SUZANA
SINGER - ombudsman@uol.com.br
Sorry,
periferia
A vendedora Talita Coelho força um beijo em José
Serra Cobertura eleitoral se apoia
demais em pesquisas e desobriga a reportagem de percorrer os bairros distantes
para entender o que querem os mais pobres O que prometia ser uma cobertura sem
emoção, com o veterano José Serra confortavelmente à frente dos concorrentes,
acabou se mostrando um grande desafio. A primeira fase da corrida eleitoral em
São Paulo termina hoje sem que tenha ficado claro o que motivou o sobe-desce
dos candidatos.
A cada reviravolta nas pesquisas, surgia uma nova
teoria. Celso Russomanno se desidrataria quando começasse o horário eleitoral
gratuito na televisão, já que tinha bem menos tempo que o PT e o PSDB. Não
aconteceu.
A rejeição a Serra era condenatória porque traduzia
o descontentamento com a gestão de Kassab na prefeitura. Nas últimas semanas, o
tucano recuperou vários pontos.
O crescimento de Fernando Haddad estava lento,
muito inferior ao desempenho dos candidatos petistas do passado. Agora, ele tem
chance de passar para o segundo turno.
Uma vez na liderança, Russomanno era explicado como
representante do novo consumidor da classe C. Sem que nenhum escândalo
surgisse, despencou dez pontos.
O que esse monte de teses de vida curta mostra é
que falta reportagem. As pesquisas ganharam tanta importância na cobertura
eleitoral que "dispensaram" os jornalistas de correr a cidade, ouvir
eleitores e tentar captar mudanças de humor.
A forte rejeição a Kassab, que pode ter contaminado
Serra, surpreendeu a todos. Por que a população está tão insatisfeita? Para
entender isso, a Folha oferece mais pesquisa, numa série de seis
cadernos, chamados de "DNA paulistano". É um levantamento rico, cheio
de dados de cada região da cidade, mas não ajuda a entender o macro.
Para medir a influência da religião, do mensalão,
do Lula, da Dilma, dá-lhe pesquisa. É verdade que nem um exército de repórteres
conseguiria ouvir tanta gente a ponto de concluir algo estatisticamente
relevante. Só que a frieza dos índices não é suficiente.
A queda de Russomanno, por exemplo, pode estar
ligada à sua proposta para a tarifa de ônibus (cobrar proporcionalmente ao
trecho percorrido). Quando isso foi divulgado, a Folha deu pouco
destaque, sem se dar conta de que esse é um tema sensível aos mais pobres.
Quanto mais se afasta do centro da cidade, mais
evidente fica a fragilidade da reportagem. A Folha não entende e não
conhece a periferia de São Paulo, que responde por 40% dos votos. Talvez seja
um reflexo da própria Redação, formada majoritariamente por brancos (e
brancas), de alta escolaridade, que vivem no cinturão privilegiado de São Paulo
-composição que se repete nas grandes redações.
O sucesso de um artigo publicado em julho no
"Tendências/Debates" mostra o tamanho do buraco a ser preenchido (http://migre.me/b1mRc).
Leandro Machado, que contribui para o site "Mural", descreveu, em
primeira pessoa, o que é ser da nova classe C. "Sou ex-pobre. Todos querem
me vender geladeira agora. O trem ainda quebra todo dia, o bairro alaga. Mas na
TV até trocaram um jornalista para me agradar", contou.
Para entender o que está acontecendo na cidade e
decifrar o que dizem os números das pesquisas, é preciso dar voz à periferia.
BEM NA FOTO
O trabalho dos fotógrafos na campanha eleitoral
está difícil. Os candidatos não se expõem, nem nos passeios de rua. Os
assessores chegam primeiro, mantêm à distância os inconvenientes e apressam o
passo se acham que o cenário renderá uma foto duvidosa.
Até os incidentes têm razão de existir. Serra caiu
de um skate e perdeu o sapato ao chutar uma bola, porque precisava mostrar
jovialidade. Russomanno aderiu às carreatas, que rendem sempre a foto de um
aceno de longe.
Com tanta limitação, nenhum veículo se destacou. Do
primeiro turno, as imagens que ficaram na memória são o encontro
petista-malufista, o beijo inesperado em Serra e Russomanno provando uva, na
mesma semana em que circulou um vídeo antigo no qual ele apalpava uma modelo
fantasiada com a fruta.