PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DE MARIELLE E ANDERSON!

 

10.3 PLANEJAMENTO, EXECUÇÃO E PÓS-CRIME

10.3.1 PLANEJAMENTO

Ao cabo da primeira reunião e animado com o potencial da empreitada criminosa para qual foi escalado, LESSA prontamente solicitou que MACALÉ providenciasse os instrumentos que ele reputava como imprescindíveis à execução, quais sejam: a arma, o veículo, o aparelho celular ponta-a-ponta e as informações pessoais de Marielle Franco.

 10.3.1.1 Origem da arma do crime

Acerca da arma, a única exigência feita a MACALÉ é que não fosse um revólver. Segundo LESSA, para a consecução do crime bastava que lhe fosse destinada uma pistola. No entanto, para sua grata surpresa, MACALÉ, em meados de setembro de 2017, lhe apresentou uma HK MP5, submetralhadora alemã da predileção de LESSA, visto que ele operava com esse tipo de armamento no período em que fora lotado no Batalhão de Operações Especiais – BOPE da PMERJ. Ademais, como possuía o registro de uma réplica da arma no calibre 22 e é perito em armaria, RONNIE LESSA sabia de todos os meandros necessários ao aprimoramento do armamento como, por exemplo, a aposição do supressor de ruído empregado na ação.

Uma vez sob sua posse, RONNIE, aproveitando uma oportunidade em que foi com MAXWELL ao Motel Taba, estabelecimento abandonado situado na Estrada do Catonho, Zona Oeste do Rio de Janeiro, realizou alguns disparos com a arma para testá-la. Para tanto, em um barranco situado nas proximidades de onde seria destinada a construção de uma nova série de suítes, ele desferiu uma pequena rajada de cinco a seis tiros.

Com isso, esta equipe foi até o local, conforme se verifica na Informação de Polícia Judiciária de fls. 020/2023 de fls. 58/89 da Pet n.º 16.654/DF, no intuito de que fossem encontrados fragmentos balísticos decorrentes dos mencionados disparos. Entretanto,tal diligência restou frustrada, tendo em vista que o administrador do local, senhor CÍCERO ALVES DE SOUSA, indicou que, em função do crescimento da vegetação e da queda de terras oriundas do barranco, o Motel, nos anos de 2018 ou 2019, contratara um trator pequeno para fazer a limpeza da área.

 

Retomando o relato de LESSA, MACALÉ foi buscar a arma na Comunidade de Rio das Pedras com ROBSON PEIXÃO e FININHO, ambos devidamente já citados. Junto da arma, vieram dois carregadores repletos e a seguinte exigência: ela tinha que ser devolvida após a execução do crime. Naquele momento RONNIE menosprezou tal exigência, achando que se tratava de um mero capricho de quem a fornecera, sobretudo quando se observa pela ótica da instintiva reação do criminoso de querer se desvencilhar da arma do crime para dificultar a persecução penal.

Entretanto, quando RONNIE começa a discorrer sobre as características da arma se depreende o motivo da referida exigência. Certamente se tratava de arma apreendida ou vinculada ao arsenal de alguma força de segurança pública, ante o caráter restrito do

armamento.

Apesar de não ser brasonada, o número de série não havia sido suprimido. Se tratava do modelo com coronha retrátil, mais antigo, no qual não há o módulo de burst de três disparos, sua empunhadura é fina e seu carregador curvo. Abaixo segue a fotografia de um modelo semelhante:

 

Diante da constatação de a arma foi adestinada do paiol de alguma instituição estatal, foram disparados pela FTMA/GAECO/MPRJ, conforme se verifica às fls. 17967/17984, os expedientes contendo solicitação destinada às Forças Armadas e às Forças de Segurança Pública a fim de que fossem prestadas informações detalhadas acerca das submetralhadoras HK MP5 constantes em seus respectivos arsenais na época dos fatos.

Em que pese a solicitação ter sido destinada às Forças Armadas, se mostra irrisória a probabilidade de que o armamento tenha de lá saído em setembro de 2017 e retornado somente após abril de 2018 sem que houvesse qualquer constatação de sua adestinação,

ante a rotina militar de conferências diárias no paiol. Acerca do tema, a constatação do sumiço das 21 armas de grosso calibre subtraídas da Unidade do Arsenal de Guerra de São Paulo, situado em Barueri/SP, foi, ainda que tardia, amplamente divulgada na imprensa.

