Tese dos
“empréstimos para não serem pagos” não tem fundamento real
Nas
alegações finais da Ação Penal 470, a Procuradoria tentou justificar a acusação
de “doação” de R$ 32 milhões às empresas de Marcos Valério e ao PT com um
suposto ganho “bilionário” no encerramento da liquidação do Mercantil S.A. A
tese dos “empréstimos fictícios” é tão inverossímil que afronta os fatos.
Nos próximos
dias, os ministros do Supremo Tribunal Federal passarão a julgar a acusação de
“gestão fraudulenta de instituição financeira”, apresentada pela Procuradoria
Geral da República contra quatro executivos que trabalhavam no Banco Rural à
época dos fatos referentes à Ação Penal 470. Diante da importância dessa
decisão, que pode ter consequências irreparáveis na vida de pessoas inocentes —
contra as quais não há acusações de corrupção ou desvio de recursos públicos,
cerne desse caso — , vimos demonstrar, com base em fatos, que tais acusações
não têm cabimento.
Confira ponto
a ponto as acusações e as respostas.
O que disse o Procurador “O crime de gestão fraudulenta consumou-se mediante a
concessão e renovação de empréstimos fictícios que serviram para financiar o
esquema ilícito de compra de votos e na adoção de artifícios fraudulentos para
impedir que os fatos fossem descobertos.” “Ressalta-se que o ganho
pretendido pelo Banco Rural, nós que vivemos no mundo dos servidores públicos,
nós poderíamos imaginar, mas que absurdo, não é crível que alguém se propusesse
a doar R$ 32 milhões para esse esquema criminoso, mesmo sendo um banco. (...)
Conforme documento apresentado pelo Banco do Brasil, as folhas 9.033 o
ganho do Banco Rural com o levantamento da liquidação extrajudicial do Banco
Mercantil de Pernambuco superaria a casa do bilhão de reais. Então foi até uma
contribuição, eu diria, exageradamente modesta.”
“Perícias feitas pelo Instituto Nacional de Criminalística e análise do
Banco Central do Brasil comprovaram que se cuidava de empréstimos simulados
(...). Os empréstimos (...) foram concedidos sem aexigência de garantias
mínimas de seu pagamento por quem quer fosse.”
“... José Augusto Dumont não foi o único autor dos delitos praticados na
instituição financeira (...) há fatos delituosos consumados ou cuja consumação
perdurou após a data de sua morte. Nesse sentido, basta lembrar as sucessivas
renovações dos empréstimos fictícios relatados na denúncia. (...) O laudo
transcrito em grande parte nas alegações finais descreveu com riquezas de
detalhes as diversas operações de crédito autorizadas pelos acusados em
benefício das empresas de Marcos Valério e de seu grupo e do PT e as sucessivas
renovações, todas sem qualquer garantia do seu pagamento.”
(Textos extraídos da apresentação oral da denúncia, pelo Procurador Geral da
República, Roberto Gurgel, na abertura do julgamento da Ação Penal 470)
O que dizem os fatos
1º. Os empréstimos foram verdadeiros Os empréstimos a que se refere a Promotoria foram três: um de R$ 19 milhões à SMP&B (26/05/03); outro de R$ 10 milhões à Graffiti (12/09/03); e um de R$ 3 milhões ao PT (14/05/03).
Os empréstimos concedidos às empresas de Valério foram periciados pela Polícia Federal por solicitação do Ministro Relator do caso, Ministro Joaquim Barbosa, e considerados verdadeiros (laudo financeiro 1869/2009).
Com o advento do escândalo do Mensalão, as empresas de Valério tiveram seus contratos rompidos pelos contratantes, paralisaram suas atividades e ficaram inadimplentes. Diante disso, o Banco Rural executou judicialmente as dívidas. Em 30 de setembro de 2005 o Banco Rural conseguiu recuperar parte do crédito da Graffiti, no valor de R$1.205.841,39.Em todos os casos, houve o reconhecimento judicial da legitimidade dos empréstimos e dos termos das cobranças judiciais, além de bloqueio e tomada de bens.
Quanto ao empréstimo feito ao PT, foi objeto de acordo e liquidado, sendo a última parcela paga em 28 de junho de 2011, após o pagamento de 34 prestações que totalizaram R$ 10.853.427,85.
