Uma capa histórica na edição de quarta-feira (10/10) da Folha de S.Paulo (ver aqui).
Numa única edição, aquele que pretende ser “um jornal a serviço do
Brasil” despencou no abismo da paranoia, da irresponsabilidade e prestou
um enorme desserviço à formação cívica do leitor.
A condenação pelo Supremo Tribunal Federal de José Dirceu e da antiga
cúpula do PT levou os responsáveis pela edição a perderem o senso de
medida e os compromissos dos jornalistas em preservar sua dignidade e a
dos personagens que circulam em suas páginas.
Puro hooliganismo: o jornal vilipendiou uma tragédia política, acirrou rancores, transformou um julgamento exemplar num rififi
futebolístico, pisoteou os padrões de decência do nosso jornalismo,
inclusive a célebre entrevista de Roberto Jefferson à repórter Renata Lo
Prette – hoje na GloboNews – que marcou o início do escândalo do
mensalão.
Tarefa contínua
Quando Richard Nixon e Fernando Collor foram obrigados a renunciar para
não serem escorraçados da Presidência, os jornais que os derrubaram
comportaram-se com mais compostura e respeito. Não se bate no adversário
caído, isso sabem até os palhaços das artes marciais que a Folha tanto incentiva.
O rosto de José Dirceu deformado pela luz sobre um fundo escuro,
tétrico, esticado para ocupar toda a largura da primeira página,
acrescido de um título em letras garrafais (“Culpados”), é o escracho em
estado puro, sensacionalismo, versão tupiniquim do tabloidismo
murdoquiano e do canibalismo político.
A foto havia sido feita três dias antes, já fora publicada, não
acrescentava qualquer informação, não escondia o desejo de avacalhar.
A exibição de perversidade da Folha contrasta vivamente com a capa sutil e inteligente do Globo
sugerindo o início efetivo da primavera brasiliense: enorme arco-íris
sobre a Praça dos Três Poderes, com a estátua da Justiça em primeiro
plano.
O Estado de S.Paulo foi fleumático, solene, como convém a essas
circunstâncias: título breve (“Supremo condena Dirceu”), foto também de
arquivo, mas sem deformações.
Jornalismo é um exercício contínuo de decência – a Folha deveria debruçar-se sobre este tópico na próxima edição do seu Manual de Redação.