Desta forma, filtrando as informações recebidas e com os olhos postos naquelas encaminhadas pela Polícia Militar, pela Polícia Civil e por esta Superintendência da Polícia Federal, chegou-se à conclusão que não foi possível identificar a arma empregada na ação.

Em relação às armas desta Polícia Federal, todas aquelas que constavam no arsenal desta Superintendência do Rio de Janeiro e suas delegacias descentralizadas foram submetidas ao exame de confronto balístico com os fragmentos coletados em local de crime, o qual resultou negativo, conforme se verifica no bojo dos Laudos n.º 3038, 3040 e 3574/2023-INC/DITEC/PF de fls. 18106/18127, 18129/18164 e 18251/18269, respectivamente.

Importante mencionar que a submetralhadora serial AC001605 foi subtraída do acervo desta Polícia Federal em período anterior ao crime, qual seja, antes de 10 de março de 2015, de acordo com o Relatório Final do Inquérito Policial n.º 2015.0002530- SR/PF/RJ de fls. 18166/18170.

No que tange às armas elencadas pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro no Ofício SEPM/CGPM/SISC n.º 20 de fls. 18184/18185, uma vez opostas ao mesmo exame de confronto, novamente se chegou ao resultado negativo, o que se constata nas Informações n.º 086 e 096/2023/NUCRIM/SETEC/SR/PF/RJ de fls. 18076/18079 e Informação n.º 004/2023/SEPBAL/DLAD/SR/PF/RJ de fls. 18080/18082.

Por fim, no que concerne ao acervo da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, acostado às fls. 18032/18067, impende ressaltar que uma série de exames de confronto foram levados a efeito no âmbito do Inquérito Policial n.º 901-00385/2018 que identificou os executores de Marielle e Anderson. Entretanto, conforme será amplamente dissecado em tópico específico, agentes da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro participaram da orquestração do delito e, posteriormente, contribuíram para a obstrução de sua investigação.

Nesse sentido, sem contar com as intempéries naturais decorrentes do decurso do tempo como, por exemplo, a eventual deformidade das raias ou do cano da arma em razão da profusão de disparos efetuados, submeter a confronto todas as armas elencadas pela Polícia Civil, além do dispêndio de recursos, atrasaria o decurso da presente apuração e teria o condão de vulnerar o sigilo dos atos investigativos praticados. Ou seja, no confronto do custo da diligência com os seus potenciais benefícios, fica claro qual alternativa se deve escolher.

Já no que se refere à identificação e rastreio das munições utilizadas no crime, a Polícia Civil já havia tentado em relação às do lote UZZ-18, mas esbarrou na profusão de munições 9mm produzidas no mesmo lote – 1.859.000 (um milhão oitocentas e cinquenta e nove mil) – distribuídas para todas as 27 Superintendências Regionais desta Polícia Federal em 29 de dezembro de 200642.

Sendo assim, nos restou tentar identificar a cadeia de domínio do único estojo de munição distinto do lote UZZ-18 encontrado no local de crime: a munição colombiana Indumil. Todavia, de acordo com a resposta das autoridades colombianas ao pedido de Cooperação Policial Internacional suscitado ainda no bojo do Inquérito Policial n.º 2023.0012608-SR/PF/RJ, encartada às fls. 18217/18249, não foi possível determinar a quem se vendeu o cartucho, em razão da falta de maiores informações, bem como a precariedade dos dados contidos no cartucho em si.

Deste modo, apesar do hercúleo esforço nesse sentido, não foi possível identificar a arma, tampouco a origem das munições utilizadas por RONNIE LESSA na execução.

10.3.1.2 Origem do veículo GM/Cobalt

Para falar acerca da origem do veículo devemos relembrar o capítulo das inferências externadas pelo colaborador ÉLCIO VIEIRA DE QUEIROZ no bojo de suas declarações. De acordo com o que foi apurado, além da encomenda do homicídio de Marielle Franco, MACALÉ encaminhou a RONNIE LESSA a tarefa idealizada pelo contraventor BERNARDO BELLO para matar a então Presidente do Acadêmicos do Salgueiro, REGINA CELI.

