Sexta-feira, dia 23 de dezembro de 2011, encontrei Vadinho, apontador de jogo do bicho e amigo de muitos anos da bateria do Império Serrano. Quase com 70 anos, chegava cansado da terceira prisão na mesma semana pela contravenção do artigo 58 do Decreto-Lei 3688, de 3 de outubro de 1941: “Art. 58. Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração: Pena – prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis.”
Imediatamente, vieram-me à cabeça as péssimas condições de trabalho daquele apontador, que permanece durante horas seguidas na rua, sem banheiro, sentado numa cadeira desconfortável, sem qualquer garantia previdenciária, ainda sendo preso por policiais que, pela idade, poderiam ser seus netos. Passando uma tarde inteira na delegacia, para assinar um termo circunstanciado em que se compromete a comparecer em Juízo, lavratura que dura horas e envolve o autor do fato, dois policiais condutores, nenhuma testemunha, o escrevente e o delegado de polícia, enfim, uma total perda de tempo.
Lembrei também das imagens dos noticiários, uma espécie de novela manipulada da realidade, em que equipes policiais adentram coberturas e mansões, mas não encontram um banqueiro sequer. Obviamente, os banqueiros receberam informações do mesmo órgão que supostamente deveria prendê-los: uma novela real editada com uma hipocrisia sem tamanho pela toda-poderosa mídia. Se o interesse de fato fosse a informação, os jornalistas deveriam, antes de tudo, investigar como ocorreu o vazamento de maneira que os banqueiros do jogo não tenham sido presos. Como se estivesse estarrecida, a mídia mostra apenas o luxo do lixo, apesar de serem parceiros da monopolista transmissão do carnaval global carioca e frequentarem o mesmo estilo de imóvel.
Outra cena curiosa dessa novela foi a suposta descoberta de quatro milhões de reais nos ralos e paredes da casa de um banqueiro do bicho. Evidentemente, deixaram esta grana para ser exibida, pois isso é insignificante perto dos tantos milhões depositados no mercado financeiro e gastos em compras no mercado formal. Não podemos nos esquecer ou cinicamente fingir não saber que o capitalismo mafioso é sócio do capitalismo institucional, tanto que aplica livremente sua fortuna no ganancioso mercado financeiro.
A cara-de-pau da cobertura de toda a mídia sobre as fugas armadas dos banqueiros e as silenciosas prisões dos apontadores do jogo do bicho é impressionante. Parecem querer nos fazer acreditar que tudo isso é sério, porém, não tocam nenhuma vez no único debate sério desta questão: A LEGALIZAÇÃO DO JOGO DO BICHO. Por acumularem muito mais às custas da ilegalidade, os donos de todo esse espetáculo – banqueiros, policiais, indústria de armas, mídia - não querem a legalização do jogo do bicho. Se fosse legalizado, quanto de imposto não teriam que pagar? Caso acontecesse a legalização, os trabalhadores apontadores deveriam ser indenizados ou passar a gerir o jogo em cooperativa. Várias ideias podem surgir, mas essa simulação deve acabar, pois já estamos fartos desta mentira em que só se prendem os pobres.
ANDRÉ BARROS, advogado e mestre em ciência penal
24/12/2011
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ANDRÉ BARROS