Data: 07/07/2016
Fonte: GGN
Fonte: GGN
Autor: Luís Nassif
Os
mineiros velhos costumam dividir os especialistas em dois tipos: os
sabidos e os espertos. Vale para a atual fase do país e do Ministério
Público Federal com a cooperação com autoridades de outros países,
visando coibir as organizações criminosas internacionais.
Vamos ver como se comportam os dois personagens do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.
Antes
da análise, algumas obviedades para desbastar a teoria da conspiração e
nos fixarmos nos aspectos concretos do mundo da geopolítica.
Constatação 1 - Sérgio Moro não é agente da CIA.
A ideia
de que Moro fez um curso nos Estados Unidos e voltou cumprindo ordens é
bobagem. Na geopolítica, a cooptação é mais sutil.
Constatação 2 - os EUA tiveram papel secundário em 1964 e no golpe do impeachment
Em
1964, ajudaram na cooptação de jornais; em 2014 no apoio oficial à Lava
Jato e no provável apoio de grupos privados aos MBLs da vida. Mas, em
ambos os casos, a conspiração foi nacional, coisa nossa.
Constatação 3 - a geopolítica é mais sutil do que imaginam os adeptos da teoria da conspiração e os céticos da conspiração.
Constatação 4 – não se pode considerar os interesses americanos como homogêneos.
Há
nuances variadas entre interesses e alianças do presidente da República,
dos estamentos do Departamento de Estado, do FBI, CIA e NSA, e dos
grandes grupos privados. Nem de longe o Brasil é visto como inimigo dos
EUA. As intervenções foram focadas em pontos específicos, da lei do
petróleo e dos avanços das multinacionais brasileiras no mundo.
E aí entra em cena o MPF sabido, mas que não é esperto.
Não estou me referindo a procuradores individualmente, mas à corporação como um todo.
Personagem 1 - o lado sabido do MPF
Sabidos
são os procuradores e delegados que se especializaram na cooperação
internacional. São funcionários de alto nível, que se embrenharam pela
quebradas da lavagem de dinheiro e, através dela, do tráfico de drogas,
de pessoas e armas, do terrorismo e dos crimes financeiros e políticos.
Acompanhei
de perto essa evolução, em longas conversas com o desembargador Walter
Maierovitch, ainda nos anos 90, quando começou a trabalhar o tema do
crime organizado, e colaborei ajudando a entender as operações
esquenta-esfria dos diversos mercados, desde a zé-com-Zé no mercado de
ações às jogadas com títulos estaduais não Cetipados.
De lá
para cá houve um avanço fantástico, em grande parte devido à cooperação
internacional. Foi através do contato direto especialmente com o FBI,
com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e com a NSA que a
Polícia Federal e o MPF lograram uma competência inédita no combate ao
crime organizado.
Ao
mesmo tempo, a cooperação internacional tem permitido que procuradores
brasileiros levem princípios básicos de direitos difusos aos MPs de
países menores, já que a cooperação não é exclusivamente penal.
Eles
são sabidos. Mas não é seu papel serem espertos - isto é, entender os
desdobramentos mais amplos dessa parceria desequilibrada, com um
parceiro muito mais forte, preparado e formado dentro de conceitos de
interesse nacional que ainda não foram assimilados pelo MPF. Caberia à
cúpula do MPF desenvolver esse entendimento.
Personagem 2 - o lado pouco esperto do MPF
Os
negócios privados e públicos têm zonas cinzentas, algumas que arrostam
os limites da legalidade, outras francamente ilegais. Todo regime
democrático está sujeito à praga do financiamento de campanha, à troca
de favores. E todo projeto de país necessita de políticas proativas de
apoio a empresas e setores, muitas vezes com razoável grau de
subjetividade.
Países
mais desenvolvidos já sabem como tratar essas nuances. Há clareza sobre o
papel legítimo do lobista - como prospectador de novos negócios,
colocando investidores privados em contato com a área pública - e o
papel deletério - de corruptor de agentes públicos.
Mesmo
em decisões de políticas públicas que claramente beneficiam empresas
aliadas de governos, há uma noção muito clara do que é interesse
nacional, afim de preservar as medidas em que esses interesses são
comtemplados.
Países
mais liberais e mesmo os mais restritivos trabalham com alguns
conceitos, que certamente não foram assimilados pelo MPF e que deveriam
entrar em sua pauta interna de discussões
1. Toda empresa é um ativo nacional que deve ser preservada.
É na
empresa que são geradas inovações, empregos, receita, investimentos. A
preservação de empresas é questão nacional. Por isso mesmo, nos EUA, em
casos de corrupção, age-se prontamente punindo gestores, acionistas ou
impondo multas às empresas, mas preservando sua solidez, especialmente
grandes empresas em setores estratégicos. Por aqui, punem-se empresas,
lembranças da Inquisição, onde se queimavam livros.
Mesmo
para garantia dos credores e dos débitos trabalhistas, uma empresa
parada perde a maior parte do seu valor - representado pela marca,
tecnologia, pontos de venda, redes de fornecedores.
Paralisada,
é apenas um conjunto de balcões e armazéns. Essa mesma simplificação,
de ataque às empresas envolvidas com corrupção, foi adotada por
procuradores da Lava Jato, mesmo aqueles com doutorado nos Estados
Unidos.