Sendo assim, com as duas demandas concomitantes, apesar da tentativa de LESSA de separá-las e, assim, compartimentar as informações dos atores que não estavam empregados em ambas as missões, estas tiveram alguns pontos de contato, sendo um deles o veículo GM/Cobalt.

Diante da concomitância das tarefas, em um primeiro momento LESSA se confundiu e indicou que o veículo havia sido fornecido por EDMILSON MACALÉ, no mesmo “pacote” em que foram trazidas as armas e informações pessoais de Marielle.

Posteriormente, LESSA indicou que o nacional OTACÍLIO ANTÔNIO DIAS JÚNIOR (CPF n.º 100.779.457-78), vulgo HULKINHO, teria dado para SUEL o já clonado GM/Cobalt, em razão do falecimento de seu possuidor, um miliciano conhecido por HAMBURGÃO, lutador de artes marciais que outrora tinha sido patrocinado por LESSA para disputar torneios da área. SUEL, inclusive, providenciara os jogos de placas de identificação contrafeitos que eram habitualmente trocados pelo grupo criminoso no período em que realizaram o monitoramento dos alvos, dada a sua expertise nesse espúrio mercado de automóveis clonados, o que foi amplamente corroborado na primeira fase do presente trabalho.

Devidamente intimado e na companhia de sua advogada, HULKINHO confirmou o relato de LESSA e informou que SUEL lhe solicitou um veículo, mesmo que de origem ilícita, por volta do final de 2017 e no início de 2018. Para tanto, HULKINHO fez contato com um miliciano de alcunha BIG MAC (alcunha posteriormente confirmada por LESSA), lutador de jiu-jitsu, morto ainda em 2018. HULKINHO providenciou, assim, o GM/Cobalt utilizado na empreitada e remeteu a SUEL sem, no entanto, saber a que ele se destinava, tendo em vista que SUEL era notório e contumaz intermediador de veículos dessa espécie, senão vejamos:

QUE aproximadamente no final de 2017 e no início de 2018 MAXWELL SIMÕES CORRÊA vulgo SUEL lhe disse que estava precisando de carro, que inclusive poderia ser decorrente de busca e apreensão; QUE SUEL é seu amigo; 

QUE também era amigo de RONNIE LESSA; QUE o depoente falou que não conseguiu carro de busca e apreensão mas clonado; 

QUE SUEL aceitou, tendo o depoente lhe entregado o carro; 

QUE o depoente conseguiu um GM/Cobalt prata com um homem de alcunha BIG MAC

QUE não sabe o nome de BIG MAC

QUE BIG MAC era novo, menos de 20 anos, e treinava jiu-jitsu; 

QUE BIG MAC morreu em 2018 alvo de disparos de arma de fogo; 

QUE o depoente sabia que BIG MAC andava com carro "ruim" pelo Gardênia Azul; 

QUE SUEL não lhe especificou o motivo de ter encomendado tal veículo; 

QUE o depoente sabia que SUEL mexia com carros, especialmente os adquiria em leilões;

QUE o depoente imaginou se tratar de alguma negociata nesse sentido; 

QUE não se recorda da placa do veículo; 

QUE o depoente se recorda que SUEL chegou a consultar a placa junto ao Sinesp e retornou sem indicação de registro de furto/roubo; 

QUE não sabe dizer se SUEL trocou as placas do veículo. (...)

Aqui, impende pontuar que, segundo RONNIE LESSA, embora MAXWELL estivesse inicialmente recrutado para a missão homicida em face de REGINA CELI, em um determinado momento, por questões de conveniência logística, ele e os instrumentos utilizados em um crime foram aproveitados no planejamento do outro, e vice-versa, senão vejamos.

Em um primeiro momento, o carro destacado para ser empregado no homicídio de REGINA CELI era um carro branco oriundo de um “golpe do seguro” perpetrado pelo tio do nacional MÁRCIO JOSÉ ROSA DE CARVALHO (CPF n.º 121.893.067-52), vulgo MARCINHO. Até que fossem concluídas as etapas do pagamento do prêmio e obtidas as placas contrafeitas a serem apostas no veículo, ele ficou acondicionado no já mencionado Motel Taba, estabelecimento abandonado situado na Estrada do Catonho. Quando foram superados tais entraves, LESSA, acompanhado de SUEL, foi buscar

o veículo no motel, oportunidade na qual se aproveitou para testar a HK MP5 cedida por MACALÉ. Todavia, por terem deixado o veículo estacionado em um determinado lugar por muito tempo, este foi rebocado e alocado em um depósito, de modo que seria inviável perquirir sua restituição, por se tratar de veículo clonado.