Confirmando a conclusão dos laudos periciais oficiais, em entrevista recente ao jornal Folha de S. Paulo, o delegado da Polícia Federal Sr. Luís Flavio Zampronha, responsável pelas investigações do caso Mensalão, afirma que “os empréstimos eram verdadeiros e seriam quitados”. Segundo o jornal, o delegado diz ainda que “a Procuradoria errou ao denunciar quatro executivos do Rural pelo envolvimento nos empréstimos, pois não teria ficado configurada a ligação pessoal deles com as operações”.
2º. Os empréstimos foram registrados e fiscalizados pelo Banco Central e o risco de crédito era baixo frente à carteira do banco
Todos os empréstimos foram devidamente registrados no Banco Central. Em relação à classificação de risco dos créditos, no final de 2004, o Rural foi fiscalizado pelo BC e nenhum procedimento administrativo foi instaurado referente a este assunto. Os questionamentos somente surgiram em maio de 2005, quando o BC impôs a reclassificação das operações de crédito da SMP&B e da Graffiti, por estarem elas diretamente relacionadas aos eventos da crise política e terem ficado inadimplentes.
O valor global de R$ 29 milhões para duas pessoas jurídicas distintas era proporcional à capacidade das tomadoras. O mesmo se aplica ao empréstimo ao PT (R$ 3 milhões). Ao todo, o valor dos três empréstimos correspondia a menos de 1% da carteira do Banco Rural em 2003.
3º. As garantias eram condizentes com a capacidade de pagamento das empresas de Marcos Valério à época
Os empréstimos às empresas de Marcos Valério tinham como garantia o domicílio bancário do contrato publicitário com o Banco do Brasil — ou seja, o pagamento dos contratos era feito diretamente na instituição, o que reduzia o risco dos empréstimos. Além disso, essas empresas eram então as maiores agências de Minas Gerais, com um histórico de mais de 25 anos de existência e uma carteira de clientes que incluía grandes empresas privadas e públicas, além de órgãos públicos (Cosipa, Cemig, Usiminas, Banco do Brasil, Governo de Minas Gerais, entre outros).
4º. As renovações dos empréstimos foram resultado de negociações para viabilizar o pagamento das dívidas ao banco
Seguindo sua política padrão de concessão de empréstimos, os contratos com as empresas de Marcos Valério foram feitos com prazos curtos, de forma que obrigatoriamente tinham de ser renovados a cada 90 dias – estratégia usual adotada pelos bancos, como forma de proteger-se dos riscos de variações bruscas nas condições econômico-financeiras dos clientes. Prova, portanto, de que o banco sempre teve a intenção de cobrar e receber a dívida.
Pela mesma razão, as dívidas de Valério e do PT foram objeto de seguidas renovações – ou rolagens, como normalmente procede o banco em relação a seus clientes. Essas renovações não implicaram nunca desembolso de dinheiro novo por parte do banco. Tratava-se, portanto, de procedimentos normais de gestão de risco e cobrança.
5º. O Banco Rural chegou a recusar-se a renovar empréstimo da Graffiti, no início de 2005, portanto antes da eclosão do caso Mensalão
Em setembro de 2004, ao renovar o contrato da empresa Graffiti no valor de R$ 13.500.000,00 e da SMPB de R$29.700.000,00, Marcos Valério comprometeu-se a liquidar o empréstimo no vencimento conforme registrado nos documentos “proposta eletrônica de crédito” nos. 23070 e 23076,respectivamente, datadas de 17.09.2004. Como não realizou os pagamentos conforme prometido, o banco recusou-se a renovar o empréstimo em 14 de janeiro de 2005, mantendo a empresa formalmente inadimplente (ou seja, com o nome sujo), como forma de pressioná-la a pagar o débito. A renovação só ocorreu em março de 2005, mediante novo compromisso de Valério em liquidar a dívida no novo prazo estabelecido (junho de 2005), mas nesse meio tempo ocorreu a eclosão do caso Mensalão
Em seu relatório, enviado ao Ministro Joaquim Barbosa, e protocolizado no STF, em 24/02/2011, sob nº. 0010327, o delegado Luiz Flavio Zampronha de Oliveira, responsável pelas investigações, afirma, a partir do último parágrafo da pág. 31 e continuação da pág. 32, do referido relatório, o seguinte:
“Com a publicação das primeiras notícias a respeito do envolvimento do empresário no esquema político conhecido como ‘Escândalo do Mensalão’, partidos e grupos de interesse iniciaram um competitivo debate político, inclusive com instalação de duas Comissões Mistas de Inquérito-CPMI. Como consequência, Marcos Valério foi impedido de concluir as operações que levariam à quitação dos empréstimos tomados, que permaneceram em aberto.....”
