Cesar Fonseca
O idealismo predominou sobre o materialismo no
julgamento do mensalão pelo STF, porque, simples, partiu-se da idéia para se
chegar à matéria, sendo que, no caso, a
matéria significou, tão somente, uma incerta teoria que se apartou da prática
Se o Judiciário estaria realmente
criminalizando a política, por que o Legislativo não politizaria tal
criminalização praticada pelo Judiciário?
A
esquerda petista está inconformada com o critério adotado pelos juízes do
Supremo Tribunal Federal de lançar mão da denominada Teoria do Domínio do Fato
para condenar os principais líderes do PT na Era Lula, especialmente, José
Dirceu e José Genoínio.
A Teoria do Domínio do Fato foi
erguida como deusa da justiça.
Por ser
aquele que coordenava todas as ações políticas no primeiro mandato do Governo
Lula, José Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão sob acusação de
formação de quadrilha, porque, na posição que ocupava, tinha o domínio do fato,
para articular e comandar o mensalão, na tarefa de garantir maioria para
governar, no Congresso, mediante compra de votos e consciências.
Em vez
de ele ser o elo forte da cadeia, acabou sendo o fraco, invertendo a verdade
divulgada em sentido contrário, desde sempre.
Começou-se
pelo lado econômico da coisa para se chegar ao político. Chegou-se,
assim, inversamente, à determinação de que a política manda no dinheiro e não o
contrário, ou ambos se juntam quando as conveniências recíprocas os aproximam?
Por
controlar, enquanto todo poderoso ministro da Casa Civil, as articulações políticas,
cujo objetivo é o de sustentar governabilidade, Dirceu controlaria, também, a
distribuição do dinheiro da corrupção eleitoral.
Como
cabeça, teria o poder de mandar e desmandar, sendo consultado por todos,
enquanto dava conhecimento de tudo para o seu superior hierárquico, então, o
titular do Planalto.
Todas
as montagens da peça acusatória visaram a construção de um enredo com o começo
e o fim se dando a partir da ordem vinda de cima, de Dirceu, responsável maior
pelo desenrolar de todo o processo no qual mergulharam os mensaleiros.
Foi,
praticamente, um mecanicismo jurídico, muito parecido com o raciocínio lógico,
com a matemática, que, no entanto, como diz Hegel, é uma ciência que se
constroi no exterior da realidade, não podendo, portanto, determiná-la.
Teria
sido isso, o mecanicismo matemático servido de modelo para montagem do
mecanicismo jurídico joaquimbarbosiano, de modo a articular dialética
construída de fora para dentro do real concreto em movimento, de maneira
irrefutável?
A
montagem da peça foi – está sendo – tão perfeita que alcançou unanimidade
sintomática no conjunto do colegiado de juízes da suprema corte de justiça
brasileira.
Mas,
não seria a unimidade, como disse Nelson Rodrigues, uma manifestação da
burrice?
Onde
estaria a burrice?
Pelo
que os advogados apontam, ela emergeria quase que comicamente, pelo tamanho de
sugestiva ingenuidade, com a constatação da inexistência daquilo que o juiz
mais preza, mas que foi por ele, totalmente, desprezada: a prova do crime.
O
domínio do fato, disseram os juízes, foi exercido por Dirceu a partir de sua
posição privilegiada, no comando do governo, razão pela qual, logicamente, se
conclui que ele sabia de tudo e, não só, mandava, também, em tudo.
Se era
assim, por que maiores provas?
O
pressuposto nesse sentido bastou para que os notáveis do direito do STF
descartassem a exigência de documento de ofício para justicar o domínio do
fato, simplesmente, porque o fato já estava dominado pelo ex-ministro da Casa
Civil, tornando-o culpado, mesmo sem provas.
As
provas, pelo que se pode perceber, foram as próprias articulações políticas,
coisa do político, que, tendo confundidas suas ações, pelos juizes, como provas
de prática de corrupção política, torna-se condenado pela prática da política.
Surreal.
Assim,
se articulação política se torna prática de corrupção, pelo exercício do
domínio do fato, mesmo sem provas, configurando, consequentemente,
criminalização da política, do mesmo modo o julgamento jurídico pode se
corromper, se o pressuposto de sua própria existência – as provas materiais
- não for levado em conta no ato de julgar.
Ou
seja, o político, criminalizado pela prática da articulação, tida por endêmica
produção de corrupção, sob presidencialismo de coalizão, pode, do
mesmo modo, criminalizar o julgamento jurídico desprovido de provas.
Muita
água vai rolar por debaixo da ponte.
Não
seria conveniente que essa discussão se desse no Congresso, em amplo debate
popular, se tudo desemboca na política?
Se, por
um lado, tende a ocorrer a criminalização da política, caso entendida a prática
da articulação política como corrupção, não poderia, por outro, haver
criminalização da prática jurídica, se se desconsidera o alicerce – a prova do
crime – que dá vida à própria justiça, para embasar a sentença judicial?