Tal episódio explica, inclusive, a dinâmica retratada por ÉLCIO no contexto de sua colaboração premiada, quando ele se recorda de um evento em que LESSA havia pedido para SUEL movimentar o GM/Cobalt, a fim de que eles não perdessem outro veículo rebocado. LESSA destinava tal tarefa a SUEL pela sua impossibilidade de conduzir veículos de câmbio manual em razão da amputação de sua perna esquerda.

Dito isso, o GM/Cobalt passou a ser empregado nas duas tarefas, de modo que, assim que fosse cometido qualquer um dos delitos, já havia um jogo de placas adulteradas à disposição da horda para troca imediata, com o fim de dificultar a persecução penal. Assim, constata-se que isso trazia conveniência à empreitada tendente à execução de Marielle, o que foi asseverado por LESSA.

Nesse sentido, ante a perpetuação inócua do planejamento e diante de eventos frustrados de execução do plano homicida, LESSA ressalta que, embora SUEL não soubesse dos pormenores da empreitada em face de Marielle, os dois projetos já haviam se tornado uma coisa só, tamanha era a simbiose dos meios empregados, notadamente o GM/Cobalt.

  

 

 

 

Assim, constata-se que isso trazia conveniência à empreitada tendente à execução de Marielle, o que foi asseverado por LESSA.

Nesse sentido, ante a perpetuação inócua do planejamento e diante de eventos frustrados de execução do plano homicida, LESSA ressalta que, embora SUEL não soubesse dos pormenores da empreitada em face de Marielle, os dois projetos já haviam se tornado uma coisa só, tamanha era a simbiose dos meios empregados, notadamente o GM/Cobalt.

Tanto eram uma coisa só que, mesmo sem participar da execução e, a princípio, sem estar vinculado ao plano original de executar Marielle Franco, SUEL foi o responsável por toda a logística de desmanche do GM/Cobalt, conforme detalhado na primeira fase da presente apuração.

10.3.1.3 Levantamento e monitoramento de Marielle Franco – 2ª Reunião

Acerca do levantamento de informações e monitoramento de Marielle Franco, RONNIE LESSA destaca que, a princípio, recebera o suposto endereço residencial dela situado à Rua do Bispo, Rio Comprido, Rio de Janeiro/RJ.

Com base nessa informação, RONNIE e MACALÉ, quando este estava disponível, foram a campo estudar e observar todas as peculiaridades atinentes ao local.

Inicialmente RONNIE destacou que se tratava de local de difícil monitoramento, uma vez que as condições da rua, como policiamento e dificuldade para estacionar veículos, inviabilizava o desenvolvimento de uma satisfatória vigilância da rotina da vítima.

Ademais, as características do prédio, sobretudo por não dispor de garagem, indicava que o monitoramento de eventual veículo da vítima restaria prejudicado.

 

Confrontado com tal cenário, RONNIE passou a tentar se debruçar sobre mais elementos acerca da rotina de Marielle Franco e se deparou, em um determinado momento, com a informação de que ela frequentava um bar na Praça da Bandeira, o que nos remete ao Dida Bar, citado por ÉLCIO como sendo um dos locais mencionados por RONNIE como provável destino de Marielle na fatídica noite do dia 14 de março de 2018.

Entretanto, as condições do local, segundo LESSA, também inviabilizavam uma tranquila execução.

Com o passar do tempo LESSA foi ficando impaciente com a falta de avanço na empreitada e resolveu buscar uma alternativa mais fácil: monitorar Marielle na saída da Câmara dos Vereadores. Entretanto, tal alternativa esbarrava na única exigência apresentada pelos Irmãos BRAZÃO, qual seja, aquela imposta por RIVALDO BARBOSA, então Diretor da Divisão de Homicídios da PCERJ e garantidor da impunidade da empreitada.

