Classe C, a nova paixão da Globo

Agora a moda nas colunas especializadas é dizer que a “a Globo está voltando os olhos para a classe C”, daí ter colocado em horário nobre uma novela com o nome de “Avenida Brasil”, a rodovia que já foi o símbolo da ligação entre as zonas Sul e Norte da cidade do Rio de Janeiro.
Aliás, desde a festa de lançamento da novela o elenco já começou a fazer um verdadeiro workshop, vivendo “a vida como ela é” das comunidades mais carentes e dizem, durante o coquetel, num galpão comunitário, regado a salgadinhos e drinques mais  populares, as baratas voavam entre as celebridades e o calor do ambiente era insuportável, amenizado parcamente por ventiladores tradicionais.
Tudo em nome de chegar com uma mensagem mais “pé no chão” até a classe C. Mas alguém pode explicar direitinho o que ela realmente representa? Quem faz parte dela e quais as suas preferências? Seria a tal classe C o chamado “povão’, a massa que realmente conta nos pontinhos da audiência da TV aberta, já que não tem dinheiro para pagar TV a cabo ou comprar um computador?
Na verdade, a tal classe C nunca teve muito espaço na telinha global , a não ser em tragédias, pois vive em regiões perigosas e fáceis de serem destruídas pelas intempéries da natureza ou na violência do dia a dia em favelas ou áreas consideradas perigosas.
Vale relembrar, especialmente para os mais jovens, que essa classe C, hoje tão cobiçada pela Globo, há tempos teve um certo prestígio na emissora, quando criaram um espaço comunitário chamado Globo Cidade, do qual participei como repórter.  Eram flashes que entravam nos intervalos da programação vespertina mostrando problemas dos bairros pobres e desafiando as autoridades a resolvê-los.
Naquela época, nos idos dos anos 80, o sucesso do programa foi tão grande que a  Globo conseguiu derrotar o popular “Povo na TV” de Silvio Santos e foi obrigada a criar o CAT, Centro de Atendimento ao Telespectador, tantos eram os telefonemas de moradores dos bairros carentes pedindo a visita da reportagem do Globo Cidade para denunciar as condições precárias em que viviam. 
Mas como tudo que é bom dura pouco, problemas políticos interromperam a carreira de sucesso do Globo Cidade. Explico. O programa em forma de  flashes, como disse acima, começou em 1981. Ocorre que,  em 1983,  tomou posse no governo do Estado do Rio um dos maiores desafetos da família Marinho, Leonel Brizola. O novo governador viu no Globo Cidade uma maneira de se aproximar do povão, colocando sua administração a serviço das comunidades via reportagens do GC.
Ao descobrir que Brizola estava faturando politicamente às custas do seu jornalismo, a alta direção da emissora foi esvaziando pouco a pouco o Globo Cidade, que se transformou em boletins de notícias até ser retirado da programação.    E a classe C perdeu o pouco de espaço e voz que conquistara.
Mas eis que trinta anos depois a Globo, hoje sem Brizola ou alguém que lhe aperte o calo, resolveu dar atenção novamente ao povão da classe C, colocando toda a sua máquina a favor dos mais necessitados,  com suas estrelas sabadeiras e domingueiras distribuindo afagos e condescendentes prêmios aos carentes. Sua novela entra nessa linha, com atores e atrizes que  representam seus personagens em meio a falsos lixões ou cenários imitando a verdadeira pobreza.
Tudo “fake’, mas tudo em nome de agradar a classe C.  AH! E por falar nisso. Já colocaram uma via de ônibus que possa levar os populares de seus bairros da periferia direto até a praia de Geribá, no sofisticado balneário de Búzios?