A Juliana Gonçalves e a Bruna de Lara publicaram uma entrevista
com a Patricia Hill Collins, lenda do feminismo negro. O título me
chamou atenção: Collins considera abandonar o termo 'feminismo', pelo
bem da própria luta feminista. Lembra alguma coisa? A mim, lembra o uso
da palavra 'golpe' para o impeachment de Dilma Rousseff, e muitas outras
coisas. Palavras importam, e pode-se defender o uso delas – e a
disposição para a briga por seus significados – ou o abandono, em nome
do recrutamento de mais e mais pessoas em torno de uma ideia.
Patricia Hill Collins, durante o papo com o TIB: "Eu pergunto: 'por que
você tem medo de uma palavra?'. [Risos] 'O que numa palavra te assusta, a
quais interesses você está servindo ao não usá-la e a quais está
servindo com o uso da palavra, em termos de como você a entende?' Se a
palavra atrapalha ao ponto de você não conseguir chegar nas questões que
ela deveria invocar, significa que o ataque da mídia ao termo feminismo
foi bem-sucedido, e é hora de usar outra palavra que descreva aquilo
sobre o que você quer conversar."
Eu perdi algum tempo no Twitter essa semana (na verdade eu perco muito
tempo no Twitter todas as semanas), mas também acabei topando com uma
sequência do jornalista Igor Natusch. Ele publicou em sua conta (@igornatusch)
algumas mensagens com poder para inspirar o Brasil de hoje – o Igor
fala da Islândia dos anos 1970 – e que têm muito a ver com o que a
Collins disse. Você conhece a história das mulheres que decidiram tirar
uma folga em vez de fazer uma greve? Leia, e bom final de semana.
"Há exatos 44 anos, no dia 24 de outubro de 1975, as
mulheres da Islândia resolveram tirar um dia de folga – e promoveram
mudanças enormes na questão de gênero em seu país.
A desigualdade entre homens e mulheres era grande na Islândia em 1975.
Trabalhadoras recebiam, em média, menos de 60% do salário dos homens. No
pequeno e gelado país, o senso comum era de que mulheres deveriam
cuidar da casa e dos filhos, e só.
Os movimentos feministas da Islândia decidiram, então, promover um "dia
de folga". No dia 24 de outubro, mulheres não iriam ao trabalho, e não
fariam nenhuma tarefa doméstica. A ideia, óbvio, era demonstrar a
importância delas para o país.
Percebam a astúcia em chamar de "folga", e não de "greve". A ideia de um
"descanso" angariou simpatia, e ficou bem mais fácil convencer outras
mulheres a aderir, em especial as mais velhas – que talvez não topassem a
ousadia se fosse associada com a "balbúrdia" de uma greve.
Na véspera do grande dia, o clima era de ansiedade coletiva. Nas
repartições, os chefes estocavam papel, lápis e guloseimas. O objetivo:
distrair as inúmeras crianças que os pais homens, sem o trabalho
doméstico das mães, teriam que levar consigo pro serviço.
Trivia: um dia antes da folga feminina, esgotou-se completamente o
estoque de salsichas de porco no país. Motivo: o embutido sempre foi a
comida pronta favorita no país, e como não havia qualquer perspectiva da
mulherada cozinhar no dia seguinte...
O dia 24 de outubro 1975 foi inesquecível na Islândia, e os relatos das
participantes são muito legais. As escolas não abriram, porque as
professoras não foram dar aula. As lojas não conseguiram atender, porque
não tinha quem ficasse no balcão ou nos caixas.
Os jornais da Islândia tiveram enormes dificuldades para rodar naquele
dia, porque as tipógrafas eram quase todas mulheres no país. E os
telefones não funcionaram, porque as telefonistas... Bom, vocês já
entenderam.
No centro da capital Reikjavik, uma manifestação (hoje lendária no país)
reuniu 25 mil pessoas. Talvez não pareça tanto, mas é importante dizer
que isso dá MAIS DE 10% DA POPULAÇÃO TOTAL do país à época.
O dia de folga das mulheres islandesas tornou-se um símbolo mundial, e
teve consequências muito positivas. Leis garantindo salários iguais para
homens e mulheres foram aprovadas e, em 1980, o país teve sua primeira
presidente mulher, Vigdís Finnbogadóttir.
NA VERDADE, Vigdís Finnbogadóttir foi a primeira mulher eleita
presidente NO MUNDO. "Se me permitem dizer, já que muitos dizem isso
para mim: isso mudou tudo", diz a própria em entrevista posterior, sem
falsa modéstia. E tem razão.
Em 2009, a Islândia indicou Jóhanna Sigurðardóttir como
primeira-ministra. Ela também foi uma das primeiras mulheres a casar
legalmente com outra mulher no país (a novelista e autora de peças
teatrais Jónína Leósdóttir).
Até hoje, as feministas da Islândia lembram periodicamente do
Kvennafrídagurinn ("dia da folga das mulheres", em islandês). No
aniversário da greve, elas saem mais cedo do trabalho – sempre um pouco
mais tarde, simbolizando o quanto se avançou em igualdade até ali.
Em 24 de outubro de 2016, as trabalhadoras islandesas saíram do serviço
às 14h38 – três minutos mais tarde do que em 2010. E, ao se reunirem em
Reikvajik, fizeram as mesmas palmas que ficaram famosas na torcida da
Eurocopa daquele ano.
Enfim, fica aí essa bela história de como uma mobilização bem sucedida produz maravilhas. Obrigado <3."
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