Secretário apela ao guarda-chuva para se defender das bolinhas de papel e até fezes
Marcada pelo governo do
estado para discutir o regime de concessão do complexo do Maracanã à iniciativa
privada, a audiência pública que viabilizaria o edital de licitação se
transformou em um palco de embate entre os movimentos sociais e o poder
público.
O encontro foi comandado pelo secretário estadual da Casa Civil, Regis
Fichtner, hostilizado ao ponto de protagonizar uma cena pitoresca: recorreu ao
guarda-chuva para evitar as bolinhas de
papel, copos de plástico, água e até fezes.
A audiência já começou em clima tenso, devido aos protestos das
diversas organizações e grupos representativos que compareceram no Galpão da
Cidadania, na Gamboa, para o evento. Estavam por lá o Comitê Popular da Copa e
das Olimpíadas, o movimento Meu Rio, os índios da Aldeia Maracanã, organizações
de torcedores, assim como pais, alunos e funcionários da Escola Municipal
Friedenreich, que por estar dentro do Maracanã, será demolida.
No início, Gustavo Mehl,
um dos organizadores do Comitê Popular, levantou questão de ordem, questionando
a validade da audiência uma vez que ela se dispunha apenas a debater o regime de concessão, sem admitir a
hipótesede discutir se o Maracanã deve ser privatizado. A partir da negativa de
Fichtner, o público acirrou ainda mais a disputa. Gritando ininterruptamente
palavras de ordem e pedindo o cancelamento do encontro, a plateia por vezes
calou o secretário, durante sua curta explanação, de menos de cinco minutos.
Ao receber o microfone, o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da
Rocha (PSDB) também questionou a validade daquele ato: "Não há clima para
realizar a audiência. Seria de bom senso que ela fosse cancelada. O governo
cumpre apenas uma formalidade burocrática e não ouve os anseios da
população", afirmou.
Mas não sensibilizou Fichtner
que de pronto retrucou: "O Estado não permitirá que, por conta de algumas
pessoas, esse ato democrático seja cancelado”, definiu, se referindo aos
manifestantes.
Confusão com deputados
Pouco depois, chegaram Paulo
Ramos (PDT), Janira Rocha (PSOL) e Aspásia Camargo (PV) que não foram, contudo,
convidados a ficar no espaço reservado aos membros do governo, tal como ocorreu
com Clarissa e Luiz Paulo.
Indignado, Paulo Ramos tentou entrar no local destinado às
autoridades do Executivo, mas foi impedido de maneira truculenta por
seguranças. O bate-boca, com direito à troca de empurrões, quase fez com que
alguns presentes fossem às vias de fato com o grupo que barrava a entrada.
Ao ter a palavra, Ramos contra-atacou, também pedindo o
cancelamento da reunião: "Se a finalidade da audiência pública é ouvir o
público, a resposta está aí", alfinetou.
Mas a atitude mais inusitada veio de Janira Rocha. A deputada de
oposição conclamou: "Se o microfone serve para que o povo fale, então ele
vai para o meio do povo", disse, antes de arremessar o aparelho na direção
dos manifestantes, que o usaram para entoar seus cânticos.
Opressão de Cabral a Cabral
Diversos representantes de movimentos sociais disseram, em suas
explanações, que o governo preferia favorecer os grupos econômicos que vão
assumir o estádio - notadamente o bilionário Eike Batista, que já manifestou o
interesse de administrá-lo - em detrimento da população. Foi o caso de Miguel
Lago, um dos líderes do Meu Rio:
"O governo deve ter prioridades. E deveria priorizar os 400
alunos da Escola Municipal Friedenreich do que o joelho do Messi, que vai
alongar na área de aquecimento que será construída no local hoje ocupado pela escola",
questionou.
O cacique Carlos Tucano, líder dos indígenas que vivem
no antigo Museu do Índio, prometeu constranger o governo de Sérgio
Cabral perante o mundo:
"Eu quero ser consultado, como cidadão
brasileiro e indígena. Vivemos sob opressão de Cabral a Cabral",
comentou, numa referência irônica ao descobrimento do Brasil pelos
portugueses, com Pedro Alvares Cabral. "Não vamos arredar pé, criaremos
um fato internacional e vocês vão ficar muito mal vistos perante todo o
mundo", prometeu.
Parlamentares vão recorrer à Justiça
Os
parlamentares presentes pretende acionar outros colegas de oposição
para, juntos, tomarem providências com vistas a anular a audiência
pública e promover debate sobre as propostas que deveriam ter sido
discutidas.
A ideia do grupo é acionar o Ministério Público ou
optar por recorrer direto ao judiciário, algo ainda a ser estudado. Eles
creem que o governo ratificará a audiência, exigência legal para que o
edital de licitação tenha validade, mesmo sem que seu objetivo
institucional tenha sido alcançado:
"Vocês duvidam que o governo agirá com tamanho cinismo? É exatamente isso que vai acontecer", sintetizou Paulo Ramos.