Quem acompanhou a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus
ao longo dos dois quilômetros que vão do Teatro Municipal à esquina da
Consolação com a rua Maria Antônia pode assegurar: os distúrbios desta
quinta-feira começaram às 19h10m, pela ação da polícia, mais
precisamente por um grupo de uns vinte homens da tropa de choque, com
suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito.
Pelo
seguinte: às 17h, quando começou a manifestação, na escadaria do
teatro, podia-se pensar que a cena ocorria em Londres. Só uma hora
depois, quando a multidão engordou, os manifestantes fecharam o
cruzamento da rua Xavier de Toledo. Nesse cenário, havia uns dez
policiais. Nem eles hostilizaram a manifestação, nem foram por ela
hostilizados.
Por volta de 18h30m, a passeata foi em direção à
Praça da República. Havia uns poucos grupos de PMs guarnecendo agências
bancárias, mais nada. Em nenhum momento foram bloqueados. Numa das
transversais, uns vinte PMs postaram-se na Consolação, tentando
fechá-la, mas deixando uma passagem lateral. Ficaram ali menos de dois
minutos e retiraram-se.
Esse grupo de policiais subiu a avenida até a
Maria Antonia, caminhando no mesmo sentido da passeata. Parecia Londres.
Voltaram a fechá-la e, de novo, deixaram uma passagem. Tudo o que
alguns manifestantes faziam era gritar: “Você é soldado, você também é
explorado” ou “Sem violência”. Alguns deles colavam cartazes brancos com
o rosto do prefeito de São Paulo, “Fernando Maldad“.
Num átimo,
às 19h10m, surgiu do nada um grupo de uns vinte PMs cinzentos, com
viseiras e escudos. Formaram um bloco no meio da pista. Ninguém
parlamentou. Nenhum megafone mandando a passeata parar. Nenhuma
advertência. Nenhum bloqueio sem disparos, coisa possível em diversos
trechos do percurso. Em menos de um minuto esse núcleo começou a atirar
rojões e bombas de gás lacrimogênio.
Chegara-se a Istambul.
Atiravam
não só na direção da avenida, como também na transversal. Eram granadas
Condor. Uma delas ficou na rua que em 1968 presenciou a pancadaria
conhecida como “Batalha da Maria Antônia”. Alguns deles, sexagenários,
não cheiram mais gás (suave em relação ao da época), mas o bouquet de
vinhos.
Seguramente a PM queria impedir que a passeata chegasse à
avenida Paulista. Conseguiu, mas conseguiu que a manifestação se
dividisse em duas. Uma, grande, recuou. Outra, menor, conseguiu subir a
Consolação. Eram pessoas perfeitamente identificáveis. A maioria
mascarada. Buscaram pedras e também conseguiram o que queriam: uma
batalha campal.
Foi um cena típica de um conflito de canibais com os antropófagos.