Cooptação
Jurista Pedro Serrano afirma que o caráter antipartidário da manifestação de ontem representa postura golpista de setores conservadores paulistanos
por Júlia Rabahie, da RBA
Danilo Ramos/RBA
Serrano considera "fascista" expulsar bandeiras de partidos, incluindo os que participavam desde o começo |
São Paulo – O jurista e professor de
Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) Pedro Serrano disse hoje (21) que o movimento de manifestações
que tomaram as ruas de São Paulo nas últimas semanas, deflagrados pelo
aumento das passagens de ônibus, trens e metrô da cidade no último dia
2, foi ocupado pela extrema-direita do país. “As violências que
ocorreram ontem demonstram que o movimento vem sendo ocupado por
fascistas, neonazistas ou a extrema-direita brasileira, e o problema da
direita brasileira, ao contrario da direita europeia e norte-americana é
que ela é uma direita que não aceita o processo democrático.”
Na manifestação realizada ontem (20) na avenida
Paulista, inicialmente organizada para comemorar a revogação, na
véspera, da tarifa das passagens, anunciada pelo governador Geraldo
Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT), bandeiras de partidos
políticos foram queimadas e militantes de movimentos sociais foram
hostilizados por manifestantes que gritavam frases como “sem partido” e
“meu partido é meu país”. O movimento negro Uneafro teve uma de suas
bandeiras rasgadas e militantes do movimento feminista Marcha Mundial da
Mulheres (MMM) foram agredidos.
O discurso do apartidarismo, segundo o
professor, na realidade esconde um caráter antipartidário e intolerante
dos manifestantes. “A direita no Brasil não tem um partido claramente de
direita, não participa da disputa social de ideias, não participa do
processo democrático de maneira clara. Ela encontra subterfúgios
discursivos para justificar atitudes golpistas.” Serrano também criticou
o linchamento de partidos políticos e movimentos sociais organizados do
ato e a depredação do Palácio do Iatmaraty, em Brasília, durante
manifestação que também ocorreu ontem.
“São atitudes fascistas expulsar bandeiras de
partidos políticos, que inclusive estavam desde o começo do movimento
participando. Depredar órgãos públicos, inclusive um simbólico que é o
Itamaraty, órgão que estabelece mecanismos pacíficos de relação entre os
povos. Por trás do apartidarismo e do apoliticismo na realidade há uma
postura antiga do Brasil, das nossas elites, que é uma postura golpista
contra as conquistas sociais que o processo democrático trouxe ao país, e
isso é muito perigoso”, comentou Serrano.
Novas demandas
O Movimento Passe Livre (MPL), responsável pela
convocação dos atos pela revogação do aumento das passagens, foi
elogiado por Serrano por trazer novas demandas à sociedade e aos
governantes em geral. O MPL divulgou hoje em nota que não irá mais
participar dos atos que estão sendo convocados pela internet, que
levantam bandeiras genéricas como mais educação, mais saúde e o fim da
corrupção, e estão trazendo à tona um discurso conservador. O professor
da PUC aponta uma crise de legitimidade no modelo político
representativo entre os jovens que inicialmente tomaram as ruas contra o
aumento.
“O restante do movimento, o Passe Livre, a
gente tem de refletir que eles têm uma demanda adequada. Há um problema
de legitimidade da representação no sistemas democráticos do mundo. Quem
recebe o mandato público, ao passar a exercê-lo, passa a atender mais a
interesses particulares que os interesses de quem o elegeu. Essa
meninada se revolta contra isso, e temos de absorver essas criticas ,
incorporá-las e ver como mudar isso, para poder sobreviver à ameaça à
democracia.”