O principal é criar um órgão fiscalizador independente do governo, dos partidos — e das empresas jornalísticas
A mídia britânica, nos últimos 60 anos, tem sido auto-regulada, como a
brasileira. O escândalo do NoW – que caiu como uma bomba na opinião
pública depois que se soube que o tabloide de Murdoch invadira a caixa
postal de uma garota de 13 anos sequestrada e morta – mostrou os limites
da auto-regulação. Para usar uma palavra, a auto-regulação fracassou miseravelmente na Inglaterra.
Os ingleses entraram em 2013 dando os toques finais num novo sistema
de monitoramento da mídia. O ponto principal é que a auto-regulação
será substituída por um modelo em que o órgão fiscalizador é independente das empresas jornalísticas. E também — vital — dos partidos políticos e do governo.
O Brasil, cedo ou tarde, e quanto mais cedo melhor, vai ter que
enfrentar a mesma realidade: a falência da auto-regulação na mídia e,
consequentemente, a necessidade de dar um passo adiante. O maior
obstáculo reside nas grandes empresas de jornalismo, que por obtusidade
ou má fé, ou uma mistura de ambas as coisas, rechaçam discussão
preliminarmente sob o argumento, aspas, de que se trata de “censura”
para a “imprensa livre”.
A não ser que consideremos a mídia acima da sociedade, o Brasil não
poderá ficar acorrentado eternamente a uma auto-regulação que, como na
Inglaterra, é nociva ao interesse público.
Dilma parece estar querendo fingir que o problema não existe, para
evitar mais problemas com as famílias que controlam a imprensa
brasileira. Mas o problema existe, e não é certo que o interesse de
milhões de brasileiros fique subordinado ao de quatro ou cinco famílias.
Talvez a tarefa de Dilma ficasse mais fácil se ela deixasse claro que
não ser trata de uma causa do PT ou do governo — e sim do país. Ela
deveria também garantir às empresas jornalísticas que um novo órgão
fiscalizador — e ele é o princípio de qualquer mudança séria que se
queira fazer — não terá vínculo nem com o PT e nem com o governo.
Há um modelo bom no qual se espelhar, e não estou falando da Lei de
Meios da Argentina, que já nasce no seio de uma guerra entre o governo
Kirchner e o Clarín. É melhor olhar para a Dinamarca do que para a
Argentina. Os ingleses fizeram isso.
Sempre surge a Escandinávia, como o Diário tem afirmado
exaustivamente, quando se trata de identificar ações de uma sociedade
realmente avançada.
Os dinamarqueses encontraram uma forma de, preservada a liberdade de
imprensa, controlar os excessos prejudiciais à sociedade como um todo.
O Brasil deveria estudar o caso aplicadamente.
Vigora, lá, uma “co-regulação”. Um comitê, presidido por um juiz da
suprema corte, é formado por um grupo composto por 12 pessoas. Seis são
designadas pela indústria da mídia, e seis pelo governo. (Nenhum destes
seis últimos é funcionário do governo, mas pessoas que as autoridades
entendem que dominam o assunto, contribuem para o debate e são
independentes da indústria.)
O comitê tem um orçamento anual de cerca de 700 mil reais, bancados pelos jornais. Estes se comprometem a acatar as decisões.
No ano passado, foram encaminhadas ao conselho 157 queixas. Quarenta e
duas foram consideradas legítimas. Os jornais que cometeram infrações
publicaram, como sempre ocorre, o parecer do comitê na íntegra.
Retificações por erros cometidos, na Dinamarca, têm que ser visíveis.
Devem estar na primeira página, com destaque. Recentemente, por
exemplo, uma enfermeira foi erradamente citada como cúmplice num esquema
de pedofilia. A correção veio na primeira página de quem cometeu o
erro.
O conselho não estipula indenizações. Isso fica a cargo da justiça comum.
O Brasil, como a Inglaterra está fazendo, poderia olhar para o
exemplo dinamarquês de “co-regulação” da mídia. Deveria. É muito mais
avançado do que o que existe no Brasil – como, aliás, quase tudo que
diga respeito ao modo de operação da sociedade escandinava.
O sistema dinamarquês não coibe a livre imprensa — e sim a
aperfeiçoa. E o Brasil precisa de uma mídia melhor do que a que temos,
muito mais apegada a seus próprios interesses do que aos do país.
O jornalista Paulo Nogueira, baseado em
Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises
Diário do Centro do Mundo.