by bloglimpinhoecheiroso
Valter Uzzo (foto) traça cenário histórico do domínio conservador na política |
CarosUm amigo meu de infância passou a me mandar um volume enorme de e-mails com piadas, comentários e afirmações sempre depreciativas em relação ao Lula, Dilma, PT etc. A situação foi em um crescendo tal, que atingiu as raias da provocação e do insulto, até que, outro dia, resolvi responder. E mandei este pequeno texto, que é, em verdade, o que penso de pessoas como ele que, a pretexto de criticar, escondem hipocritamente suas ideias e concepções.Abcs.Valter Uzzo
Caro Lara:
Tenho,
quase diariamente, recebido seus e-mails, que trazem piadas, “fotos
interessantes” e propaganda daquilo que, politicamente, você acredita.
Quero crer que estou me dirigido à pessoa certa, ou seja, ao Lara que
conheci em Pompeia, na infância e adolescência. Se assim é, tenho
algumas gratas recordações, de nossa convivência que, ao tempo, pela
idade e sem as agruras que viríamos a experimentar durante a vida, era
muito boa. Recordo-me mesmo que uma de suas habilidades, invejada por
todos nós da mesma classe ginasial, era a incrível capacidade que tinha
de “colar”, já que você se abastecia de um grande estoque das
“sanfoninhas” (era o tipo de “cola” da época), que escondia
perfeitamente em sua mão direita e que lhe permitia – grande perfeição! –
colar sem interromper a escrita e – perfeição maior! – até mesmo diante
do olhar atento do professor. Ao que me recordo, nunca, nenhum dos
professores, na fiscalização que faziam, conseguiu algum êxito diante de
você. Nesse particular, você era imbatível.
Mas,
deixando-se de lado tais reminiscências, eu estou me dirigindo a você
para tratar de assunto que, diante de sua volumosa correspondência
eletrônica, parece lhe interessar: trata-se de questões que envolvem a
visão que temos da forma como vem sendo dirigido este País, melhor
dizendo, a questão política. Para se ter uma conversa franca, devo dizer
que temos uma visão de mundo muito diferente.
Acho mesmo, oposta. Em
minha profissão (sou advogado), acabei aprendendo a conviver na
divergência, já que, diariamente, senta do lado de lá da mesa de
audiência, ou dos autos do processo, um colega de mesmo grau de
escolaridade que defende justamente o contrário. Adversário. Mas,
terminada a audiência, retomamos o relacionamento, ou seja, é um
aprendizado constante e permanente a nos ensinar que devemos respeitar
os que pensam de forma diversa.
Transposta
tal relação para a política, também aprendi a respeitar aqueles que tem
uma visão de mundo diferente da minha, embora com eles não concorde.
Entre tais “adversários” de pensamento existem dois tipos: os que assim
agem por convicção e os que agem por interesse. Creio que você se
enquadra entre os primeiros, ou seja, você tem ideias, a meu ver, que eu
classifico como “conservadoras”, mas que são catalogadas no jargão
político comum como “reacionárias” ou por alguns “direitistas” ou, se
formos levar ao extremo a sociologia política, “fascistas”. Para mim, no
entanto, você é um “conservador”, por convicção. E é aí que eu quero
conversar com você.
Existe
no Brasil uma forte corrente de pensamento conservador. Sempre existiu,
aliás, durante o Império e durante a República, todos os presidentes e
governos, até 2003, sempre tiveram um perfil conservador, uns mais
outros menos. Todos. Getulio Vargas (1º governo, ditadura) liderou uma
“revolução” – que não era revolução no sentido sociológico do termo –
contra práticas condenáveis da República Velha, só isso. Pertencia à
elite agrária, era fazendeiro e fez um governo ambíguo, criando uma
legislação trabalhista (que estava sendo criada, ao tempo, por quase
todos os países de mesmo grau de desenvolvimento que o Brasil) e criou
dois partidos políticos: o PTB, para lhe servir; e o PSD,
conservadoríssimo, para ajudá-lo a governar. No mais, encarcerou a
oposição e restringiu as liberdades públicas.
