O partido estabeleceu novo padrão no combate à pobreza.
Mas fez menos do que devia
Lula e Dilma. Dez anos de PT no poder. Como avaliar? |
Bem, a maior contribuição do PT foi colocar foco no combate à pobreza
de uma forma como jamais acontecera antes, com a possível exceção de
Vargas.
Os admiradores de FHC gostam de dizer que o primeiro choque de renda para os pobres veio com o fim da inflação, e é verdade.
Os brasileiros mais bem situados tinham inúmeras maneiras de
enfrentar a inflação. Os desvalidos, não. Seu dinheiro se corroía
continuamente.
Mas sem cinismo: o ganho dos pobres foi efeito colateral do Plano
Real. Os autores do plano em nenhum momento se detiveram nos benefícios
que alcançariam, marginalmente, os pobres.
No decênio petista, a miséria diminuiu, é verdade. As estatísticas
comprovam isso, a começar pelo consagrado Coeficiente Gini.
Infelizmente, a velocidade com que se vem combatendo a iniquidade social
é menor do que seria de desejar.
Os petistas podem argumentar que é a velocidade possível, dadas as
resistências do chamado 1%, claramente expressas na grande mídia, mas
isso não altera o fato de que ainda existe mais miséria do que deveria
existir depois de dez anos de administrações populares.
Continuamos a ser uma Dinamália, parte Dinamarca, parte Somália.
Quando seremos uma Dinamarca? É preciso aumentar a velocidade, e isso
requer uma coisa chamada ousadia.
Na parte dos costumes políticos, o PT ficou aquém das expectativas. É
certo que elas eram elevadíssimas, e então a frustração era quase
inevitável com o correr dos dias. Você só não se decepciona com alguma
coisa se sua expectativa é moderada.
Mas não se pode esquecer que quem elevou as expectativas foi o
próprio PT, com um discurso em que se declarava “diferente” de todo o
resto. Como esquecer os 300 picaretas do Congresso dos quais falou Lula
no começo de sua jornada política?
O PT, no quesito ético, ficou aquém do esperado. Fez muitas coisas de
caráter duvidoso que todos os outros faziam, e a grande faxina que ele
prometera jamais se realizou.
Ninguém esperava, nos anos de formação do PT, que fossem feitas alianças com políticos como Sarney e Maluf.
Também não se podia imaginar que Lula fizesse a apologia da grande
contribuição, aspas, de Roberto Marinho quando este morreu. Poucas
pessoas fizeram tanto pela iniquidade nacional como Roberto Marinho, e
Lula evidentemente sabia disso quando o louvou tão demagogicamente, tão
descabidamente — e tão em vão, visto o tratamento massacrante que recebe
das Organizações Globo.
Sem coisas assim não se governa? Onde, então, o esforço para uma reforma política que evite parcerias complicadas?
A maior obra do PT talvez tenha sido involuntária: com sua chegada ao
poder, ficou claro o quanto a elite brasileira – ou o 1%, se preferirem
a linguagem do Ocupe Wall St — luta pela conservação de seus
privilégios.
É obra dessa elite – cuja voz está nas grandes corporações de mídia –
a iniquidade social que virou a grande marca do Brasil a partir da
ditadura iniciada em 1964.
A elite mudou apenas de geração. Era Roberto Marinho na Globo, e
agora são seus três filhos. Era Octavio Frias, e agora é Otávio Frias.
Mudou a geração, mas não a sofreguidão no combate pelas vantagens.
O PT não transformou o Brasil numa Dinamarca em dez anos. Não ficou
perto disso, sequer. Mas com sua chegada ao Planalto os brasileiros
puderam ver com clareza quem empurra o país na direção da Dinamália, e
com quais motivações.
Tanques no Golpe de 1º de abril de 64 |
Do ponto de vista psicológico, o poder de alguma forma deslumbrou
alguns petistas ilustres. Não foram todos os que resistiram aos vinhos
de alguns milhares de reais e à possibilidade de enriquecimento rápido.
Palocci é apenas um caso. A frugalidade de Pepe Mujica, o presidente do
Uruguai, ou mesmo a de Chávez, pode ser inspiradora para o futuro do
partido.
Um certo deslumbramento, sim. Mas não um espírito “conspiratório”,
como afirmou a Folha num editorial sobre os 10 anos do PT no poder.
É só olhar para o passado da própria Folha para ver se existem razões ou não para que se temam conspirações.
No auge da ditadura militar, peruas da Folha foram cedidas por Frias à
polícia política de São Paulo para perseguir, prender e por vezes matar
“subversivos”.
As circunstâncias, hoje, não favorecem o 1% como em 1964. Não existem
generais à mão, depois da calamidade que foi a gestão militar. A CIA
tem tarefas dificílimas no Oriente Médio para se ocupar da América
Latina, onde foi mestra em desestabilizações de governos democráticos.
A arma que sobrou ao 1% é o berro da mídia, tão estridente hoje
quanto em 1964. Não é pouca coisa, mas não é o suficiente para derrubar
governos.
O PT talvez não tenha se dado conta disso. Muitas vezes, nestes dez
anos, mostrou um grau paranoico de intimidação perante o 1%, e isso
retarda consideravelmente a caminhada rumo a uma sociedade menos
desigual.
Se fosse um estudante, o PT passaria longe da nota máxima por seu
desempenho nestes dez anos. Mas, mesmo não tendo sido brilhante, foi
melhor que seus antecessores e estabeleceu um novo padrão em ações
sociais – e é por isso que tem sido vitorioso nas urnas.