6º. O que o Banco Rural teria a receber com o levantamento da liquidação do Banco Mercantil eram cerca de R$ 52 milhões em 2002/2003 — e não o suposto ganho “acima de bilhão de reais”
O Banco Rural, como acionista minoritário do Banco Mercantil de Pernambuco, tinha legítimo interesse no encerramento da liquidação extra-judicial daquela instituição. Esse direito dos acionistas foi reconhecido pela diretoria do Banco Central, através do Voto BCB nº. 475, de 20 de novembro de 2002, portanto ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse documento, o BC admitia que o Banco Mercantil apresentava superávit contábil desde agosto de 2001, o que dava aos seus acionistas o direito legal de propor o pagamento das dívidas e a cessação do regime especial.
O mesmo documento indicava que, pelos cálculos do BC, o valor a ser pago ao conjunto dos acionistas correspondia a R$ 239milhões em setembro de 2002. Ao Banco Rural, detentor de 22% de participação no Mercantil, caberiam proporcionalmente R$ 52 milhões. Esse era o valor a ser recebido pelo Rural e não o bilhão imaginado pela acusação. Era o valor a que tinha direito por ter adquirido 22% da massa falida do Mercantil em 1996.
7º. Levantamento da liquidação do Mercantil, consumado pelo BC em 2012, confirmou a legitimidade dos interesses do Rural e desmontou a teoria do ganho bilionário
O levantamento efetivo da liquidação do Banco Mercantil, pelo BC, só ocorreu em março de 2012 e coube ao Rural uma parcela de R$ 96 milhões — valor que é consistente com o cálculo de 2002, considerando-se as correções do período e também os descontos obtidos pelos acionistas com a adesão à Lei nº 12.249.
Em decorrência do fim da liquidação, ao Banco Central coube, por sua parte, R$ 1,5 bilhão (além dos R$ 567 milhões que já recebera entre 2001 e 2004) — o que demonstra que o levantamento da liquidação era também, e com muito mais razão, de interesse da autoridade monetária.
8º. Teoria do suposto “ganho bilionário”, apresentada fora dos autos e sem bases factuais, revela inconsistência da acusação.
Importante observar que a questão do Banco Mercantil S.A., e do imaginado “ganho bilionário”, foi trazida pelo Procurador Geral da República apenas e tão somente em suas alegações finais. O tema nunca fez parte da acusação e ao apresentar-se apenas neste momento do processo, sem qualquer denúncia formal e sem a possibilidade de produzirem-se provas, configura verdadeiro atentado contra o direito da ampla defesa. Caso a acusação houvesse sido colocada na denúncia, já teria sido esclarecida.
A inconsistência da acusação no caso do Banco Mercantil mostra que, após 7 anos de investigação e processo, a Procuradoria não pode comprovar qual seria a pretensa vantagem ilícita que teria levado o Banco Rural a fazer uma suposta “doação” de R$ 32 milhões. Limitou-se a levantar suspeitas sem fundamentação
9º. Nenhum dos quatro acusados participou do processo de concessão dos empréstimos ao PT e às empresas de Marcos Valério
Os empréstimos ao PT e a Marcos Valério não foram concedidos originalmente por nenhum dos executivos acusados na Ação Penal 470. Esses empréstimos, seguindo as normas de governança do banco, foram concedidos com aprovação do Comitê de Crédito ou do Comitê Extraordinário, dos quais os acusados não participavam.
Portanto, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Ayanna Tenório não concederam os referidos empréstimos, limitando-se a participar pontualmente de alguns processos de renovação que não implicaram o desembolso de recursos novos pelo banco e que inseriam-se na estratégia adotada pela nova administração do Rural para garantir o pagamento dos créditos. Vinícius Samarane, por sua vez, não concedeu e não renovou qualquer dos três contratos de empréstimos tratados pela denúncia.
10º Nenhum executivo é acusado de corrupção ou desvio de recursos públicos, cerne da ação penal 470.
Não há contra os quatro executivos acusações por atos de corrupção ou desvio de recursos públicos, nem qualquer fato que permita atribuir a eles qualquer responsabilidade pelo eventual uso que se fez dos recursos emprestados ao PT e às agências de Marcos Valério. As acusações dizem respeito exclusivamente a procedimentos bancários que, analisados tecnicamente à luz da legislação vigente à época, foram todos realizados de forma correta, a exemplo dos empréstimos.
Diretoria do
Banco Rural
31/08/2012