Ex-presidentes culpam falta de lideranças por extensão da crise
Lula e González no seminário promovido pelo "Valor": ex-presidente da Espanha diz que falta de governança na democracia contribuiu para aumentar desigualdades |
Em meio a críticas à política econômica da presidente Dilma Rousseff e
ao crescimento de apenas 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou ontem o discurso
de que o país foi pouco afetado pela crise econômica - "foi só uma
marolinha", repetiu - e atribuiu a demora na retomada brasileira aos
líderes mundiais, que estão "aquém das necessidades" e não foram capazes
de resolver o problema.
No seminário "Novos Desafios da Sociedade", organizado pelo Valor,
Lula disse que as negociações fracassaram até agora porque os líderes
estavam mais preocupados com as eleições em seus países do que em
encontrar uma solução. "O [presidente dos Estados Unidos, Barack] Obama
estava preocupado com a sua reeleição, a [chanceler da Alemanha] Angela
Merkel também. Mas terminou a eleição e ninguém fez nada", afirmou.
Também presente ao evento, o ex-presidente da Espanha Felipe
González, ex-líder do Partido Socialista Operário Espanhol, concordou
com o colega brasileiro e disse que há um "fenômeno global de falta de
governança na democracia", o que teria contribuído para aumentar as
desigualdades. "Na Europa, a distribuição do excesso de renda está
retrocedendo", afirmou.
Na opinião de Lula, é preciso criar novas instituições que tenham protagonismo para resolver problemas
Lula afirmou que, em sua percepção, na últimas eleições para escolha
de representantes da União Europeia, muitos chefes do Executivo optaram
por escolher políticos mais fracos do que eles com o intuito de
manterem-se fortes. "É um erro porque quanto mais fraco for quem eu
escolher, mais fraco eu serei. Faltaram decisões políticas no momento
certo", afirmou. "É um pacto pela mediocridade."
Para o ex-presidente brasileiro, a receita para a Europa reagir não
são os cortes de gastos, mas crescimento econômico com geração de
emprego e renda. "Não haverá solução para a crise se não se voltar a
consumir e a produzir", disse. O petista acrescentou ainda que os países
em desenvolvimento podem suprir parte do consumo dos produtos
fabricados no continente.
Para González, "a política aparece na hora de salvar o sistema financeiro, mas não no momento de regulá-lo"
González, que presidiu a Espanha de 1982 a 1996, foi na mesma linha e
afirmou que o "mantra" de que o déficit público deve ser zero é "uma
estupidez". "Pode ter superávit em época de vagas gordas, e pode ter
déficit em época de vacas magras", opinou, dizendo que a situação das
finanças públicas da Espanha era boa até antes da crise, mas que as
empresas e famílias estavam com alto grau de endividamento.
Contrário as medidas de austeridade adotadas pelos europeus, Lula
defendeu que se ouça menos os "burocratas" e se faça mais política, com
debates entre jovens, sindicatos de trabalhadores e empresários. "As
pessoas precisam perceber que existem saídas para a crise se a sociedade
for envolvida nas decisões", disse. "Teremos que ter muitas passeatas,
muitas manifestações e muitas greves para os políticos se darem conta de
que têm que agir."
Na opinião de Lula, tanto a Organização das Nações Unidas (ONU)
quanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário
Internacional (FMI) não representam mais o mundo do século XXI e é
preciso criar novas instituições que tenham protagonismo para resolver
problemas como a falta de regulação do sistema financeiro.
González também pediu regras para o sistema financeiro e apontou a
letargia dos políticos como um dos motivos para isso não ter ocorrido
após a crise. "A política aparece no momento de salvar o sistema
financeiro, mas desaparece no momento de regulá-lo", afirmou. "A ameaça
são os lobbies que financiam as campanhas eleitorais e que dependem das
movimentações políticas em Washington."
A crítica ao financiamento privado das campanhas eleitorais também
encontrou eco na fala do ex-presidente Lula, que defendeu que as
eleições sejam feitas exclusivamente com recursos públicos. "É uma forma
de moralizar a política. E mais ainda, eu acho que não só se deveria
aprovar o financiamento público de campanha como tornar crime
inafiançável o financiamento privado", disse.
Lula afirmou que a democracia no Brasil ainda é muito recente,
criticou as "legendas de aluguel" e, em um raro elogio ao antecessor,
disse que a eleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994 foi "um
avanço para a democracia deste país".
Lembrou ainda que FHC perdeu a disputa pela Prefeitura de São Paulo
em 1985 para o ex-presidente Jânio Quadros, que tinha como mote varrer a
corrupção da cidade, por ser considerado "um comunista". "Tomem cuidado
com todo mundo que usar a corrupção como bandeira de campanha, porque
pode ser pior do que ele está pregando", afirmou.
O ex-presidente defendeu a alternância de poder entre diferentes
grupos políticos e sociais e pregou que os governantes não deveriam
gastar tempo criticando seus antecessores. "Cada político tem que
perceber que mandato é um produto perecível, com data para começar e
acabar. Não tem tempo para ficar discutindo, culpando o governante
anterior. Ou você faz ou não faz", disse, embora, quando no governo,
tenha reclamado da "herança maldita" da gestão FHC.