Em 1945 foi substituído
pelo Dutra (outro conservador), que dissipou todas as reservas cambiais
que havíamos acumulado com a substituição das importações, durante a
guerra. Getulio volta em 1950 e aí, após um início de governo meio
indefinido, começa a aproximar-se de ideias progressistas, mas não
conseguiu implementá-las, já que, ameaçado de deposição, suicidou-se.
Juscelino foi um inovador em realizações, mas seu governo, embora
aparentemente liberal nos costumes, sempre foi um produto das classes
dominantes e um fiel seguidor da política norte-americana.
Jânio se foi
muito rápido e Jango também nada tinha de progressista: era filho de uma
família de riquíssimos fazendeiros, era despreparado para a função e
sua queda dá bem a medida de seus compromissos de classe: preferiu viver
rico no exílio, do que participar ou liderar uma revolução popular com a
qual não se identificava. Seguiram-se os governos militares, Sarney,
Collor, Itamar e Fernando Henrique. Se examinarmos todas as medidas
tomadas por tais governos (algumas muito boas, até) veremos que nenhuma
delas teve a preocupação ou conseguiu alterar o sistema de distribuição
de renda no País, – um dos mais injustos do mundo.
A dívida externa
sempre em patamares impagáveis, o salário mínimo mediando entre US$80,00
e US$120,00, lenta queda da mortalidade infantil, poucos avanços na
alfabetização, grande transferência de rendas para o exterior, sistema
de saúde pública catastrófico, destruição da escola pública, gigantesca
falta de moradias e favelização, polícia corrupta, Justiça que não
funciona, previdência privada mais cara do mundo, seguros mais caros do
mundo, alta tributação e assim foi. Só discursos, só demagogia, e muita
roubalheira.
Aí
vieram a eleição em 2003, reeleição do Lula e eleição da Dilma. Muitos
erros, houve e há corrupção, muitas coisas não deram certo, os quadros
do PT, em grande parte, eram despreparados para administração, enfim, as
coisas não saíram como o PT pregava. No entanto, o salário mínimo
triplicou (em dólares), a renda familiar cresceu, a dívida externa foi
paga, o consumo aumentou muito, o emprego cresceu (e o desemprego
despencou) e o Brasil conseguiu crescer, ao meio de uma grande crise
internacional.
Caro
Lara, esses são fatos. Fato é fato, não é discurso, nem proselitismo
político, nem palavrório. FATOS. O País está em regime de pleno emprego
(é a 1ª vez em nossa história que isso acontece) e, no ano de 2011, em
um universo de 200 países, fomos o 4º país do mundo em receber
investimentos externos, só atrás dos Estados Unidos, China e Hong Kong
(notícia do Times, reproduzida no Estadão e Folha
na semana passada, com pouco destaque). A arenga de que o governo, em
2003, pegou uma condição internacional favorável é conversa para boi
dormir: muitos outros países não progrediram, muitos entraram em crise, o
sistema financeiro internacional em 2008 quase ruiu, enfim, o Brasil
navegou muito bem por sua conta e seus méritos. Pensar de modo diverso é
revolver à mentalidade colonialista.
Mas
estou eu a pretender que você se torne um apoiador do Lula e da Dilma? É
claro que não, até porque na nossa idade ninguém muda mais. É que eu
acho que essa sua “cruzada” contra, poderia ser muito mais consequente e
séria. Já que na clássica definição “partido político é a opinião
pública organizada”, porque vocês, conservadores, não fundam um partido
que expresse tal ideologia? A grande farsa que existe é que os
conservadores ou os direitistas ou os neoliberais não assumem o próprio
rosto.
