Escrevi sobre isso de uma outra forma. Contei aqui um pouco de minha saga juvenil, em relação a ditadura. Falei sobre o medo, pois um doz juizes, o Fux, disse "que juiz não deve ter medo de nada e de ningém".
Eu tenho medo da ditadura.
Leiam aqui esse artigo. Muito bom!
O Broguero
Carta aberta de um jornalista ao Supremo Tribunal Federalby bloglimpinhoecheiroso |
J. Carlos de Assis, via Carta Maior
Passei
as duas décadas da ditadura sem ter sido vítima de tortura física, sem
enfrentar mais que dois interrogatórios militares, sem ter sido
condenado. Conheci, porém, pessoalmente, a justiça da ditadura. Em 1983,
incriminado nos termos da Lei de Segurança Nacional por ter denunciado
na Folha de S.Paulo as entranhas do escândalo da Capemi,
enfrentei um processo pela antiga Lei de Segurança Nacional no qual a
denúncia se baseava em dedução. Foi com base em deduções que Vossas
Excelências, em plena democracia, condenaram figuras proeminentes do PT,
pela culpa de serem proeminentes. Quanto a mim, tive melhor sorte: fui
absolvido por um juiz militar que já não acreditava mais na ditadura,
Helmo Sussekind.
Não
traço paralelo entre o crime a mim imputado e aquele pelo qual foram
condenados Dirceu e outros senão pela absoluta falta de prova, num caso,
e a declarada desnecessidade dela, noutro. Meu crime teria sido, na
letra do Art. 14 da LSN de 68, “divulgar, por qualquer meio de
comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro
truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com
as autoridades constituídas”. Pena, de seis meses a dois anos de
reclusão. Nota-se que não se falava de provas. Poderia ter sido
condenado, pois tudo ficava ao arbítrio do juiz: sob pressão do sistema
sua tendência era condenar.
Sussekind,
contra a letra e o espírito da lei, para me absolver me permitiu a
exceção da verdade. Vossas Excelências, inventando lei, fizeram a
exceção da mentira para condenar.
Não
disseram mais de um de seus pares que não era possível acreditar que
Dirceu não soubesse dos fatos, fatos esses que só existiram na
imaginação fértil de dois procuradores e de um ministro relator com
ganas de promotor, decididos todos a inventá-los para compor um “caso”? É
assim que julga um ministro deste Tribunal, pensando o que os réus
teriam sido obrigados a pensar seguindo o figurino da acusação? Deem-me
uma evidência, uma apenas, de relação entre pagamentos de despesas de
campanha e votações no Congresso: suas estatísticas estão simplesmente
furadas; elas não comportam uma análise científica de correlação, mesmo
porque o critério que o procurador usou para estabelecê-la estava
viciado pelo resultado que ele queria encontrar.
Não
sou jurista. Mas na ciência política que tenho estudado junto a
pensadores eminentes como Max Weber e Norberto Bobbio as doutrinas
jurídicas têm uma posição singular. Weber, sobretudo, fala em justiça no
cádi em casos de grande comoção social. Entretanto, nosso país está em
calma. O pouco que aprendi de direito de cidadania me leva a concluir
que Vossas Excelências cometeram uma monstruosidade jurídica ao fundar
seu veredito contra Dirceu, de forma arbitrária, no princípio alemão do
domínio funcional do fato.
Não
me estenderei sobre isso para não repetir o que já disse alhures,
embora me alegra o fato de que outros jornalistas e principalmente
juristas, consultando um dos formuladores originais do princípio,
passaram a expor com evidência cristalina sua inaplicabilidade ao caso
Dirceu. Sim, Excelências, para condenar é preciso ter provas. Vossas
Excelências condenaram sem provas.
Fiquei
estupefato ao ouvir o discurso patético de seu novo presidente com o
elogio da independência política do Judiciário. É que suas excelências
se comportaram como servos de uma parte da opinião pública manipulada
pela mídia de escândalos. Creio que, absorvidos em sua função, Vossas
Excelências não têm-se apercebido do que está acontecendo com a mídia
brasileira. Acossada pela internet, ela já não encontra meios de atrair
leitores e anunciantes senão pela denúncia de escândalos reais ou
forjados. Haja vista o imenso caudal de ações contra denúncias
infundadas que se amontoa no próprio Judiciário. Com o propósito de
explorar mais um grande escândalo, desta vez dentro do governo e do PT,
criaram o chamado “mensalão” e o venderam à opinião pública como fato
consumado.
Nunca
houve evidência de pagamentos regulares, mensais, a parlamentares, mas
tornou-se impossível esclarecer os pagamentos como acertos de campanha.
Criou-se, dessa forma, no seio da opinião pública uma sensação de grande
escândalo, não de caixa dois de campanha, exacerbada quando o
procurador, num assomo de retórica, recorreu à expressão, totalmente
falsa, de quadrilha.
Finalmente,
agora na condição de especialista em Ciência Política, quero propor a
Vossas Excelências que não atropelem a linha que os separa dos demais
poderes. Sobretudo, que não interfiram na organização política do Brasil
condenando arbitrariamente alianças partidárias. Sem alianças não há
governo no Brasil. É possível que Vossas Excelências prefiram o sistema
norte-americano, ou algum sistema europeu com dois partidos hegemônicos,
mas nós não estamos nem nos Estados Unidos nem na Europa. O Supremo não
tem competência para alterar isso. Não há democracia sem política, não
há política sem partido, e não há partido sem liberdade de organização. O
ódio de Vossas Excelências por alianças partidárias nasce de um vício
idealista de quem chega ao poder sem ter de passar pelo voto da
cidadania. Caveat.
É essencial para a ordem pública confiar na Justiça, mas para que isso
aconteça não basta condenar os grandes: é preciso simplesmente condenar
os culpados, segundo as provas.
J. Carlos de Assis
é economista, professor de Economia Internacional e chefe do
Departamento de Relações Internacionais da UEPB, autor do recém-lançado A razão de deus.