Incubadora capacita egressos sem emprego e que optam pelo empreendedorismo
Patrícia Basilio- iG São Paulo
Preso por roubo de carro e uso de entorpecentes, Fernando
Figueredo trabalhou durante dois anos dentro do presídio costurando
bola para uma ONG – uma atividade profissional comum nas penitenciárias
brasileiras. O salário mensal era de R$ 100.
Foi com essa remuneração que sustentou sua mulher e três
filhos. Na tentativa de buscar uma renda maior, ele participou de todas
as oficinas oferecidas na prisão. Apesar do conhecimento acumulado,
Figueiredo teve dificuldades para encontrar um espaço no mercado de
trabalho. A solução foi partir para o próprio negócio, que se
transformou anos depois em uma cooperativa de reciclagem em Brasília.
Hoje Figueiredo fatura cerca de R$ 1 milhão ao ano.
Fernando Figueredo, criador da cooperativa "Sonho de Liberdade", com os móveis produzidos pela sua equipe
Figueiredo passou seis anos e seis meses preso e
conta que se surpreendeu com a dificuldade para conseguir emprego após
cumprir a pena, há sete anos. “Não imaginava que o preconceito era tão
grande lá fora. Pedia a Deus todos os dias para mudar minha história e
não voltar ao crime”, relata Figueredo.
Sem emprego, ele se juntou a dois colegas e
montou uma pequena marcenaria para reciclar madeira velha e
transformá-la em móveis. Também costurava bola para empresas. Eram esses
os primeiros passos da cooperativa “Sonho de Liberdade”.
“Eu e alguns colegas já tínhamos discutido a
possibilidade de abrir uma empresa caso o mercado fechasse as portas
para a gente. Só tínhamos três caminhos: conseguir emprego, abrir uma
empresa ou voltar ao crime. Ficamos com a segunda opção”, explica ele.
“
Não damos oportunidade para quem tem currículo bom e
está com ficha-limpa. Oferecemos vagas para quem precisa mudar de vida
como eu precisei
Hoje com 80 pessoas – a maioria delas
ex-presidiários e detentos em regime semi-aberto –, a cooperativa produz
móveis, fabrica bolas e tritura madeira para transformá-la em
combustível. Na lista de clientes da empresa, está a multinacional Bunge
e grandes empresas de tijolos, destaca Figueredo.
Para começar o negócio não foi necessário um grande
aporte. Tudo foi tirado do lixo e comprado com a reserva financeira dos
cooperativados da empresa. “A gente pegava a madeira na rua,
transformava em móvel e vendia.”
Com o crescimento do negócio, a cooperativa passou a
receber aporte de grandes companhias interessadas na reabilitação de
detentos e egressos, como o Banco do Brasil, que, no final de 2012,
financiou a construção da fábrica a partir de um capital de R$ 70 mil.
“Não damos oportunidade para quem tem currículo bom e
está com ficha-limpa. Oferecemos vagas para quem precisa mudar de vida
como eu precisei. Não estamos investindo em banco, estamos investindo em
vidas”, reforça Figueiredo. Nova startup
Conseguir um emprego após ser preso não foi dificuldade para o pequeno
empresário Rogimar Rios, 35 anos, dono da startup (jovens empresas do
ramo tecnológico) Xlion. No entanto, ser empregado não estava nos planos
do empreendedor. Divulgação
O empresário Rogimar Rios desenhando o layout da sua startup Xlion, de monitoramento de vendas
Após ficar preso durante dois anos por tentar
assaltar um executivo, Rios vendeu temperos com o seu pai na rua,
trabalhou como plantonista em eventos imobiliários, vendeu portões
elétricos e, por último, atuou em uma empresa de imóveis planejados.
Foram nesses dois anos e meio trabalhando que
ele juntou dinheiro para abrir sua primeira loja de móveis, de apenas
270 metros quadrados na capital paulista. Com o sucesso do
empreendimento, abriu uma loja maior de móveis planejados, desta vez sob
a bandeira de uma rede conhecida.
Em dois anos e meio, o negócio valia R$ 3
milhões, conta Rios. A surpresa, contudo, veio quando o empresário
apareceu na mídia contando sua história de superação como empreendedor e
ex-presidiário.
“A empresa me chamou e me proibiu de vincular a marca ao
meu nome. Não sofri preconceito no mercado de trabalho e me surpreendi
ao ter passado por isso no ramo dos negócios”, recorda ele, que fechou a
loja no ano passado devido à crise financeira da rede.
Rios não desistiu da ideia de ser dono da própria empresa
e se prepara para lançar em agosto próximo a startup X Lion, plataforma
social de avaliação de funcionários e monitoramento de vendas. “Durante
os anos que tive minhas lojas, descobri que as informações passadas aos
clientes eram muito pulverizadas e os gestores nem sempre promoviam os
vendedores certos”, explica ele, que afirma já receber propostas de
aporte financeiro.
Com a experiência na prisão, o empreendedor afirma ter
aprendido não só a observar melhor o ser humano, mas também a ser um
empresário melhor. Sua história, afirma, não foi à toa. “Dentro do
presídio revesti uma caixa de madeira com isopor para vender sanduíches
aos detentos que voltavam do trabalho. Nunca deixei de ganhar dinheiro
trabalhando. Não sou um criminoso, apenas cometi um erro.”.
“
Nunca deixei de ganhar dinheiro trabalhando. Não sou um criminoso, apenas cometi um erro
Incubadora de egressos
Casos como os de Figueredo e Rios, que sofreram preconceito no mercado
de trabalho e no ambiente empresarial, não são raros. E para dar apoio
educacional e emocional aos que desejam trilhar o caminho do
empreendedorismo, o ex-detento Ronaldo Monteiro criou a Incubadora de
Empreendimentos para Egressos, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.
Como uma incubadora tradicional, o núcleo capacita
ex-detentos que desejam abrir uma empresa e os ajuda a desenvolver um
plano de negócio sólido e viável ao mercado.
“Fiz uma pesquisa com detentos aqui do Rio
de Janeiro e descobri que conseguir um emprego era a coisa mais
importante para eles. Decidi ajudá-los a gerar renda licitamente de
outra maneira”, conta ele, que abriu a incubadora há seis anos.
De acordo com o idealizador do projeto, já
passaram pela incubadora cerca de 10 mil egressos, sendo que 400
mantiveram a empresa aberta. Além de oficinas, a incubadora também
oferece aporte e trabalha com microcrédito para os empreendedores.
Entre os patrocinadores do projeto está a Petrobras, a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Artemisia, de negócios sociais.
“Imagina um ex-detento que nunca frequentou uma faculdade
ter aulas com profissionais da FGV? Eles nunca nem imaginavam entrar
nessa instituição”, brinca Monteiro, que foi preso por extorsão e
seqüestro e cumpriu pena durante 13 anos.