Por Adriana Aguiar | De São Paulo
A advogada trabalhista
Mayra Palópoli (foto) acredita que as empresas relutarão em aceitar a inclusão de
novos benefícios em acordos futuros
As negociações entre
empresas e trabalhadores podem ser mais difíceis, a partir de agora, em razão
de uma mudança do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em relação a convenções e
acordos coletivos. Pelo novo entendimento da Corte, os benefícios concedidos
aos trabalhadores serão automaticamente renovados e somente revogados se houver
uma nova negociação. A mudança ocorreu com a revisão pela Corte da Súmula nº
277, de 1988.
Nos últimos 24 anos, o
entendimento do TST foi o de que as vantagens negociadas entre empresas e
trabalhadores valeriam enquanto vigorasse o acordo. Esse prazo, segundo a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), poderia ser de um ou dois anos. Para
mantê-los numa próxima convenção era necessária nova rodada de negociação.
Para os empresários, a
leitura que se faz com a mudança é a de que as negociações serão
"engessadas", pois muitas companhias deixarão de dar novos benefícios
porque estes dificilmente serão revogados no futuro. Por outro lado, entidades
representantes dos trabalhadores comemoram dizendo que isso impedirá
retrocessos nas negociações. O novo texto foi aprovado na 2ª Semana do TST,
realizada em setembro, dedicada a alterar e redigir novas súmulas. A redação
serve de orientação para os Tribunais Regionais do Trabalho e primeira
instância.
Para o gerente-executivo
da Unidade de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI),
Emerson Casali, a nova orientação "sem dúvida nenhuma traz um desestímulo
ao processo de negociação". Segundo ele, a concessão de benefícios terá
que ser muito pensada "porque virou uma cláusula quase eterna".
Casali avalia que a
manutenção dos benefícios obtidos em acordos ou negociações coletivas nos
contratos individuais dos trabalhadores - chamada no meio jurídico de
"ultratividade" - somente se justificaria nos tempos em que o
sindicalismo não era forte o suficiente no Brasil. "Hoje os sindicatos
conseguem grandes avanços. Por isso, o estado de perplexidade das empresas com
essa alteração", afirma.
A súmula teve votação
acirrada entre os ministros. Foram 15 votos a favor da nova redação e 11
contra. O texto foi aprovado sem que houvesse precedentes, requisito
necessário, conforme o regimento interno do TST. Por isso, a CNI estuda se
caberia algum questionamento judicial. O gerente-executivo afirma não descartar
a possibilidade de a entidade encaminhar um anteprojeto de lei ao Legislativo,
resgatando o entendimento anterior do TST, caso não haja consenso com a
Justiça.
A Central Única dos
Trabalhadores (CUT), ao contrário, festeja a alteração. A secretária nacional
de Relações do Trabalho da entidade, Maria das Graças Costa, afirma que a
medida representou um grande avanço para os trabalhadores. "Todos os anos
corríamos o risco de não conseguir garantir os avanços da campanha anterior.
Com essa alteração, a ideia é conseguir assegurar ainda mais direitos",
diz. Segundo ela, haverá mobilizações dos sindicatos dos trabalhadores para que
as empresas não travem a negociação.
A alteração poderá ainda
levar trabalhadores a entrar na Justiça para cobrar benefícios concedidos, mas
revogados nos últimos cinco anos, como avalia o juiz do trabalho Rogério Neiva
Pinheiro. "Os advogados podem fazer um levantamento dos benefícios que
foram perdidos e pleiteá-los na Justiça", afirma ele, preocupado com o
número de litígios que podem surgir.
Outra questão é que a nova
súmula traz diversas dúvidas sobre sua aplicação, segundo advogados. Uma delas
é se os benefícios em convenções coletivas em vigor poderiam ou não ser
retirados numa próxima convenção. Uma segunda dúvida seria o que fazer quando o
trabalhador é transferido de Estado e, por consequência, há mudança de
convenção e nos benefícios que regem o contrato.
A advogada Mayra Palópoli,
do Palópoli & Albrecht Advogados, já alertou seus clientes sobre a mudança.
"As empresas ainda não estão atentas, mas a modificação deve ter um grande
impacto nas próximas negociações", diz. Para ela, as empresas relutarão em
aceitar a inclusão de novos benefícios nos acordos. Como a súmula já está em
vigor, Mayra tem recomendado que as companhias não retirem, nas novas
convenções, os benefícios já existentes.
Além de dificuldades nas
próximas negociações, a advogada Carla Romar, professora de direito da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que haverá uma
acomodação dos sindicatos de trabalhadores, ao terem seus benefícios
adquiridos. Para ela, "acordos ou convenções coletivas tinham justamente
como finalidade a flexibilização da negociação, conforme a situação financeira
da empresa". Segundo a professora, com a nova súmula, esse processo pode
ficar comprometido.
Nem mesmo do ponto de
vista do trabalhador, a mudança será benéfica, na opinião do advogado Carlos
Zangrando, do Décio Freire Advogados. Isso porque as empresas terão a
possibilidade de não negociar valores de benefícios por longos períodos, como
vale-refeição ou valor de cobertura de seguro de vida, por exemplo. "Sem
negociação, tudo deverá acabar no Judiciário, o que é cômodo para sindicatos
dos dois lados", afirma. Para ele, isso seria como voltar aos anos 70,
período ditatorial, quando não havia poder de negociação e as reivindicações
eram levadas para a Justiça. "A exceção vai novamente se transformar em
regra."
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