Paulo Nogueira, via Diário do Centro do Mundo
Colunistas da mídia estão festejando com sua habitual hipocrisia estridente a decisão do Supremo de ontem [13/11] de mandar prender boa parte dos réus. Dirceu preso era o sonho menos deles do que de seus patrões.
Num
momento particularmente abjeto da história da imprensa brasileira, dois
colunistas chegaram a apostar um vinho em torno da prisão, ou não, de
Dirceu. Você vai ler na mídia intermináveis elogios aos heróis togados,
aspas, comandados pelo já folclórico Joaquim Barbosa.
Mas
um olhar mais profundo, e menos viciado, mostra que o “mensalão”
representou, na verdade, uma derrota para a elite predadora que luta
ferozmente para conservar seus privilégios e manter o Brasil como um dos
campeões de desigualdade social.
Por
que derrota, se a foto de Dirceu na cadeia vai estar nas manchetes?
Porque o que se desejava era muito mais que isso. O “mensalão” foi a
maneira que o chamado 1% encontrou para repetir o que fizera em 1954 com
Getulio e 1964 com João Goulart.
Numa
palavra, retomar o poder por outra via que não a das urnas. A direita
brasileira, na falta de votos, procura incansavelmente outras maneiras
de tomar posse do Estado – e dos cofres do BNDES, e das mamatas
proporcionadas por presidentes serviçais etc. etc.
A
palavra mágica é, sempre, “corrupção” – embora nada mais corrupto e
mais corruptor que a direita brasileira. Sua voz, a Globo, sonegou
apenas num caso R$1 bilhão numa trapaça em que tratou a compra dos
direitos de transmissão de uma Copa como se fosse um investimento no
exterior.
Foi
assim como o “Mar de Lama” inventado contra Getulio, em 1954.
Foi assim com Jango, dez anos depois, alvo do mesmo tipo de acusação sórdida e mentirosa.
E foi assim agora.
Foi assim com Jango, dez anos depois, alvo do mesmo tipo de acusação sórdida e mentirosa.
E foi assim agora.
Por que o uso repetido da “corrupção” como forma de dar um golpe? Porque, ao longo da história, funcionou.
O
extrato mais reacionário da classe média sempre foi extraordinariamente
suscetível a ser engabelado em campanhas em nome do combate – cínico,
descarado, oportunista – à corrupção.
A
mídia – em 54, 64 e agora – faz o seguinte. Ignora a real corrupção a
seu redor. Ao mesmo tempo, manipula e amplia, ou simplesmente inventa,
corrupção em seus adversários.
Agora
mesmo: no calor da roubalheira de um grupo nascido e crescido nas
gestões de Serra e Kassab na prefeitura, o foco vai se desviando para
Haddad. Serra é poupado, assim como em outro escândalo monumental, o do
metrô de São Paulo.
Voltemos um pouco.
A
emenda que permitiu a reeleição de FHC passou porque foi comprado apoio
para ela, como é amplamente sabido. Congressistas receberam R$200 mil
em dinheiro da época – multiplique isso por algumas vezes para saber o
valor de hoje — para aprová-la.
Mas isso não é notícia. Isso não é corrupção, segundo a lógica da mídia.
O
caso do “mensalão” emergiu para que terminasse como ocorreu em 1954 e
1964: com a derrubada de quem foi eleito democraticamente sob o verniz
da “luta contra a corrupção”.
Mas
a meta não foi alcançada – e isso é uma extraordinária vitória para a
sociedade brasileira. No conjunto, ela não se deixou enganar mais uma
vez.
O
sonho de impeachment da direita fracassou. Ruiu também a esperança de
que nas urnas, sob a influência do noticiário massacrante, os eleitores
votassem nos amigos do 1%: Serra conseguiu perder São Paulo para Haddad,
um desconhecido.
O
que a voz rouca das ruas disse foi: estão tentando bater minha carteira
com esse noticiário. O brasileiro acordou. Ele sabe que o que a Globo —
ou a Veja, ou a Folha – quer é bom para ela, ou elas,
como mostram as listas de bilionários brasileiros, dominadas pelas
famílias da mídia. Mas não é bom para a sociedade.
E por estar acordado o brasileiro impediu que o “mensalão” desse no que o 1% queria – num golpe.
Por isso, o vinho que será tomado pela prisão de Dirceu será extremamente amargo.