Assim, LESSA provocou MACALÉ para que fosse agendada uma nova reunião com os Irmãos a fim de que eles fossem demovidos de tal exigência, sob pena, inclusive, dele desistir de participar do enlace. Deste modo, nas mesmas circunstâncias da reunião anterior, LESSA, MACALÉ, DOMINGOS e CHIQUINHO BRAZÃO se encontraram nas imediações do Hotel Transamérica, na Barra da Tijuca, ocasião na qual foi estabelecido pelos Irmãos que eles não poderiam passar por cima das ordens de RIVALDO. Apesar de frustrado, LESSA não desistiu do negócio.

Neste ínterim, durante as investigações encetadas pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), o Núcleo de Inteligência Policial identificou quatro potenciais vigilâncias sobre a Vereadora Marielle Franco, dada a proximidade observada entre o veículo GM/Cobalt, placa KPA-5923, e a vítima, nos dias 1º, 02, 07 e 14 de fevereiro de 2018. 

Tal identificação foi possibilitada especialmente a partir do Relatório de fls. 4311/4329, que cruzou os registros de OCR do veículo no período com os dados de GPS da vítima.

De acordo com RONNIE, entretanto, tais diligências destinavam-se tanto a Marielle quanto ao outro alvo: REGINA CELI. Ressalta, inclusive, que uma dessas datas era uma Quarta-Feira de Cinzas, dia em que é realizada a apuração dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e, por isso, se recorda, uma vez que ele, acompanhado de SUEL, permaneceu aguardando tal evento, mas perdeu o alvo após o seu encerramento. Tal relato tem verossimilhança, uma vez que de fato a Quarta-Feira de Cinzas daquele ano caiu no dia 14 de fevereiro de 2018.

Passados tais eventos e fissurado para angariar mais informações acerca da vítima, no dia 12 de março de 2018, dois dias antes do homicídio de Marielle e Anderson, RONNIE, por meio da já descrita ferramenta CCFácil, utilizou o CPF de Marielle e o de sua filha Luyara como parâmetros de pesquisa e, depois, pesquisou o resultado do endereço: Rua do Bispo, 227, como parâmetro junto ao Google Maps.

Instado a se manifestar acerca do porquê ter pesquisado tal parâmetro junto ao Google Maps, sendo certo que já tinha realizado o levantamento in loco da região, RONNIE asseverou que naquele dia 12 estava na companhia de seu amigo ANDRÉ LUIZ FERNANDES MAIA, vulgo DOUTOR PIROCA, de 2018, portanto, menos de um mês depois dos homicídios de Marielle e Anderson. tomando uísque e, obcecado para encontrar uma alternativa viável para a execução, passou a estudar o endereço da Rua do Bispo com afinco.

O resultado de tais pesquisas quedou-se inócuo, uma vez que a rota eficaz que levou à morte de Marielle chegou aos executores, segundo RONNIE, por outra via.

(André Luiz Fernandes Maia foi morto a tiros no bairro do Anil, na capital fluminense, no dia 13 de abril)

 10.3.2 EXECUÇÃO

Acerca da execução em si e da rotina dos executores ÉLCIO VIEIRA DE QUEIROZ e RONNIE LESSA no dia 14 de março de 2018, estas foram dissecadas de forma percuciente no bojo do Relatório Final da Operação Élpis, diante da riqueza de detalhes apresentados por ÉLCIO no decorrer de suas declarações em sede de colaboração premiada, devidamente corroborados por elementos objetivos.

Sobre os fatos que se encontravam fora da esfera de cognição de ÉLCIO, se destaca a origem da informação e o porquê da eleição daquela data em específico.

A fim de rememorar a gênese da participação no crime ora investigado, na ocasião do Réveillon de 2018, comemorado na residência de RONNIE LESSA, este, ligeiramente embriagado, confidenciou a ÉLCIO que ele, MAXWELL e MACALÉ, já estavam em um “trabalho” por meio do qual se objetivava a execução de uma mulher que já estavam monitorando há algum tempo. Todavia, em uma das diligências de monitoramento do alvo surgiu uma janela de oportunidade para a sua execução, ocasião na qual MAXWELL, condutor do veículo, supostamente em desistência voluntária externada pelo pavor, simulou que o carro estava com problema.

