FORA CAMPOS NETO!

O JUDICIÁRIO, A DEMOCRACIA E O POVO

É muito legal e bonitinho pensar que o que governa o mundo são idéias, pensamentos e atitudes prenhes de bom senso e consciência. É melhor até pra dormir à noite. Mas a verdade, e que muita gente não se dá conta, é que esse mundo é uma selva e que quem manda, mesmo, é a força bruta. É isso mesmo: a porrada, o fuzil, o canhão. A Bomba! É, e sempre foi assim. Desde sempre as coisas são feitas sob a ameaça de se tomar com uma clava na cabeça ou, mais recentemente, uma “intervenção” dos EUA.
Pros que batem no peito e bradam “aqui não, aqui é democracia!” saibam que, também na democracia, vale a lei do mais forte. Os atos emanados de todo poder (legitimamente ou não constituído) são respaldados na força bruta, ou seja, na porrada! Numa ordem de despejo que um Juiz manda cumprir, por mais civilizada que seja a sociedade da qual faz parte aquele sistema jurídico, está implícito – quando não explícito – o seguinte recadinho: “ou você sai por bem ou vai sair na porrada”. Não? Tenta resistir. Está lá o aviso: “com uso de força coercitiva, se necessário...”: Porrada! Afinal, tem que se garantir que o juiz não está ali falando com as paredes. Fazer o quê?
Democracia não tem nada a haver com isso. A democracia entra nessa história é na hora de saber quem vai controlar a força bruta, ou seja, na mão de quem fica o tacape. Se não fica na mão do povo é qualquer coisa, menos democracia.
Quando a mais recente ditadura brasileira terminou, lá em 85, a comemoração foi geral e não era pra menos. O tacape nas mãos dos gorilas militares fez estragos inimagináveis e que jamais poderão ser reparados, faça-se o que se fizer. Foi, literalmente, como se diz lá Méier, “revólver na mão de macaco”: só pode dar merda. E deu! Mas acabou - pelo menos por enquanto - e é aí que a porca torce o rabo. O porrete saiu da mão dos milicos e foi pra onde? Pro povo, me dirá o incauto amigo, afinal estamos numa democracia. É... só que não.
No Brasil, naquela transição, que foi o samba do maranhense doido, não se tratou disso nem na época e nem depois e, como não existe vácuo na atmosfera e muito menos no poder, a força bruta, hoje no Brasil, é de exclusividade do Poder Judiciário. Manda prender, manda soltar, manda largar a borracha sem a menor interferência daquele agente que incomoda pacas, o tal do povo. Não é que ele tomou à força ou enganou alguém pra ficar com o porrete. Não! Simplesmente caiu ali, no colo dele. É como se o dono da casa (o povo) estivesse muito ocupado tentando fugir de um cativeiro e, enquanto isso, deixasse os destinos da casa (O Brasil) pro mordomo (o Judiciário) tomar conta e decidir. É que na ditadura foi o vigia (os milicos) que botou uma Bereta na cabeça do dono da casa (o povo) e fez todo mundo de refém, durante mais de 20 anos. Agora não tem desculpa, temos que continuar mantendo o vigia na guarita e passar a falar com o mordomo como é que a gente quer a casa. Acabou a transição!

É que aquele menino, o Montesquieu, que sacou a divisão do poder em três, baseado naquele outro rapaz, o Aristóteles, jogou as bases onde hoje se funda a República Federativa do Brasil. Tem o Poder legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Desses três, eu sei quem me representa, ou pelo menos, em quem votei pra me representar, na hora de fazer as leis (o Legislativo) e na hora de botar essas leis pra funcionar (o Executivo). Mas e na hora de decidir como e quem vai, não só julgar como, principalmente, interpretar as leis? Ninguém te perguntou nada? Nem a mim! Democracia, o amigo falou? Taí a porca, esperando alguém esticar esse rabo de uma vez.

Assim como aos militares não agradava muito essa idéia de deixar outros decidirem (no caso o povo), com os juízes não é lá muito diferente. Eles não digerem bem a possibilidade de perderem um só milímetro de poder e autoridade que subitamente adquiriram, mesmo que por meio de “herança” inesperada. Teve uma época em que se ensaiou um movimento no sentido de democratizar o Judiciário. Foi quando se passou a cogitar do tão sonhado “controle externo do judiciário”. Soou como música em diversos ouvidos democráticos. Já o pessoal da Themis esconjurava – e esconjura até hoje – fazendo o sinal da cruz. Se você não lembra, o Lula chegou a falar da famigerada “caixa preta”, o que fez com que alguns juízes e desembargadores tivessem verdadeiros ataques apopléticos. Como não tinha jeito, era, e é, uma caixa preta mesmo, pouparam todos os dedos entregando um anelzinho de lata chamado CNJ. O amigo há de convir que, pra quem falava em controle EXTERNO, a criação de um órgão do Judiciário, feito pra fiscalizar o Judiciário composto quase que exclusivamente de juízes e gente do judiciário, é um anelzinho de latão com uma pedrinha de zircônia! E nem adianta citar a Dra. Eliana Calmon. Ali é a exceção que confirma a regra. É como justificar os militares, dando como exemplo o Capitão Sérgio Macaco. O CNJ tem lá seus méritos, andou um cadinzinho pra frente, mas não é disso que eu falo. Me refiro a um Judiciário que tenha a forma, o conteúdo, o espírito e a aprovação do povo a quem deve prestar serviço. Um Judiciário no qual o jurisdicionado (que é o nome feio dado ao povo por eles) se veja refletido. Um judiciário que tenha o controle que emane dele, o Povo (maiúsculas!).

Tem um livro do Dr. Gilmar Mendes (é, tive que comprar) na qual existe um trecho onde ele deixa perceber que o povo não tem que se meter em questões do Judiciário. É o tal do “cidadão ali do bar”, que pra ele é a terceira pessoa depois de ninguém. Muita gente graúda pensa igual. Só faltam dizer: “O Judiciário é pra quem pode, não pra quem quer”. Pois o povo não só quer, como pode.
Taí o gato, taí o guizo e taí o tacape. E taí também a pergunta: por que não? Se a dúvida é “como?”, vamos ao debate! Se é “quando?”, a resposta vem do Méier, também: Demorou!

A meu ver, Poder Judiciário, Justiça, julgamentos, interpretação de leis, condenações, absolvições, serventias judiciais, celeridade e morosidade de processos, audiências, taxas, emolumentos, cartórios, defensorias, promotorias, MPs, até os elevadores e escadas rolantes dos fóruns das mais longínquas comarcas, tudo, repito, tudo o que tem a haver com o Judiciário e com a Justiça é da conta do povo, sim! Aliás, parafraseando Clemenceau, político francês que no final da 1a Guerra Mundial chegou à conclusão de que a guerra seria assunto muito sério para ser tratado por generais, penso, sinceramente, que o Judiciário é um assunto muito sério para ser tratado por juízes. Sem povo, logo, sem democracia...
T.G. Meirelles