LULA! Não volto a politica, porque eu NUNCA sai!

Ex-presidentes culpam falta de lideranças por extensão da crise

Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/Valor
Lula e González no seminário promovido pelo "Valor": ex-presidente da Espanha diz que falta de governança na democracia contribuiu para aumentar desigualdades
Em meio a críticas à política econômica da presidente Dilma Rousseff e ao crescimento de apenas 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou ontem o discurso de que o país foi pouco afetado pela crise econômica - "foi só uma marolinha", repetiu - e atribuiu a demora na retomada brasileira aos líderes mundiais, que estão "aquém das necessidades" e não foram capazes de resolver o problema.

No seminário "Novos Desafios da Sociedade", organizado pelo Valor, Lula disse que as negociações fracassaram até agora porque os líderes estavam mais preocupados com as eleições em seus países do que em encontrar uma solução. "O [presidente dos Estados Unidos, Barack] Obama estava preocupado com a sua reeleição, a [chanceler da Alemanha] Angela Merkel também. Mas terminou a eleição e ninguém fez nada", afirmou.

Também presente ao evento, o ex-presidente da Espanha Felipe González, ex-líder do Partido Socialista Operário Espanhol, concordou com o colega brasileiro e disse que há um "fenômeno global de falta de governança na democracia", o que teria contribuído para aumentar as desigualdades. "Na Europa, a distribuição do excesso de renda está retrocedendo", afirmou.

Na opinião de Lula, é preciso criar novas instituições que tenham protagonismo para resolver problemas
Lula afirmou que, em sua percepção, na últimas eleições para escolha de representantes da União Europeia, muitos chefes do Executivo optaram por escolher políticos mais fracos do que eles com o intuito de manterem-se fortes. "É um erro porque quanto mais fraco for quem eu escolher, mais fraco eu serei. Faltaram decisões políticas no momento certo", afirmou. "É um pacto pela mediocridade."
Para o ex-presidente brasileiro, a receita para a Europa reagir não são os cortes de gastos, mas crescimento econômico com geração de emprego e renda. "Não haverá solução para a crise se não se voltar a consumir e a produzir", disse. O petista acrescentou ainda que os países em desenvolvimento podem suprir parte do consumo dos produtos fabricados no continente.

Para González, "a política aparece na hora de salvar o sistema financeiro, mas não no momento de regulá-lo"
González, que presidiu a Espanha de 1982 a 1996, foi na mesma linha e afirmou que o "mantra" de que o déficit público deve ser zero é "uma estupidez". "Pode ter superávit em época de vagas gordas, e pode ter déficit em época de vacas magras", opinou, dizendo que a situação das finanças públicas da Espanha era boa até antes da crise, mas que as empresas e famílias estavam com alto grau de endividamento.

Contrário as medidas de austeridade adotadas pelos europeus, Lula defendeu que se ouça menos os "burocratas" e se faça mais política, com debates entre jovens, sindicatos de trabalhadores e empresários. "As pessoas precisam perceber que existem saídas para a crise se a sociedade for envolvida nas decisões", disse. "Teremos que ter muitas passeatas, muitas manifestações e muitas greves para os políticos se darem conta de que têm que agir."

Na opinião de Lula, tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) não representam mais o mundo do século XXI e é preciso criar novas instituições que tenham protagonismo para resolver problemas como a falta de regulação do sistema financeiro.

González também pediu regras para o sistema financeiro e apontou a letargia dos políticos como um dos motivos para isso não ter ocorrido após a crise. "A política aparece no momento de salvar o sistema financeiro, mas desaparece no momento de regulá-lo", afirmou. "A ameaça são os lobbies que financiam as campanhas eleitorais e que dependem das movimentações políticas em Washington."

A crítica ao financiamento privado das campanhas eleitorais também encontrou eco na fala do ex-presidente Lula, que defendeu que as eleições sejam feitas exclusivamente com recursos públicos. "É uma forma de moralizar a política. E mais ainda, eu acho que não só se deveria aprovar o financiamento público de campanha como tornar crime inafiançável o financiamento privado", disse.
Lula afirmou que a democracia no Brasil ainda é muito recente, criticou as "legendas de aluguel" e, em um raro elogio ao antecessor, disse que a eleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994 foi "um avanço para a democracia deste país".

Lembrou ainda que FHC perdeu a disputa pela Prefeitura de São Paulo em 1985 para o ex-presidente Jânio Quadros, que tinha como mote varrer a corrupção da cidade, por ser considerado "um comunista". "Tomem cuidado com todo mundo que usar a corrupção como bandeira de campanha, porque pode ser pior do que ele está pregando", afirmou.

O ex-presidente defendeu a alternância de poder entre diferentes grupos políticos e sociais e pregou que os governantes não deveriam gastar tempo criticando seus antecessores. "Cada político tem que perceber que mandato é um produto perecível, com data para começar e acabar. Não tem tempo para ficar discutindo, culpando o governante anterior. Ou você faz ou não faz", disse, embora, quando no governo, tenha reclamado da "herança maldita" da gestão FHC.