BRASÍLIA, (Reuters) - Joaquim Barbosa chega ao mais alto
posto do Judiciário nacional nesta semana com o propósito de trazer de
volta à pauta do Supremo Tribunal Federal casos "cruciais", justamente
quando a corte está paralisada pelo julgamento do mensalão, que, para
ele, representa um "divisor de águas".
Contrário ao foro privilegiado, o mineiro de Paracatu, de 58
anos, chega ao topo da carreira no momento em que desfruta de imensa
notoriedade por, como relator do mensalão, ter liderado a condenação de
importantes políticos, entre eles o ex-ministro-chefe da Casa Civil José
Dirceu.
No STF desde 2003, quando foi indicado pelo então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva - principal nome do PT, partido mais atingido
pelas condenações do atual julgamento -, Barbosa recebeu a Reuters em
seu gabinete pouco depois de assinar o desligamento oficial de Ayres
Britto, que se aposentou ao completar 70 anos.
Com a posse na presidência do STF marcada para quinta-feira, o
ministro afirmou que ações penais, como a do mensalão, não chegariam à
pauta do Supremo "em um mundo ideal" e que julgar autoridades é uma
"competência heterodoxa" da Corte.
"Um tribunal que tem sobre sua incumbência velar pelo correto
equilíbrio entre os Poderes da República, um tribunal que pode e tem aí a
sua espera dezenas, centenas de processos que podem resultar na
anulação de leis aprovadas pelo Congresso, pelos legislativos
estaduais... além de outras competências ainda ter esta competência
penal... é excessivo", disse.
"E por ele ser excessivo, isso deixa o tribunal vulnerável,
porque ele simplesmente não dá conta, tanto é que estamos há mais de 3
meses a julgar este caso que envolvia 40 pessoas", acrescentou.
Em agosto, na primeira sessão do processo do mensalão, Barbosa
liderou as vozes contrárias ao desmembramento da ação - em que apenas os
três réus deputados federais, únicos com foro privilegiado, seriam
julgados pelo STF, os demais iriam para primeira instância. Questionado,
diz que foi voto vencido a favor do desmembramento no recebimento da
denúncia, em 2007.
Ao falar de casos relevantes aos quais a Corte devia se dedicar,
cita questões constitucionais delicadas já votadas, como a perda de
mandato por infidelidade partidária, a lei da Ficha Limpa, autorização
para pesquisas com células-tronco.
"É raro você encontrar (no mundo) algum tribunal que tenha
decidido questões tão cruciais para o Estado e para a sociedade",
afirmou.
Relator do processo do mensalão, Barbosa irá acumular, até o
final da chamada dosimetria das penas, o papel de presidente e de
condutor da ação penal - o que preocupa colegas com quem teve embates
ásperos durante as sessões. Ele chegou a pedir ao decano da Corte, Celso
de Mello, que assumisse a presidência nas sessões restantes do
julgamento, mas isso não deve ocorrer.
JULGAMENTO "PEDAGÓGICO E CÍVICO"
Mesmo achando que casos como o do mensalão não deviam ser
julgados pelo STF, ele vê os resultados do processo, que entrou em seu
quarto mês de julgamento, como positivos.
"Só o lado pedagógico, cívico, deste julgamento é um ganho enorme
para o país. Percebo nas ruas, nas análises; veja os jornais, quantas e
quantas análises foram feitas deste julgamento. É um julgamento que
ocupou não só a mídia impressa, mas a mídia televisiva, radiofônica, por
mais de três meses dia após dia, é um divisor de águas", argumentou,
afirmando, de modo otimista, que o processo de combate à corrupção se
replicará em outras esferas.
"O Brasil é um país que condena à beça, condena muito. As prisões
brasileiras estão lotadas de presos, mas são pessoas comuns. O que há
de diferente agora é a qualidade dos réus que fazem parte desta ação....
Desta vez as pessoas (condenadas são) graduadas do ponto de visto
político, econômico e social", afirmou.
O prolongamento do processo e as desavenças incomodam o relator
- que protagonizou embates duros com colegas que lhe renderam críticas e
dúvidas de que, na presidência, sua personalidade forte seria "metal
entre os cristais", como chegou a dizer Marco Aurélio Mello.
