Henrique Fontana
José
Serra cultiva com frequência uma forma peculiar de debater ideias em
nosso sistema político: do seu lado estão os valores da “verdadeira
democracia”; do outro, os golpistas que querem eliminar os adversários.
Acredito que a linguagem maniqueísta não é adequada para debater ideias
em um ambiente democrático, aliás, não foi desta forma desrespeitosa e
arrogante que fui recebido nas inúmeras reuniões que fizemos com a
bancada do PSDB na Câmara dos Deputados, sempre muito civilizadas.
O
debate político ganharia muito se todos aqueles que estão realmente
interessados em aperfeiçoar nosso sistema político se debruçassem sobre
um fato inegável da democracia brasileira: o avassalador crescimento do
peso do poder econômico nas campanhas eleitorais. Em 2002, os gastos
declarados por partidos e candidatos nas campanhas para Deputado Federal
alcançaram R$189,6 milhões; em 2010, esse valor chegou ao montante de
R$908,2 milhões, um crescimento de 479% em oito anos. Com maior
intensidade, os gastos declarados nas campanhas presidenciais passaram
de R$94 milhões, em 2002, para R$590 milhões, em 2010, um crescimento de
628% em oito anos.
Como
economista, Serra deveria esclarecer a população de que hoje ela já
paga por cada centavo das campanhas bilionárias que meu projeto visa
baratear.
Ou
alguém pensa que quando uma empreiteira coloca 50 milhões na eleição
ela não embute esse valor no preço das obras que são pagas com os
recursos do contribuinte? Seria preciso ser muito ingênuo para acreditar
que esses generosos doadores não exigirão dos candidatos que
criteriosamente escolheram financiar algum tipo de contrapartida para o
apoio conferido nas campanhas eleitorais, na forma de relações
privilegiadas, podendo chegar a contratos superfaturados ou desvios de
todo tipo nas relações com o Estado. O custo das campanhas eleitorais é
como um imposto: quem paga é sempre o cidadão.
Nesse
sistema, apenas os candidatos que contarem com generoso aporte dos
recursos dos financiadores privados – as 72 grandes empresas que
contribuíram com um bilhão de reais nas eleições de 2010 – terão chances
efetivas de vencer uma eleição. Assim, muitas vocações de autênticos
líderes e representantes populares não poderão aflorar, pois terão suas
carreiras políticas ceifadas na origem, pela ausência de recursos para
financiarem suas campanhas e defenderem os legítimos interesses da
população que mais necessita da ação estatal na forma de bens públicos. É
essa a democracia que convém ao nosso país?
Os
dados das últimas eleições nacionais são muito claros nesse sentido:
dos 513 deputados federais eleitos em 2010, 369 foram os que mais
gastaram nos seus estados, o que representa 71,93% da Câmara. Foi para
enfrentar essa realidade que, nas últimas legislaturas, diversos
partidos, em sintonia com as posições defendidas por expressivos setores
da sociedade civil (OAB, CNBB, Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral e outras organizações sociais) se debruçaram em torno da
elaboração de diversas propostas de financiamento público das campanhas
eleitorais. Será que essas entidades também podem ser tachadas de
golpistas?
Esse
debate, que não é propriedade de nenhum partido, não se encerrará em
função da decisão momentânea dos que optaram por continuar com as
distorções do modelo atual. Os problemas de nosso modelo de
financiamento aparecerão com força revigorada nas eleições de 2014, se
nada for mudado. Se, em vez de desqualificar seus opositores, o autor
estudasse a fundo a proposta reconheceria que no sistema atual os
maiores partidos são os que mais arrecadam dos financiadores privados, o
que gera grande desigualdade entre os concorrentes.
Não
consegui encontrar ao longo do texto de José Serra os argumentos para
defender o sistema de financiamento privado que temos hoje no Brasil.
Faltaram
as frases para explicar por que seria positivo que empreiteiras, bancos
e outras grandes empresas possam usar seu poder econômico para definir
livremente quem querem financiar. Ou a sustentação de que esses
financiamentos não têm trazido problema algum para a democracia
brasileira, isto é, nenhum caso de corrupção que o país vivenciou nas
últimas décadas teria qualquer relação com o financiamento privado das
campanhas eleitorais.
Em
seu artigo, Serra repete uma velha fórmula de fazer política em nosso
país: critica fortemente a proposta de seu adversário para sepultá-la o
mais rápido possível, ainda que tenha pouco para contribuir com a
melhoria do sistema atual. Somente no último parágrafo, depois de
defender ao longo do texto a continuidade do financiamento da democracia
brasileira por empreiteiras, bancos e outras grandes empresas, ele
apresenta sua única proposta de reforma política: o voto distrital.
Em
nossa opinião, além da desproporcionalidade entre os votos e as
cadeiras conquistadas pelos partidos e da “paroquialização” da disputa
política, o sistema distrital produzirá entre nós aguda concentração de
poder em torno de duas ou três grandes agremiações, como já ocorre no
Reino Unido e nos Estados Unidos, em função do voto útil, típico das
disputas majoritárias.
Talvez o modelo de democracia ideal defendido por
Serra seja um sistema com três grandes partidos (o PT, o PMDB e o
PSDB), o que considero inviável no Brasil. Nosso partido soube crescer e
elegeu por três vezes o Presidente da República no contexto das regras
vigentes, mas queremos mudá-las porque acreditamos que estas não são as
mais justas e democráticas.
Em
função dos agudos problemas do sistema vigente, o debate sobre o
financiamento das campanhas veio para ficar em nosso país. Alguns atores
defendem a proibição das doações de Pessoas Jurídicas, o que já seria
um avanço, outros se mobilizam para estabelecer um teto para os gastos
de cada campanha, previsto pela legislação eleitoral, mas nunca
regulamentado pelo Congresso.
Nas inúmeras reuniões com vários partidos,
percebo a preocupação crescente com a influência desmesurada do poder
econômico no campo político. Ao contrário de José Serra, que prefere o
status quo, tenho certeza de que encontraremos o modelo mais adequado
para financiar as campanhas eleitorais no país”.