2. Nenhum país sério aceita que suas empresas (ou cidadãos) sejam submetidos à jurisdição estrangeira.
Por aqui, a visão penal tosca do MPF - e do país em geral - não internalizou esses conceitos.
3. É
parte integrante das políticas públicas a promoção do desenvolvimento, o
apoio às empresas - especialmente as que se aventuram na competição
global -, o financiamento do investimento.
Exigir
dos procuradores da Lava Jato, fundamentalmente penalistas, compreensão
sobre os fenômenos econômicos e sociais, sobre disputas entre países,
relações internacionais, construção de projetos nacionais, é muito.
Eles
são especializados na arte de prender e condenar. O salvacionismo com
que levantam essas bandeiras é tosco, mas é essa sua missão.
Caberia
à cúpula do Ministério Público, junto com o STF e o Ministério da
Justiça levantar essa discussão, sobre os limites do interesse nacional.
Mas os sabidos ainda não entraram na era da esperteza.
Personagem 3 – as táticas da geopolítica
Desde
os velhos tempos do imperialismo britânico, ainda no século 18, as
nações praticam o chamado soft power - que consiste na cooptação das
elites dos países com cursos, visitas, viagens. Montam-se políticas de
boa vizinhança, apresenta-se o país moderno e conquistam-se corações e
mentes.
Depois
de conhecer o céu do desenvolvimento, de volta à terra subdesenvolvida,
espíritos mais fracos se considerarão portadores das boas novas, com
corações e mentes alinhados com o pensamento do país central.
A
maneira como entram os interesses geopolíticos está na seleção dos
malfeitos a serem investigados. Na era da telemática, do mapeamento das
redes de offshores e paraísos fiscais, quem detém as informações – o FBI
e o Departamento de Justiça norte-americano – detém o poder. Basta
centrar as pesquisas no partido-alvo e poupar o partido aliado. É
simples assim.
No caso
da cooperação internacional, a análise de caso da Lava Jato permitiu
mapear algumas das formas de impor os interesses geopolíticos
norte-americanos:
Forma 1 – o combate à corrupção que interessa diretamente os EUA.
Três
casos saltam à vista. O primeiro, obviamente, as informações sobre a
Petrobras e o pré-sal. Depois, as informações sobre a Eletronuclear, que
o Procurador Geral da República trouxe de sua visita ao Departamento de
Justiça norte-americano. O terceiro, e-mails de um executivo da
Odebrecht a outro, solicitando que convencesse Lula a tratar de casos de
interesse da Odebrecht em encontro com o presidente do México. Os
hackers da NSA conseguiram entrar nos servidores da Odebrecht, retirar
os e-mails e encaminhá-los a seus parceiros na Lava Jato.
Esses são os atos que puderam ser mapeados, provavelmente parcela mínima dos resultados da cooperação.
Forma 2 – a criminalização de atitudes proativas de políticas públicas.
Ficou
nítida a exploração ampla da ignorância de delegados e procuradores,
quando se tentou criminalizar ações diplomáticas na África e em países
parceiros, os financiamentos à exportação, os próprios financiamentos do
BNDES.
No
trabalho que fez sobre a Lava Jato, o componente ideológico-primário
estava nítido em Sérgio Moro: a corrupção existe em economias fechadas;
basta abrir a economia para espantar os malfeitos.
Forma 3 – a deferência em relação às autoridades norte-americanas.
O
episódio máximo foi a visita do PGR aos órgãos do governo
norte-americano levando informações contra a Petrobras e outras empresas
brasileiras, visando instruir processos contra elas.
Personagem 4 – os legionários da Lava Jato
Não se julgue, portanto, os legionários da Lava Jato como quintas colunas, espiões, agentes da CIA e quetais. O diagnóstico sobre eles é de outra natureza:
1. São competentes.
Se se
analisar a Lava Jato apenas pelos objetivos diretos pretendidos,
incluindo a derrubada de umas presidente da República, a operação foi
sucesso total, ainda que à custa de 5 pontos de queda do PIB.
2. São idealistas.
São
imbuídos da visão missionária de que a ação penal limpará o país. Não
lhes peça estudos sobre o papel da transparência, da accountability, dos
modelos de gestão. A única maneira de combater o mal é através da
punição dos pecados. Junto com os pecadores, há que se dar o fim aos
templos de perdição: as empresas que foram instrumento do pecado.
Costumam dizer que se todo mal for erradicado, os pecadores presos e as
empresas destruídas, desse caos nascerá um país mais forte e mais justo.
As aulas na West Point da cooperação não incluíram conhecimentos
mínimos sobe processos de desenvolvimento,
3. São partidários.
O grupo de Curitiba tem lado: é ostensivamente tucano e atua com o objetivo claro de interferir nas disputas políticas.
4. Tornaram-se prepotentes.
Esse é o
ponto mais vulnerável, que ainda irá se refletir sobre o grupo. De
delegados a procu.radores de Curitiba, ao contrário da banda brasiliense
da operação, todos eles se consideram dotados de poderes superiores,
como se viu na tentativa de ficar com parte dos recursos recuperados, ou
de afrontar os tribunais superiores. Deslumbramento com poder quase
nunca termina bem.