processo decisório do qual participam
pelo menos 40 pessoas. “É incorreto dizer que a decisão é do presidente [da
Petrobras]”, afirmou.
Vícios do mercado
Outro
caso de porta giratória verificado na relação entre a Petrobras e a 3R envolve
o engenheiro elétrico José Luiz Marcusso, que trabalhou por 38 anos na estatal
e ocupou posições como a gerência de recursos humanos e da área de produção e
exploração no Espírito Santo — estado onde se encontra o polo Peroá, um dos
ativos colocados à venda no programa de desinvestimento.
Marcusso deixou a Petrobras em março de 2021, um mês antes da empresa vender
o polo. Após cumprir os seis meses de quarentena previstos em lei, o engenheiro
assumiu, já no primeiro mês livre, o cargo de gerente de ativos na 3R, que
acabou por fechar o negócio em Peroá.
Quando as operações foram finalmente transferidas à 3R, em agosto passado,
quem representava a companhia era o mesmo Marcusso, que tinha comandado as
operações na área pela Petrobras uma década antes.
“Ele é o caso mais cristalino disso tudo”, ressaltou Etory Sperandio,
diretor do Sindipetro, o Sindicato dos Petroleiros, do Espírito Santo.
O negócio foi vantajoso, segundo o relatório de produção publicado no site da 3R, dona de 85%
do polo, ao custo de 55 milhões de dólares.
Foram mais de 78 mil barris de petróleo extraídos em agosto deste ano,
primeiro mês de operação, quando o valor do barril superou os 90 dólares no
mercado internacional. O faturamento bruto da empresa chegou à casa de 7
milhões de dólares nos primeiros 30 dias. Em oito meses, com os preços e a
produção mantidos no mesmo patamar, a 3R terá faturado no Peroá mais do que
todo o valor que gastou na aquisição do ativo: 56 milhões de dólares.
Esse exemplo foi citado no levantamento realizado pelo Sindipetro do
Espírito Santo, que levanta casos de conflito de interesses e critica a
política de “desmontar” a Petrobras.
A estatal criada em 1953 desenvolveu ao longo dos anos uma grande expertise
na formação de profissionais, o que ajuda a entender o porquê de tantos
executivos e diretores de carreira serem cobiçados por outras empresas –
nacionais e estrangeiras. Alguns estão perto da aposentadoria e veem as ofertas
como oportunidade para ganhar excelentes dividendos e estender o tempo útil da
carreira. A Petrobras diz possuir “uma política de remuneração e benefícios
alinhada às melhores práticas de mercado”.
O Intercept encontrou outro caso de porta giratória do ano passado que
envolve um ex-diretor-executivo da Petrobras. Diferente dos demais casos
citados, este recebeu uma reprimenda da Comissão de Ética Pública da
Presidência por conflito de interesses e, por coincidência, justamente durante
a gestão de Roberto Castello Branco.
No início do governo Bolsonaro, houve uma troca na cúpula da estatal. Na
diretoria de desenvolvimento da produção e tecnologia, saiu Hugo Repsold Júnior
– que iria trabalhar para a 3R, abandonando o posto meses depois – e entrou
Rudimar Andreis Lorenzatto.
Lorenzatto atuou na Petrobras por quase 25 anos e foi um dos profissionais
formados em Macaé, no Rio de Janeiro, participando das descobertas do pré-sal,
em 2006 (no final do primeiro mandato de Lula).
O processo na Comissão de Ética Pública ocorreu após ele deixar a empresa no
primeiro semestre de 2021. Atualmente, Lorenzatto atua na Karoon Energy Brasil,
como vice-presidente de operações.
“Essa
porta giratória faz parte do mercado, pelo menos desde os anos 1990. O estado
se encarrega de formar e qualificar o profissional, que depois é contratado por
uma empresa. Assim, ele ganha muito dinheiro e ajuda a capitalizar uma empresa
nova”, contou Cloviomar Cararine, economista do Dieese.
O estado se encarrega de formar e
qualificar o profissional, que depois é contratado por uma empresa.
Uma
característica dessas pequenas e médias empresas, segundo o economista Eduardo
Costa Pinto, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis, é nortear a produção de acordo com o preço do barril
do petróleo no mercado internacional: quando ele sobe, a produção
automaticamente aumenta; quando cai, a produção segue o mesmo ritmo. “Elas
vivem na dependência do mercado internacional”, ressaltou Cararine.
A venda
de ativos da Petrobras se justifica pela necessidade de focar a produção na
exploração do pré-sal. O objetivo dos desinvestimentos é reduzir a dívida da
empresa, algo que já preocupava muito antes da Lava Jato, operação que puxou um
grande novelo de corrupção na estatal e que serviu de estímulo para acelerar as
vendas.