Edson Moraes
A
finalíssima da Copa do Brasil 2013 foi monumental, épica, inesquecível.
Permanecerá durante muito tempo no imaginário coletivo como uma
exemplar história de superação tipicamente flamenga. É claro que a
conquista da mais qualificada edição da competição na história e a
classificação para o principal certame continental em 2014 valeram
muito.
Mas
o acontecimento mais importante do dia 27 de Novembro, Dia da
Consciência Rubro-Negra, foi a reafirmação da infinita capacidade do
Flamengo em contrariar a lógica e subverter as mais ponderadas previsões
para alcançar o que se julgava impossível. Quando muita gente andava
esquecida do que era o verdadeiro Flamengo a conquista de mais um TRI
campeonato atesta a inevitável repetição de um padrão e a normalidade
dos tempos atuais. Como dizia o pensador rubro-negro Benito de Paula,
tudo está no seu lugar. E continua como antes na Nação Rubro-Negra onde o
sol nunca se põe.
Ainda
estávamos em Janeiro e já se havia decretado, com a anuência de grande
parte dos rubro-negros, que em 2013 tudo seria impossível ao Flamengo. O
torcedor conformou-se com uma mediocridade planejada em nome da
austeridade, em favor de uma profunda mudança de mentalidade na gestão
do clube e no irreprimível desejo pequeno-burguês de andar pelas ruas
com a cabeça erguida dos adimplentes. O preço a pagar por esse ajuste
era altíssimo; não ganhar nada em 2013.
Ainda
que tal preço fosse, para muitos, inaceitável, seguiu-se o planejamento
à risca. O Flamengo perdeu a Taça Guanabara de bobeira, nem disputou a
Taça Rio e viu o Carioca descer pelo ralo em um melancólico returno em
que sequer nos classificamos para as semifinais. No atual campeonato
Brasileiro fomos sempre figurantes de luxo, desde as primeiras rodadas
afastados de qualquer pretensão além da permanência na Primeira Divisão.
Enquanto
confirmava um destino sem glórias no Brasileiro o Flamengo ia cumprindo
burocraticamente com suas obrigações na Copa do Brasil. Ganhando dos
pequenos nas primeiras fases sem empolgar a ninguém e dando a nítida
impressão que o momento em que os times envolvidos na disputa da
Libertadores entrassem na competição marcaria nossa inevitável despedida
da mesma. Como disfarça bem o Flamengo.
Porque
nem mesmo o Flamengo sabe do que ele é capaz. Uma força como o Flamengo
é impossível de ser contida sob os limites estreitos de um
planejamento. Não há como mensurar a extensão dos poderes flamengos e
aqueles que se propõem a planejar o seu futuro com as ferramentas da
lógica sempre correm o risco de subavaliar nossas chances. O Flamengo
não se mede.
Após
três treinadores terem sido tragados pelo redemoinho da Gávea, sobrou
para Jayme de Almeida, outro exemplo eloquente de subavaliação, conduzir
o desacreditado Flamengo ao seu lugar de direito. Nascido e criado no
solo sagrado à beira da Lagoa, Jayme fez o que estava ao seu alcance nos
poucos meses que restavam do ano que já tinha nascido condenado. Jayme
deixou o Flamengo ser Flamengo.
Setembro
já estava quase acabando, mas foi só então que a mística flamenga
encontrou espaço para se manifestar. O que era chumbo se transformou em
ouro e os proscritos se tornaram heróis. Sempre no sapatinho, Jayme foi
vendo seu prestígio crescer junto com o time, que se superava e deixava
para trás adversários considerados imbatíveis. E assim foi até a nossa
irrepreensível final contra genérico paranaense em noite de gala no
Maracanã.
O
Flamengo, sempre vocacionado para o épico, tinha sido o último campeão
do velho colosso Maracanã. Nada mais natural que fosse o Flamengo também
o primeiro campeão do novo e miniaturizado Maraca. Aquela casa, esteja
ela do tamanho que for, indiscutivelmente nos pertence. E desde 1950
todo mundo sabe que quando o Flamengo vence ela se torna pequena demais
para a nossa euforia. Porque o Flamengo nasceu na beira da praia,
trabalha no Maracanã, mas mora no mundo.
Lembrem-se
que a rodrigueana e brutal euforia flamenga não é mais funda,
dilacerada ou santa. É apenas diferente. Enquanto todos os torcedores
infelizes se parecem, cada rubro-negro é feliz à sua maneira. Entre os
fechados com o certo há os dionisíacos, os apolíneos e os denímenêzicos.
E ainda que a evolução progressiva da marra do torcedor do Flamengo
sempre se baseie em fatos ela também resulta do múltiplo caráter desse
espírito coletivo. Nós, os flamengos, sabemos ser tudo.
A
alegria Flamenga não respeita limites geográficos e sociais, quebra
barreiras aparentemente intransponíveis irmanando os desiguais sob a
influência equalizadora do vermelho e o preto. Comemorando mais um
título conquistado pelo onze da Gávea otimistas se abraçam com céticos
enquanto místicos, liberais e puristas compartilham a mesma taça com
materialistas dialéticos.
A
verdade é que o Flamengo é assim o tempo todo, mas é mais fácil
observar esse incomparável poder de transformar os diferentes em iguais
quando as ruas são invadidas pelas hordas de bem vestidos gritando que o
Mengão é TRI. Comemoração que em sua sétima edição já é uma tradição no
Rio de Janeiro e no resto do país, já tendo se realizado em 1944, 1955,
1979, 1983, 2001 e 2009.
Para
os não iniciados é quase impossível perceber as sutilezas da nossa rica
composição multitudinária. A politraumatizada arcoirizada mal vestida
só consegue nos enxergar como um descomunal arrastão vermelho e preto
que os oprime e reafirma nosso domínio ruidoso e absoluto. Um domínio
evidente demais para ser negado. E por isso mesmo tão combatido.
Esqueçam
por um momento a natural humildade rubro-negra e olhem em sua volta,
mulambos bem vestidos e tricampeões. Vejam nossos adversários. Estão
todos prostrados a nossos pés. Pode zoar à vontade, não haverá réplica.
Agora eles nos temem não apenas pelo que já realizamos, mas,
principalmente, pelo que poderemos fazer.
É
verdade que eles invejam nossa bela figura e cobiçam o que já
conquistamos. Mas o que mais os assusta é o quão longe podemos chegar.
Porque eles, melhor até do que nós mesmos, sabem que seja onde for, se
deixarem o Flamengo chegar, fudeu.
Parabéns, Flamengo. E parabéns, torcida do Flamengo. Ainda não inventaram, e nem vão inventar, nada melhor do que nós mesmos.
Mengão Sempre