O PSDB (neoliberal) não se diz neoliberal, diz que vai mudar, que
é de centro-esquerda, que é progressista e outras baboseiras mais. Por
que não se diz neoliberal e faz um programa neoliberal? E vocês,
conservadores, por que não se assumem e fazem um programa com o conteúdo
daquilo que vocês acreditam: contra as cotas, contra o aborto, contra o
casamento gay, pela redução dos direitos trabalhistas, dos impostos,
por uma política externa mais invasiva etc. etc. tal qual o Partido
Republicano (conservador) dos Estados Unidos?
Se você fizer as contas,
aqui como lá, o eleitorado se divide, o que, aliás, ocorre em todos
países civilizados (França, Inglaterra, Austrália, Itália, Espanha,
Alemanha, Áustria etc. etc. etc.). Ou seja, no mundo todo, o eleitorado
se divide em conservadores e progressistas. Mas aqui não, em razão da
hipocrisia política da direita, a luta não é limpa. Estimule a criação
de um verdadeiro partido conservador, que defenda as teses conservadoras
e o modo de governar conservador e aí, sim, teríamos um debate limpo,
direto, sem enganações, sem subterfúgios. A meu ver, essa situação da
direita esconder suas verdadeiras propostas, de vestir um manto
progressista quando não o é, é a pior forma de trapacear uma nação,
posto que esconde seus verdadeiros desígnios. Em suma, já é tempo de
sair do armário e vir corajosamente para o debate de ideias.
O
outro ponto que gostaria de conversar com você é sobre a forma negativa
e pejorativa de sua “crítica” política. As piadas, imagens, dizeres
etc., que se referem aos que não pensam como você, revelam um rancor que
tem de tudo: preconceito, desinformação, insultos etc. Se você acha que
este tipo de crítica desperta alguma simpatia para as suas ideias, ou
fazem mal à figura dos criticados, então está na hora de você fazer
algumas reflexões sobre o que muda as pessoas. Uma pessoa decente muda
de opinião quando você demonstra que ela está errada.
Só não mudará se
tiver “interesses” em se manter no erro ou, então, se por alguma razão
(preconceito, ignorância, intolerância, irracionalidade etc.) não
entender o seu erro e o significado da mudança. Fora disso, a
“propaganda” pejorativa contrária é um tiro na culatra. E isso é tanto
no aspecto individual como coletivo. O Lula cresceu eleitoralmente
depois que mudou sua imagem para o “Lula, paz e amor”. Antes, o
eleitorado preferia o FHC, com sua voz e modos blandiciosos. Serra com
sua linguagem belicosa só perdeu votos. Obama derrotou duas vezes os
seus adversários com um discurso suave, sofrendo agressões de todo os
lados. O Berlusconi e Sarkozy, na Itália e França, perderam as eleições,
em razão de suas práticas autoritárias e arrogantes.
Enfim, à medida
que a sociedade evolui, essa linguagem truculenta, ofensiva, enganosa,
que intui uma falsa moralidade e prega medidas radicais extremadas (para
os outros, nunca para si) vai caindo em desuso, não engana mais
ninguém. Pode ter servido em outra época, chegou a levar os hitlers e
mussolinis ao poder, mas, hoje em dia, ninguém mais cai neste canto de
sereia. As pessoas querem é ser convencidas, sem imposições.
Bem,
fico por aqui. Se você quiser prosseguir mandando-me os e-mails,
gostaria que não mais me enviasse os relativos à política, a não ser
quando nesta terra tiver um partido conservador ou direitista ou de
natureza fascista (o Plínio Salgado pelo menos teve coragem e
honestidade criando os “camisas verdes”), para que se possa ter um
debate decente e honesto. Daí sim, quem sabe, talvez até eu me convença
de que existe alguma verdade nessas ideias trapaceadas e escondidas sob o
manto de uma falsa moralidade. Ideias tão escondidas, tal como você
fazia com as colas e era invejado por toda classe.
Abraços e saudades
Valter Uzzo
PS.: Se você não é a pessoa que eu penso, peço desculpas.