O Papa e os filhos de si mesmos
Qualquer seja a verdade, o papa foi eleito conforme as
regras tradicionais, e não há poder na Terra que o destitua. As leis
canônicas não prevêem o impeachment do bispo de Roma. Resta esperar que o
novo pontífice – título vindo do sincretismo do catolicismo com o
paganismo romano – erga realmente uma ponte entre o cristianismo
primitivo, que era dos pobres, e o mundo moderno. Se isso ocorrer, os
seus pecados, se os houve, esmaecerão, e ele cumprirá o seu dever de
católico e de cristão. O perdão, ele só poderá obter de sua própria
consciência, onde Deus costuma habitar, se nela houver lugar para essa
presença.
O mais importante não é o passado do papa. Depois de Pio
XII, Wojtyla e Ratzinger, de nítidos laços com os poderosos deste
mundo, o que os verdadeiros cristãos esperam do papa é que ele seja fiel
ao Evangelho e conduza a Igreja ao reencontro com o homem de Nazaré
que, em sua vida, martírio e morte, encarnou toda a fragilidade da
espécie humana. A grande lição de Cristo, que a Igreja nunca assumiu, é
a de que a vida só é alegria e paz na solidariedade para com os nossos
semelhantes.
Quando dividimos as dores do sofrimento alheio, as
nossas próprias dores se aliviam, e o trânsito por este “vale de
lágrimas” se faz mais suportável. A Igreja se associou aos poderosos de
cada tempo e, como lhe era conveniente, manteve instituições de
caridade. Como alguns ricos, ela consolou sua consciência com a esmola.
Os primeiros a receber o título de santos foram homens poderosos, que
compraram a santidade com as sobras de suas riquezas.
Ao escolher o
nome de Francisco, e de confirmar que buscava no poverello de Assis a
inspiração de seu pontificado, Bergoglio dá um sinal importante de seu
propósito, ou de sua astúcia. Não sabemos se, sendo sincero, ele será
capaz de escapar ao acosso conservador e oportunista da Cúria Romana.
Cabe-lhe, na hipótese da sinceridade - como chefe de uma instituição
política - por mais herege pareça o conselho, seguir a orientação de
Maquiavel, e agir com maior energia logo no início, a fim de preservar o
principado conquistado. Isso significa reformar, de alto abaixo, a
administração do Vaticano, com a convocação de prelados do mundo
inteiro, de forma a conter o apetite de poder do clero italiano,
identificado com a história peninsular, construída nas conhecidas
intrigas políticas europeias.
Os grandes líderes se legitimam
na ação. Forma-se, até mesmo alimentado de esperança, o consenso de que a
Igreja terá que demolir seus alicerces milaneses e retornar às
catacumbas romanas, para que possa sobreviver. Seus pecados repetidos,
da simonia à luxúria, não a levaram ao Inferno, ainda que muitos de
seus dirigentes tenham lá chegado, na visão profética de Dante. É da
teologia prática que a contrição absolve os pecadores. Se Francisco
conduzi-la ao caminho de Damasco, é possível que, como Paulo, ela se
desfaça da cegueira voluntária e atenda ao chamado de Cristo. É
possível, mas pouco provável.