Do Carta Capital
A
divulgação dos números confirmando o fraco desempenho da economia em
2012 induziu à criação de um clima de pessimismo em relação à
possibilidade de recuperação do crescimento neste ano, que somente agora
começa a se dissipar com os sinais incipientes de retomada da produção
industrial e da consolidação dos números do bom movimento do comércio
embalado pelas festas de fim de ano.
O pessimismo foi, evidentemente, exagerado, na medida em que se
ignorou o progresso social a gestar uma classe média mais educada e mais
exigente de qualidade dos serviços públicos, sem a qual não se
consolidam as instituições democráticas capazes de aumentar
paulatinamente a igualdade de oportunidades.
Avanços importantes para a sociedade brasileira foram esquecidos
durante o nevoeiro. Exemplos: a redução ordenada e consistente da taxa
Selic; a bem-sucedida manobra de substituição dos juros reais de 6% nos
rendimentos da poupança e o controle dos aumentos de salários no serviço
público por três anos. Em outras frentes, a aprovação do sistema
previdenciário do funcionalismo, o enfrentamento dos custos nos setores
básicos da energia e portuário, o aprendizado nos leilões de concessões
nos projetos de infraestrutura para atrair o investimento privado.
E,
ainda, a exoneração da folha de pagamento para setores industriais, que,
combinada com a desvalorização da taxa cambial, recomeça a estimular a
exportação de manufatura. E houve pequenos aperfeiçoamentos no sistema
tributário, com reduções pontuais nos níveis de impostos.
Por último, mas não menos importante, registre-se a melhora do
entendimento entre o poder incumbente e o setor privado, capaz de
convencer o empresariado de que a política econômica do governo é
amigável e objetiva o aumento da competição e da produtividade. Isso
pode nos levar a retomar o ritmo de um crescimento do PIB entre 3% e 4%,
em 2013, como reafirmou a presidenta em recente seminário na Europa, em
um encontro de empresários brasileiros e estrangeiros.
É preciso lembrar que medidas “macroprudenciais” introduzidas no
começo por seu governo haviam sido recebidas inicialmente com grande
ceticismo. O desenvolvimento da conjuntura mostrou que essas medidas
foram não apenas altamente efetivas como talvez tenham sido
subavaliadas. Posteriormente abriu-se um espaço para a redução
consistente da taxa de juro real, reclamada há décadas pela economia
brasileira. A maior taxa de juro real do universo conhecido promovia um
movimento de capitais especulativos a favor da supervalorização da taxa
de câmbio real, acentuando os inconvenientes da redução da atividade
global promovida pelo controle monetário.
Em um ano, o Banco Central trouxe a Selic a 7,25%, o que, com
expectativa de inflação anual da ordem de 5,5%, nos deixou com uma taxa
de juro real de cerca de 2%. Longe ainda da taxa de juro real do mercado
internacional, hoje por volta de 2% negativos. O atual diferencial de
juro interno e externo é próximo de 4%. Em um ambiente de política
cambial defensiva, ele ainda deixa margem para a exploração de
oportunidades lucrativas para o capital estrangeiro de curto prazo,
principalmente diante da contínua enxurrada de liquidez produzida
externamente.
Com o nível de atividade atual, é claro que a preocupação com o
crescimento assumiu um peso importante nas decisões do Comitê de
Política Monetária (Copom), mesmo porque nossa política econômica é de
“legítima defesa” contra as políticas monetárias externas que procuram
desvalorizar suas moedas. É preciso ser muito desinformado para não
saber que os EUA tentam abertamente reduzir seu déficit em conta
corrente, não apenas aumentando sua oferta interna de energia, mas
estimulando um dólar “fraco” para ampliar suas exportações.
As incertezas e as fragilidades da situação mundial serão mais
prolongadas do que se supunha. E deverão nos ajudar com alguma redução
da pressão inflacionária externa. Vemos que o dissenso foi mais uma
questão subjetiva: como cada um vê a velocidade e a eficiência com que o
mundo poderá se livrar das incertezas criadas pela crise financeira de
2007.
É difícil decidir quem, afinal, estará certo, porque o futuro
continua mais opaco do que sempre foi e inexiste, de fato, uma liderança
política mundial forte e bem informada. É necessária certa humildade e
desconfiar das afirmações de alguns analistas supostamente portadores da
verdadeira “ciência econômica”. Que na realidade não existe.
Delfim Neto