O difícil caminho de Francisco
Após a renúncia inesperada de Bento
XVI, que decidiu abdicar do cargo vitalício de papa e se tornar papa
emérito, o concílio dos cardeais se reuniu no Vaticano para escolher o
novo pontífice, que terá como missão liderar o rebanho de católicos,
estimado em 1,2 bilhão de fiéis espalhados por todo o mundo.
Agora, pouco a pouco, vão surgindo informações sobre quem é e o que
fez o homem que deve peregrinar pelo mundo pregando fé, caridade e
compreensão entre as pessoas num momento em que todos se preocupam mais
com acumulação de riquezas do que com a distribuição dos bens.
Pelo menos, esta lição o papa Francisco pretende ensinar aos fiéis.
Aliás, o cardeal de formação jesuíta escolheu o nome de Francisco
provavelmente em homenagem a São Francisco de Assis, que se notabilizou
por ter abdicado de uma vida de riqueza em troca de um voto de pobreza.
Igual ao santo que viveu na Itália muito tempo atrás, o novo pontífice
segue uma vida sem fausto. Nunca fez questão de morar em dioceses
ricamente decoradas nem andar em carros luxuosos. Ele preferiu sempre
viver modestamente e se locomover usando o transporte público, mesmo
sendo cardeal-arcebispo.
Entronizado no posto mais cobiçado da Igreja Católica, ficará dificil
para o pontífice manter a postura de religioso avesso à publicidade e
de vida espartana. Afinal, ele comanda um império em termos de bens e
patrimônio e precisa juntar à evangelização e à preocupação com as
coisas celestiais a figura de um administrador e investidor. Sério
dilema para quem se presta mais o aspecto divino do que as coisas
materiais.
Apesar de valorizar o trabalho social com os mais pobres, o papa
Francisco faz questão de frisar que a Igreja Católica tem de ser fiel a
Jesus Cristo. Como ele mesmo disse, “uma igreja sem Cristo é como uma
ONG de obras caridosas”. Isto pode ser um novo sopro para os cristãos em
geral e particularmente para os católicos que precisam de uma injeçào
de ânimo em sua fé, uma vez que o número de fiéis vem encolhendo por
causa do crescimento evangélico, sobretudo dos neopentecostais, e de
outras seitas e religiões.
Muitos reformistas defendem inclusive um revisionismo na Igreja
Católica a fim de modernizá-la e desta forma atrair novos fiéis. Dogmas e
rituais, embora guardem o carisma que evoca a Idade Média, nos remetem
exatamente para a Idade Média! Ou seja, numa época em que um telefone
celular conecta qualquer pessoa com o mundo, aspirar incenso e
compenetrar-se com o badalar da sineta do coroinha pode parecer algo de
outro planeta. Mas particularmente cumprir estes rituais e as vestes
usadas pelos sacerdotes, monsenhores e cardeais denotam o compromisso
com as coisas divinas.
O que a Igreja Católica precisa, na verdade, é de um choque de
modernismo em suas atitudes. Aos olhos dos leigos, parece inconcebível
que padres não possam se casar. Este celibato tem sido o fermento de
relações desaprovadas com mulheres e homens e, pior ainda, gerador de
vários casos de pedofilia conspurcando a imagem sacrossanta da Igreja.
Ironicamente, o papa Francisco já declarou que a Bíblia desaprova
relacionamentos homossexuais contrariando o que muitos padres e bispos
fazem às escondidas em sacristias e casas paroquiais. Este problema,
aliás, é a principal chaga a ser enfrentada pelo novo pontífice,
juntamente com a extrema riqueza acumulada pelo Vaticano.
Dizem as línguas ferinas que o Vaticano proíbe o casamento dos padres
porque não quer dividir os bens e o patrimônio com as famílias geradas
por eles. Ou seja, a instituição quer manter-se monolítica a ter que
compartilhar o que possui. Exatamente o contrário do que pregou Jesus
Cristo e muitos outros santos, como o próprio São Francisco.
Outra pedra no sapato que está à espera do papa Francisco é a
politicagem que tomou conta dos principais próceres da Igreja Católica,
mormente no Vaticano, que se vem caracterizando como um antro de fofocas
e negociatas. Recentemente, um mordomo indiscreto lançou um livro
contando segredos pouco abonadores sobre o que se passa dentro dos muros
do menor país do mundo.
Por fim, o sumo-sacerdote tem de enfrentrar acusações de ter sido
conivente com a ditadura instaurada na Argentina na década de 70, uma
ditadura cruel e sangrenta que deixou feridas abertas em boa parte do
povo argentino. O passado nebuloso do então religioso Jorge Mario
Bergoglio deve ser esclarecido rapidamente, sob pena de turvar seu
pontificado.
Aliás, vem sendo negado veementemente pelo Vaticano que,
sem dúvida, deve ter pesquisado muito antes de entronizá-lo como papa.
Se ele tivesse mesmo participado destes atos abomináveis, por certo, não
teria sido ungido papa. O problema é que as pessoas acusam sem
necessidade de provar o que falam.
A boa notícia é o fato de o escolhido ter sido um sul-americano,
quebrando a tradição de sempre ter um europeu como pastor supremo da
Igreja Católica. Mesmo sendo o novo papa descendente de italianos, sua
escolha interrompe o eurocentrismo predominante no Vaticano.
Vale ressaltar o espírito irreverente dos brasileiros após o anúncio
da nacionalidade do novo papa. Mensagens bem-humoradas pulularam nas
páginas de facebook e do twitter brincando com a antiga rivalidade entre
brasileiros e argentinos. Na minha opinião, a melhor foi esta: “O papa
demonstrou mesmo ser um argentino humilde. Ele aceitou um cargo abaixo
de Deus”. Pano rápido.
Antonio Tozzi - Miami