RONNIE confirma tal fato e indica que nesta oportunidade deixou ÉLCIO de prontidão para essa empreitada, sem mencionar qualquer nome ou característica que individualizasse o alvo. A partir disso, não foram encontradas oportunidades para o cometimento do crime até a chegada do dia 14 de março de 2018. Naquela data, LESSA narra que, por volta do meio-dia, MACALÉ o ligou e o revelou que recebera uma ligação oriunda do terminal vinculado a LAERTE. Todavia, ao atender o telefone, MACALÉ se surpreendeu ao constatar que o interlocutor, na verdade, era RONALD PAULO ALVES PEREIRA (CPF n.º 042.473.567-98), vulgo MAJOR RONALD. Em que pese isso, MACALÉ indicou a LESSA que RONALD lhe passara a informação de que na noite daquele dia haveria o evento na Casa das Pretas e que Marielle Franco estaria presente.

A tentativa de identificação de terminais, bem como a análise de extratos de conexões e chamadas dos interlocutores restou inviabilizada pelo decurso do tempo.

Entretanto, o relato de RONNIE é verossímil na medida em que foi possível identificar, mediante a percuciente análise das interações obtidas no âmbito da Operação Nevoeiro, que no dia 06 de março de 2018, o deslocamento de antena do terminal vinculado a MAJOR RONALD é compatível com a agenda de Marielle Franco na Universidade Cândido Mendes, então situada na Rua da Assembleia, n.º 10, Centro, Rio de Janeiro/RJ, conforme disposto no bojo da Informação de Polícia Judiciária n.º 016/2023 de fls. 296/337 da Pet n.º 16.652/DF.


Além disso, nesse mesmo dia 06, o deslocamento de MAJOR RONALD é compatível com o local no qual Marielle, Anderson e Fernanda foram emboscados em 14/03/2018, o que denota a ideia de que MAJOR RONALD teria sido um dos responsáveis pelo levantamento de informações da rotina de Marielle para a horda, o que converge para a dinâmica narrada por RONNIE LESSA, especificamente no que se refere à ligação recebida por MACALÉ ao meio-dia do fatídico dia do homicídio.


Ademais, nessas datas específicas e durante essas supostas diligências precursoras, foi possível verificar a intensa comunicação entre MAJOR RONALD e LAERTE, responsável por municiar os autores intelectuais de informações, segundo RONNIE LESSA.


Depois de receber tal informação sobre a presença de Marielle no evento a ser realizado na Casa das Pretas, RONNIE contata ÉLCIO por meio do aplicativo Confide e o convoca para a execução, restringindo-se a enviá-lo uma fotografia de Marielle em uma reunião com outras mulheres.

Diante disso, em breve síntese, ÉLCIO foi até a casa de RONNIE no Condomínio Vivendas da Barra, se dirigiram até o GM/Cobalt que estava estacionado nas imediações e foram diretamente para a Casa das Pretas. Uma vez no local, permaneceram em vigilância até o final do evento, ocasião na qual, visualizado o embarque de Marielle no GM/Ágile conduzido por Anderson Gomes, ÉLCIO o seguiu até a esquina das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, local no qual RONNIE efetuou os disparos que vitimaram a Vereadora e o motorista.

Em fuga, a dupla se dirigiu até a casa da mãe de RONNIE LESSA, onde abandonaram o GM/Cobalt e solicitaram, por intermédio de DENIS LESSA, irmão do executor, um táxi que os levou até as imediações do Vivendas da Barra, local no qual a dupla embarcou no veículo de LESSA e seguiu rumo ao Resenha para acompanhar o restante do jogo do Flamengo x Emelec que estava sendo transmitido naquele dia.

10.3.3 OCULTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS E PÓS-CRIME – 3ª REUNIÃO

10.3.3.1 Veículo GM/Cobalt

O início da etapa de ocultação dos instrumentos do crime se inicia quando a dupla de executores deixa a bolsa contendo a arma e demais petrechos utilizados na casa da mãe de RONNIE LESSA e, a partir dali, rumam para a Barra da Tijuca de táxi. Todavia, essa etapa ganha robustez quando a dupla chega ao Resenha e encontra SUEL no local, acompanhado de sua esposa.

