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Exclusivo: Decisões judiciais sobre mansão de Paraty atribuída aos Marinho são descumpridas.
Por Joaquim de Carvalho
O juiz federal Ian Legal Vermelho, de Angra dos Reis,
autorizou o uso da força policial para a União retomar a praia de Santa
Rita, em Paraty, que é tratada como particular pelos proprietários da
mansão atribuída à família Marinho, da Rede Globo.
A decisão é de 3 de maio deste ano e foi tomada em resposta a
um relatório de dez páginas, com fotografias, em que o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) denuncia o
descumprimento da decisão judicial de seis anos atrás.
Nessa decisão, os proprietários da mansão eram obrigados a
retirar a estrutura de cerco instalada no mar, aparentemente dedicada à
criação de animais marinhos, mas que, na prática, servia para impedir a
aproximação das pessoas à praia de Santa Rita.
A primeira decisão que mandou desobstruir a Praia de Santa
Rita é de 30 de novembro de 2010. Os réus tinham prazo de sete dias para
retirar a cerca e, além disso, desmontar os brinquedos instalados na
areia da praia, como o tubo-água e uma piscina, e se abster “de criar
qualquer tipo de embaraço ao acesso e permanência do público na Praia de
Santa Rita”.
Segundo o relatório do ICMBIO, seguranças armados impediam o
desembarque de banhistas na areia da praia. Não só de banhistas, mas,
pelo menos em uma ocasião, os seguranças armados impediram o desembarque
de uma equipe de fiscalização do ICMBIO, que estava ali para fazer um
levantamento por determinação do Ministério Público Federal.
Um dos analistas ambientais que fazia parte da equipe conta
que todos voltaram para Angra dos Reis e pediram o apoio da Polícia
Federal. Alguns dias depois, retornaram para lá e fizeram o
levantamento, que constatou diversas irregularidades na ocupação da
área, como desmatamento sem autorização, construção acima do limite
permitido e construção de equipamentos de lazer em área pública – no
caso, a praia.
Mesmo com essa constatação, que gerou “três ou quatro autos
de infração”, que fundamentaram decisões reiteradas da Justiça para que a
área seja devolvida ao público e a natureza seja recuperada, os
proprietários continuam descumprindo a sentença do juiz.
Em consequência dessa última decisão, a de 3 de maio de 2016
– duas semanas depois que a Câmara autorizou o Senado a abrir o
processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff -, os fiscais
do Instituto Chico Mendes voltaram lá e fizeram um levantamento
fotográfico da área. Tudo continua como antes, ou seja, a praia continua
privativa dos donos da mansão.
Por que a decisão não é cumprida, mesmo depois de seis anos da primeira sentença?
“Isso é o que eu também quero saber. Que força impede que a
medida seja cumprida?”, questiona o analista ambiental do Instituto que
acompanha o caso desde o início – ele já foi alvo de represália e pede
para que o nome não seja divulgado.
“Em Paraty, todo mundo sabe que a mansão é da família
Marinho, mas até hoje nós só tratamos com os advogados e já questionamos
o Ministério Público sobre o não cumprimento da decisão. Mas não
adianta. Ninguém consegue fazer essa decisão judicial ser cumprida. Isso
é grave. Mostra que, no Brasil, é lei não é igual para todos”,
acrescenta.
Durante cinco anos, a razão alegada no processo para o
descumprimento da decisão é a não localização dos representantes da
Veine Patrimonial Ltda, empresa formalmente responsável pela
propriedade.
A Veine é uma brasileira empresa controlada por uma empresa
do exterior, a Vaincre LCC, com sede em Las Vegas, Nevada, Estados
Unidos, por sua vez aberta pela MF Corporate Service, com sede na mesma
cidade de Las Vegas, e que tem como administrador uma empresa de paraíso
fiscal, a Camille Services S.A., do Panamá.
Segundo registro da Receita Federal, a Veine funciona na
Avenida Bulhões de Carvalho, 296, apartamento 601, Copacabana, Rio de
Janeiro. Não é difícil chegar lá. Retirei uma imagem do Google Earth. O
prédio fica numa rua movimentada de Copacabana (veja abaixo).
Nesse endereço, também está formalmente sediada uma empresa
registrada em nome de Paula Marinho e de seu pai, João Roberto Marinho,
neta e filho de Roberto Marinho, fundador das Organizações Globo, já
falecido.
O endereço é também de outras empresas de Alexandre
Chiapetta de Azevedo, até outubro do ano passado marido de Paula. MF
Corporates em Las Vegas, que abriu a Vaincre, controladora da Veine, é
uma empresa da Mossak & Fonseca, do Panamá, epicentro de uma dos
maiores escândalos de lavagem de dinheiro da história, conhecido como
Panamá Papers.
No processo sobre a mansão em Paraty, em seis anos, as duas
pessoas que constam da papelada da Veine como seus representantes, Lúcia
Cortes Rosemburgue e Celso de Campos, não foram localizados para
assinar o mandado que mandava desobstruir a Praia de Santa Rita.
Mas, nesse período, seus advogados informaram à Justiça que
haviam obtido autorização legal para a maricultura nas águas da praia,
razão pela qual o juiz, seis anos depois, restringiu a obrigação, “por
ora”, à retirada dos brinquedos e à devolução da praia ao público.
Mas nem essa decisão foi cumprida.
Alguns anos atrás, depois que o caso da mansão da Praia de
Santa Rita foi denunciado pelo Ministério Público, o programa
Fantástico, da Rede Globo fez uma reportagem que foi apresentada assim
pelo apresentador, Zeca Camargo. Mas não menciona a família Marinho.
“Mais um flagrante de desrespeito à lei e à natureza. É mais
um escândalo da ocupação ilegal de terra no Brasil”, diz o
apresentador.
Corte para a apresentadora, também séria:
“A gente está falando de áreas de proteção ambiental que
deveriam ser preservadas, mas que são invadidas para dar lugar a casas
de alto luxo, para conforto de poucos.”
O repórter Rodrigo Alvarez começa a narrar:
“A gente se aproxima da Ilha das Cavalas, em Angra dos Reis…”
Alvarez aparece de helicóptero, num parapente com motor, de
barco e também a pé. Entra e mostra mansões e hotéis de luxo construídos
em área de proteção.
A reportagem tem quase 13 minutos, detona um deputado
federal do Maranhão, dois empresários de Campos de Jordão, um dono de
mansão em Angra dos Reis, o do Ilha das Cavalas, e outro de Paraty, cujo
nome o coordenador da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de
Janeiro, que acompanha a reportagem no voo de helicóptero, tenta
esconder:
“Quem é o proprietário desta casa?”, pergunta o repórter, ao sobrevoar a propriedade, que tem mansão e heliporto.
“Não é bom falar isso, não”, responde o coordenador José Maurício Padrone.
Mas o repórter, corajoso, denuncia:
“O dono é o empresário Alexandre Negrão”.
Nenhuma palavra sobre a casa atribuída a seus patrões, perto dali.
Na última cena, a imagem mostra a mansão do Negrão e o repórter da Globo conclui:
“Pode até parecer contraditório, mas, para aqueles que se
empenham na defesa do meio ambiente, ainda vai ser preciso muita
dinamite para deixar a natureza em paz”.
Era uma referência à ordem da Justiça para demolir construções irregulares como a casa atribuída à família Marinho.
O mundo mudou de lá para cá.
No período de muita tensão, no início do ano, com o cerco a
Dilma Rousseff se fechando, emergiu o escândalo da Paraty House.
Dilma
caiu, mas mansão e seus brinquedos continuam de pé.