by bloglimpinhoecheiroso
Leandro Fortes, via Carta Capital e lido no Esquedopata
Enquanto
o Congresso Nacional é submetido a um constrangimento diário desde a
eleição do deputado Marcos Feliciano (PSC/SP), pastor evangélico de
discurso homofóbico e racista, para o comando da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara, um caso semelhante na forma, mas muito mais grave no
conteúdo, permanece escondido na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Em 1º de fevereiro, o tucano Carlos Mosconi assumiu pela quarta vez
consecutiva a presidência da Comissão de Saúde do Parlamento mineiro.
Médico
de formação, Mosconi é idealizador da MG Sul Transplantes, ONG que
servia de central clandestina de receptação e distribuição de órgãos
humanos em Poços de Caldas, no sul do estado. Segundo uma investigação
da Polícia Federal, Mosconi chegou a encomendar um rim para o amigo de
um prefeito da cidade mineira de Campanha.
Em
19 de fevereiro, o juiz Narciso Alvarenga de Castro, da 1ª Vara
Criminal de Poços de Caldas, condenou quatro médicos envolvidos no
esquema de compra e venda de órgãos humanos, a chamada “Máfia dos
Transplantes”. João Alberto Brandão, Celso Scafi, Cláudio Fernandes e
Alexandre Zincone, todos da Irmandade Santa Casa, eram ligados a MG Sul
Transplantes. Scafi era sócio de Mosconi em uma clínica da cidade. A ONG
era responsável pela organização de uma lista de pacientes particulares
que encomendavam e pagavam por órgãos retirados de pacientes ainda
vivos. A quadrilha realizava os transplantes na Santa Casa, o que
garantia, além do dinheiro tomado dos beneficiários da lista, recursos
do SUS para o hospital.
A
máfia de médicos do Poços de Caldas foi descoberta em 2002 por causa do
chamado “Caso Pavesi”, que chegou a ser investigado na Câmara dos
Deputados pela CPI do Tráfico de Órgãos Humanos, em 2004. Em 19 de abril
de 2000, Paulo Veronesi Pavesi, 10 anos de idade à época, caiu de um
brinquedo no prédio onde morava e foi levado à Santa Casa. O menino foi
atendido pelo médico Álvaro Ianhez, coordenador do setor de transplantes
do hospital e, soube-se depois, chefe da central clandestina de tráfico
de órgãos. Ianhez é amigo particular do deputado Mosconi, responsável
por sua nomeação no hospital.
A
partir de uma denúncia do analista de sistemas Paulo Pavesi, pai do
garoto, a PF abriu um inquérito e descobriu que a equipe de Ianhez havia
decretado a morte encefálica de Paulo quando ele estava sob efeito de
substâncias depressivas do sistema nervoso central. Ou seja, teve os
rins, o fígado e as córneas retirados quando provavelmente ainda estava
vivo. Pavesi pai foi obrigado a pedir asilo na Itália, depois de ser
ameaçado de morte por diversas vezes em Minas Gerais. Atualmente, mora
em Londres, onde aguarda até hoje o julgamento do caso do filho.
Outros
oito casos semelhantes foram descobertos pela PF e pelo Ministério
Público Federal durante as investigações. Um deles, o do trabalhador
rural João Domingos de Carvalho, foi o que resultou nas condenações de
fevereiro passado. Internado por sete dias na enfermaria da Santa Casa,
entre 11 e 17 de abril de 2001, Carvalho foi dado como morto quando
estava sentado e teve os rins, as córneas e o fígado retirados pelos
médicos Fernandes e Scafi. “Era pura ganância, vontade de enriquecimento
rápido, sem se preocupar com o sofrimento dos demais seres humanos”,
escreveu o juiz Narciso de Castro na sentença que condenou os médicos da
Santa Casa a penas de 8 a 11 anos de prisão, em primeira instância.
Todos continuarão em liberdade até o julgamento dos recursos.
Pavesi
não se amedrontou à toa. Em 24 de abril de 2002, Carlos Henrique
Marcondes, administrador da Santa Casa, foi assassinado no dia exato de
seu depoimento no Ministério Público sobre a atuação da máfia dos
transplantes lotada no hospital. Ele tinha gravado todas as conversas
com os médicos
envolvidos no tráfico de órgãos e pretendia entregar as
fitas às autoridades. Antes de falar, Marcondes foi encontrado morto no
próprio carro com um tiro na boca. Segundo um delegado da Polícia Civil
da cidade, o ex-PM Juarez Vinhas, tratou-se de suicídio.
O caso foi
sumariamente arquivado. O laudo pericial constatou, porém, que três
tiros haviam sido disparados contra Marcondes, embora apenas um o tenha
atingido. Mais ainda: a arma usada e colocada na mão da vítima
desapareceu no fórum de Poços de Caldas, razão pela qual foi impossível
pereciá-la. Levado à Santa Casa, o corpo do administrador foi recebido
por dois médicos do hospital. Um deles, João Alberto Brandão, foi
condenado em fevereiro.
O outro, Félix Gamarra, chegou a ser indiciado,
mas acabou beneficiado pela lei de prescrição penal, por ter mais de 70
anos de idade. A dupla raspou e enfaixou a mão direita de Marcondes,
supostamente usada para apertar o gatilho, de modo a inviabilizar o
exame de digitais e presença de resíduos de pólvora. E o advogado da
Santa Casa, o também ex-PM Sérgio Roberto Lopes, providenciou a lavagem
do carro.
O
nome de Mosconi apareceu na trama em 2004, durante a CPI do Tráfico de
Órgãos. Convocado pela comissão, o delegado Célio Jacinto, responsável
pelas investigações da Polícia Federal, revelou a existência de uma
carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Ianhez o fornecimento
de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha, por R$8 mil. A
carta, disse o delegado, foi apreendida entre os documentos de Ianhez,
mas desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério
Público Estadual de Minas Gerais.
Mosconi
foi ouvido pelo juiz Narciso de Castro e confirmou conhecer Ianhez
desde os anos de 1970. O parlamentar disse “não se recordar” da
existência de uma lista de receptores de órgãos da Santa Casa, da qual
chegou a ser presidente do Conselho Curador por um período. Sobre a MG
Sul Transplantes, que fundou e difundiu, afirmou apenas “ter ouvido
falar” de sua existência. Declaração no mínimo estranha. O registro de
criação da MG Sul Transplantes, em 1991, está publicado em um artigo no Jornal Brasileiro de Transplantes
(volume 1, número 4), do qual os autores são o próprio Mosconi, além de
Ianhez, Fernandes, Brandão, e Scafi, todos investigados ou réus de
processos sobre a máfia de transplantes de Poços de Caldas.