Os dilemas do poder e o projeto nacional
Atribui-se ao
controvertido general Golbery do Couto e Silva a máxima de que só os
incompetentes perdem o poder. A frase, em si, pode ser inteligente, mas
deve ser submetida a uma investigação da lógica. Devemos antes entender
de que poder se trata. Há os que consideram o poder como exercício do
hedonismo puro; outros, a colheita da bajulação ou da adoração. Outros
ainda, de pragmatismo canalha, dele fazem o meio de enriquecimento
pessoal.
E há os que buscam o poder a fim de realizar projeto
político honrado. Na raiz da ideia milita a discussão entre os meios e
os fins. Sendo assim, o poder é apenas um meio. A ética aconselha não
fazer distinção entre uma coisa e outra; a prática vulgar da política
faz dela uma regra, quando o objetivo é o do poder pelo poder. O meio já
encerra, em si mesmo, o fim, como ocorre com qualquer caminho.
O
governo da Presidente Dilma Rousseff está diante desse dilema. Ministros
defenestrados entram pelos portais palacianos, inflados de insolência, a
fim de indicar seus sucessores. E, entre os ministros atuais, há os
que, com arrogada autonomia, sabotam projetos do governo, agindo na
contramão dos fins anunciados, como é o caso do Ministro Paulo Bernardo,
no caso da Banda Larga e da Telebrás, e em suas concessões às empresas
estrangeiras.
Uma das grandes dificuldades do atual governo é a
falta de coordenação entre os seus integrantes. A boa prática
administrativa recomenda reuniões ministeriais periódicas e, no
intervalo entre elas, consultas bilaterais, sempre que for o caso. No
governo atual elas são quase inviáveis: como reunir 40 ministros, com a
frequência recomendável? Argumenta-se que a chefe do poder executivo
federal é refém do parlamento e, para governar, tem que dar a cada
partido, conforme sua representação, fatias do poder. É verdade, mas um
governo, com a aprovação popular da atual presidente, pode virar a mesa,
se quiser, e reduzir o número de ministérios ao patamar da
razoabilidade.
É difícil administrar sem projeto nacional que
se apoie em programa de ações coordenadas, como ocorreu, com seus
acertos e erros, durante os governos de Vargas e Juscelino. Vargas
defrontou-se com a prolongada crise econômica dos anos 30, agravada pela
ascensão das potências do Eixo, mas, ainda assim, iniciou a ocupação
racional do território, estabeleceu as bases de uma política social mais
justa e, no momento certo, fez a opção internacional que mais nos
convinha, ao aliar-se aos Estados Unidos. No segundo governo, avançou no
desenvolvimento econômico, o que lhe custou a vida – mas não se
afastou do seu objetivo de construir a grandeza nacional. Juscelino
prosseguiu no mesmo caminho, e governou de acordo com o seu programa de
metas.
Os dois sofreram, tanto quanto o atual governo, da pressão
dos interesses antinacionais, exercida mediante parcela comprometida
dos meios de comunicação. A situação internacional, hoje, é mais
favorável. Não estamos submetidos ao maniqueísmo da Guerra Fria, e isso
nos possibilitou aproximação com países emergentes como o nosso – a
China, a Rússia, a Índia e a África do Sul. Não estamos aproveitando bem
essa aliança natural com os BRICS.
Estamos agora construindo
submarinos movidos a energia nuclear em parceria com a França, quando
nos teria sido muito mais vantajosa parceria com a Rússia, de tecnologia
melhor. E, mais: nada explica nossas relações desiguais com a Espanha,
que tem retirado do Brasil, por intermédio de suas empresas aqui, alguns
dos recursos com que vai engambelando os seus credores. O BNDES tem
sido mais do que generoso com instituições espanholas, como o Banco
Santander e a Telefônica.
Terça-feira os países do BRICS se
reúnem novamente em Durban, na África do Sul, com a presença de seus
líderes maiores. É um bom momento para que o Brasil aprofunde as
parcerias econômicas com a China, a Índia e a Rússia, que dispõem de
recursos e tecnologia que ainda nos faltam – a fim de que possamos
retornar ao Grande Projeto Nacional de Vargas. Mas é também necessário
que coloquemos a administração nacional sob o jugo da racionalidade.