"Eu gostaria que tivéssemos discussões menos frequentes e mais profundas", diz ele sobre o futuro da Corte.
Barbosa, que esperava a conclusão do processo em um mês e meio
- está no quarto mês - deseja ver a fase da determinação das penas dos
25 condenados terminada ainda em novembro.
AGILIDADE
Para dar mais celeridade à análise de processos, Barbosa quer
reativar o instrumento da Repercussão Geral --sistema implantado há
menos de 10 anos e que pode desafogar a pauta do STF, já que os
ministros votam eletronicamente para decidir o que vai ou não à votação
no plenário, considerando se o caso pode ter aplicação geral em casos
idênticos em instâncias inferiores.
"Eu quero concentrar esforços na Repercussão Geral. O Tribunal
precisa retomar em mãos este instrumento porque ele tem impacto nas
cortes inferiores", disse.
Além disso, quer concentrar a pauta em temas sobre direitos fundamentais e na relação entre os Poderes.
"Eu pretendo estabelecer um rodízio de temas, com a ênfase na
solução definitiva dos casos. Ou seja, colocar em pauta algo que seja
possível decidir definitivamente ali... Farei uma análise profunda de
prioridades."
Barbosa também acumulará o comando do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário. Por causa de problemas
de saúde - ele sofre de sacroileíte, uma inflamação na base da coluna -,
há a possibilidade de ele dividir o comando do CNJ com o futuro
vice-presidente, Ricardo Lewandowski.
Mas isso parece que não deve afastá-lo de determinar a pauta do
CNJ - ele já marcou um encontro com a ex-corregedora Nacional de Justiça
Eliana Calmon, que se notorizou por embates na sua cruzada contra a
corrupção na magistratura e, com a sinceridade que lembra a de Barbosa,
disse haver no Brasil "bandidos de toga".
PAPEL DO SUPREMO
A crescente proeminência do STF se deve aos problemas
institucionais brasileiros, segundo ele, "muito gritantes e às vezes
frequentes", ainda reflexos de um país que viveu submerso na ditadura.
"Eles (problemas institucionais) vêm à tona com muita frequência.
Nós tivemos ao longo da historia muitas interrupções do processo
democrático e essas interrupções trouxeram dúvidas, impediram que
diversas questões fossem resolvidas e sanadas no momento oportuno.
Então, boa parte delas emergiram nestes últimos anos", diz.
Barbosa também atribui o papel mais ativo do STF à oxigenação do
tribunal, renovada em mais de 80 por cento dos seus membros na última
década. Mais um motivo para o futuro presidente ser contra à chamada
"PEC da Bengala", que estenderia a possibilidade de permanência dos
ministros até 75 anos - hoje a aposentadoria é compulsória aos 70 anos.
"Entendo que cortes supremas e constitucionais como o Supremo têm
que ter uma rotatividade na sua composição para que seus membros sempre
estejam em sintonia com a evolução da sociedade. Permitir que um membro
fique 20, 25 anos numa corte com esta responsabilidade é fazer com que
ela não evolua, não acompanhe as mudanças operadas na sociedade."
Mesmo com a regra atual, em que os ministros se aposentam aos 70
anos, há integrantes que já ultrapassaram duas décadas na corte, como o
decano Celso de Mello - há 23 anos no STF, e que anunciou aposentadoria
para o próximo ano - e Marco Aurélio, há 22 anos na casa. O próprio
Barbosa, se esperar os 70 anos para deixar o STF, ficará mais de 20
anos.
RELAÇÃO COM OS PODERES
O futuro presidente não concorda que o STF está abarrotado de
casos e decidindo questões delicadas pela omissão dos demais Poderes.
"Acho que é a sociedade brasileira que é pródiga em questões
institucionais graves e isso reflete aqui, que é a última instância, com
garantias de independência muito forte", disse ele, apostando que o
tema da distribuição dos royalties do petróleo, que está nas mãos da
presidente Dilma Rousseff, será decidido no STF. "Tudo vem para cá."
Mesmo assim, ele não prevê uma relação tumultuada e de embates com os demais Poderes, em especial com o Congresso.
"O embate intelectual é muito profícuo. E problemas é o que não
faltam no nosso país. Nós temos um Legislativo e um Executivo que são
bastante receptivos às deliberações do Judiciário nessas 'hard
questions'", afirmou.