Jornalistas sabem que há profecias que se autorrealizam. Há um interesse explícito em convencer o leitor, em especial aquele que toma decisões em empresas e outras instituições, de que o país está mergulhado numa crise
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Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa
O leitor ou leitora atenta de jornais e revistas pode achar que as notícias são uma espécie de carrossel que gira continuamente, trazendo a cada ciclo novas informações sobre indicadores econômicos, competições esportivas, dados sobre saúde e educação e declarações de políticos.
Tudo parece seguir um curso fiel à realidade objetiva. No entanto, quando essa observação é respaldada por pesquisas sobre jornalismo, o olhar pode ir mais longe e a compreensão dos processos midiáticos tradicionais se torna mais acurada.
Note-se, por exemplo, o que se pode apurar com a leitura do livro intitulado Liberalismo autoritário, publicado em 2011 pelo cientista social e historiador Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
Com base em amplo estudo, que em sua forma final comporta mais de 300 páginas, Fonseca demonstra como a imprensa brasileira contribuiu ativamente para a criação do atual sistema político-partidário, que agora procura demonizar.
Ele destrincha o discurso homogêneo e manipulador da mídia tradicional, mostrando como um conceito especial de moralidade pública é usado pelo jornalismo brasileiro para influenciar as instituições da República.
Embora seja tarefa difícil e sujeita a riscos resumir as conclusões de um trabalho acadêmico que envolveu consultas a milhares de páginas de jornais e revistas durante anos, pode-se afirmar que o livro demonstra com fartura de provas como a imprensa se move continuamente numa mesma direção, mesmo que eventualmente esse trajeto aponte num sentido contrário ao interesse da sociedade.
Essa visão é sempre pautada por um complexo de ideias e convicções que repetem os valores definidos como “liberalismo”. Tudo que se opõe a esse conjunto de crenças passa a ser demonizado. A construção desse discurso pode ser percebida em qualquer edição de qualquer um dos principais jornais brasileiros.
Na quinta-feira (25/7), por exemplo, os três diários de circulação nacional destacam em suas seções de economia o aumento de 5,9% para 6% no índice de desemprego no Brasil, no mês de junho passado, em relação ao mesmo mês de 2012.
Títulos de reportagens e colunas tentam convencer o leitor de que ingressamos numa crise de desemprego. O Globo faz blague: “Jovens na rua. No olho da rua”. O Estado de S.Paulo destaca em página inteira: “Desemprego sobe para 6% em junho”. A Folha de S.Paulo publica infográfico para afirmar que “mercado de trabalho perde fôlego”.
Trata-se, observe, de uma variação de 0,1 ponto porcentual em um ano, num contexto considerado de pleno emprego.
Distorcendo os fatos
No mesmo dia, o principal jornal de economia e negócios do País, o Valor Econômico,
traz como manchete: “Multinacionais elevam captação via empréstimo”. Na
análise de conjuntura, que é onde a informação sobre desemprego pode
ser contextualizada, observa-se que a oferta de emprego caiu porque a
indústria reduziu o número de postos de trabalho.
Em outras fontes se observa que a indústria cortou postos, em parte,
por causa do clima de pessimismo (criado pela imprensa). A questão
inclui ainda o aumento da população ativa, ou seja, do número de
brasileiros que, completando os estudos, passam a aparecer nas
estatísticas dos que procuram trabalho. Além disso, não há estudos
atualizados sobre o verdadeiro potencial do mercado de trabalho no
Brasil.
Mas os jornais que pautam a agenda institucional do Brasil desprezam o
contexto quando um dado isolado vem a calhar para sua versão da
realidade.
Jornalistas sabem que há profecias que se autorrealizam. Há um
interesse explícito em convencer o leitor, e em especial aquele leitor
que toma decisões importantes em empresas e outras instituições, de que o
país está mergulhado numa crise.
Para esse interesse específico, é importante convencer a sociedade de
que os principais trunfos da política econômica inaugurada há dez anos,
a oferta de emprego e o aumento da renda do trabalhador, estão se
esgotando.
Martelar continuamente a tese de que vivemos uma crise é uma forma
sempre eficiente de produzir alguma crise. No entanto, embora pareça que
a imprensa tradicional atua como partido político de oposição ao atual
governo, essa não é uma afirmação que vale para todas as circunstâncias:
na verdade, conforme se pode apreender da leitura dos jornais e com
respaldo no trabalho do professor Francisco Fonseca, o que se conclui é
que a imprensa atua sempre em favor da ideologia com a qual ela se
identifica. Seja qual for o partido no governo.
Torna-se oposição a qualquer governo que ouse sair dos dogmas do
chamado liberalismo econômico e da visão de mundo segundo a qual a
sociedade deve ser dirigida por uma elite econômica e intelectual de
perfil conservador. Portanto, é preciso rever a famosa frase do
consultor James Carville, que serviu ao ex-presidente americano Bill
Clinton. Ao explicar a vitória de Clinton, nas eleições de 1992, ele
escreveu num quadro de avisos: “É a economia, estúpido!”
No caso brasileiro, é preciso corrigir:
“Na imprensa tudo é política, estúpido!”.