Ainda adrenalizados e já começando a acompanhar a repercussão do crime no noticiário, num momento em que SUEL se desvencilha de sua esposa, cuja presença não é suportada pelos executores, e vice-versa, RONNIE pediu para que ele lhe ajudasse a destruir o veículo GM/Cobalt no dia seguinte, fazendo a intermediação com o nacional de alcunha ORELHA, notório responsável por ferros-velhos e oficinas de desmanche de veículos na região de Rocha Miranda, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Ainda que fosse notória a vinculação de EDILSON ORELHA a tal atividade, por meio da Informação de Polícia Judiciária n.º 044/2023, a qual traz a análise de seu celular apreendido na ocasião da deflagração da Operação Élpis, é possível verificar, inicialmente, sua relação íntima com MAXWELL, assim como sua intensa interação no levantamento, intermediação, aquisição e repasse de veículos adulterados, como no exemplo abaixo:

 

Depois de externar tal pedido a SUEL, RONNIE ficou sabendo, para seu lamento, que ÉLCIO também mantinha uma estreita relação com ORELHA, qualificado como EDILSON BARBOSA DOS SANTOS, o que evitaria a exposição de SUEL naquele momento.

Neste sentido, conforme o avençado, no dia seguinte os três buscaram o veículo na rua da casa da mãe de RONNIE LESSA, o levaram para a garagem da casa de ÉLCIO, trocaram suas placas, apuseram um adesivo da Apple no vidro e vasculharam o seu interior para coletar eventuais vestígios do delito. A partir dali, deixaram SUEL em Rocha Miranda, local onde ele fez a intermediação com ORELHA, o que foi veementemente corroborado, conforme visto no Relatório Final da Operação Élpis.

Bem realizada a intermediação, corroborada por elementos técnicos colhidos e negligenciados pela equipe primária da DHC, no dia seguinte, 16 de março de 2018, LESSA e ÉLCIO levaram o GM/Cobalt até ORELHA que, previamente orientado por SUEL, nem quis saber maiores detalhes acerca da origem do veículo e já o encaminhara para o desmanche, que se deu, segundo ÉLCIO, no Morro da Pedreira.

 10.3.3.2 Submetralhadora HK MP5 

e munições sobressalentes

No que tange ao desfazimento da submetralhadora HK MP5, devemos retomar à dinâmica trazida em sede de planejamento, mais precisamente quando MACALÉ entrega a arma a RONNIE, ocasião em que lhe repassou, outrossim, a exigência de que ela deveria ser devolvida após à execução do crime.

Naquele primeiro momento e nos dias que sucederam a execução, RONNIE menosprezou tal exigência. Entretanto, na ocasião da terceira e última reunião que participara na presença dos Irmãos BRAZÃO, realizada em meados de abril de 2018, cujo escopo central se resumia a tranquilizá-lo, pois RIVALDO BARBOSA já estava atuando para defletir a investigação do crime, DOMINGOS, quando MACALÉ e RONNIE já estavam entrando no carro, os recorda que a arma teria que ser devolvida.

MACALÉ prontamente tentou demover DOMINGOS da ideia, mas não obteve sucesso. DOMINGOS ressaltou que a arma deveria ser recolocada no lugar, sem especificar qual.

Diante disso, dois ou três dias depois desse terceiro encontro, RONNIE e MACALÉ foram ao encontro de PEIXÃO e FININHO em Rio das Pedras, em local cujas coordenadas foram fornecidas pelo colaborador. Chegando lá, RONNIE permaneceu no interior do veículo enquanto MACALÉ foi ao encontro da dupla com a bolsa, que continha a arma, na mão e os cumprimentou.

Ao interagir com FININHO e PEIXÃO, MACALÉ entregou a bolsa ao segundo que a deixou no banco do carona, sacou os carregadores de seu interior e se dirigiu a um córrego a dois metros dali, momento no qual se debruçou sobre uma cerca e dispensou as munições sobressalentes na água.

Assim como foi feito no Motel Taba, esta equipe de investigação diligenciou junto ao mencionado local, conforme se observa no bojo da Informação de Polícia Judiciária n.º 020/2023 de fls. 58/89 da Pet n.º 16.654/DF, a fim de que fossem encontrados tais vestígios.

Para nossa surpresa constatou-se que, em vez de um córrego, havia um rio no local.

De acordo com moradores da região, a Prefeitura do Rio de Janeiro teria realizado obras de desassoreamento do córrego por volta de seis meses antes da incursão, onde tratores e caminhões foram utilizados no trabalho, o que ampliou o curso d’água e, consequentemente, inviabilizou a diligência. Porém, a equipe constatou que realmente existia uma cerca separando o córrego da Avenida Engenheiro Souza Filho, conforme pode ser observado nas fotos tiradas do local: