– O Globo – 07/12/2024
Executivo diz ter contrariado interesses aos quais não estava atento e considera o ministro Alexandre Silveira responsável por convencer o
presidente a tirá-lo do cargo. Para ele, falta articulação com a base
GERALDA DOCA, BERNARDO LIMA E THIAGO FARIA
economia@oglobo.com.br BRASÍLIA
‘TEM QUE HAVER UM BASTA. A OPOSIÇÃO ESTÁ DENTRO DO GOVERNO LULA’
Sem cargo político. Prates diz que conta nos dedos de uma mão as pessoas do PT que ligaram e foram amigas após a crise
Sete meses após ser demitido da presidência da Petrobras, Jean Paul Prates rompeu o silêncio para contar sua versão de como foi a conturba da saída da estatal. Em entre vista ao GLOBO, afirmou acreditar ter contrariado interesses aos quais “certamente não estava atento” e, embora diga não saber quais eram,
aponta o ministro Alexandre Silveira, de Minas e
Energia, como um dos responsáveis pelo desgaste que levou o presidente Lula a
tirá-lo do cargo.
Para o ex-senador, filiado ao PT, Lula erra ao manter na base aliada partidos que criam dificuldades no Congresso e crises dentro do próprio governo, como a de sua saída.
Ficou alguma mágoa em relação à forma como o senhor foi demitido pelo presidente, na presença dos ministros Alexandre Silveira e Rui Costa (Casa Civil)?
Na hora foi muito desagradável, mas depois entendi a situação. Houve uma última conversa em que o presidente me disse: ‘Você não está recuando, tem alguns pontos de vista aqui dos ministros’. E eu falei: ‘Eu não posso (recuar), porque sei o que estou fazendo. Sinta-se à vontade, o cargo é seu’. Aí ele respondeu que iria me substituir. Percebi que o presidente estava desgastado com o embate, não era comigo. Estava pressionado e as pessoas ali aproveitaram a circunstância. Não tinha a ver com a Petrobras, nunca teve. Não tenho ressentimentos, não existe mágoa com o presidente, nem mesmo com os ministros, porque é o jogo da política. Eu perdi essa batalha.
O senhor falou com o presidente depois?
Só através de outras pessoas.
O que pesou mais para a sua demissão?
Foram falsas crises criadas para fragilizar a presidência da Petrobras. Por qual razão, eu não sei. Um dia vai se descobrir. Mas não havia crise do gás, não havia crise na fábrica de fertilizantes, não teve crise dos estaleiros. E, por fim, não havia crise de dividendos. Tanto não havia que os dividendos foram pagos agora.
Qual interesse o senhor acredita ter contrariado?
Havia outros interesses envolvidos, provavelmente, aos quais eu certamente não estava atento. Talvez alguma coisa com relação ao plano estratégico, à política, indicação de pessoas na Petrobras que desagradaram. Pontualmente, foram coisas muito pequenas.
O senhor atribui a esses mesmos interesses as trocas nas diretorias que ocorreram após sua saída e, neste momento, as disputas no Conselho de Administração?
O desgaste com o Alexandre (Silveira) ocorreu inclusive por conta dessas coisas. O problema não era o ministro indicar conselheiro, mas alguns conselheiros, alguns, é bom que se diga, começaram a deliberadamente dificultar as coisas. A gente levava para a pauta, não evoluía, e o presidente do conselho falava: ‘Você tem que falar com o ministro, tem que pedir para ele’. Para a presidência da Petrobras, é absurdo. A empresa é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, não é subordinada.
Para o senhor, isso configurou interferência do governo?
Não acho que seja interferência. A forma de dar comandos ao presidente da Petrobras e à diretoria é o Conselho de Administração. Então, a ordem dada pelo ministro ou mesmo pelo presidente da República tem que ser comunicada. E essa é a falha de governança que ainda existe na Petrobras. Diria que 98% da governança está perfeita. Os 2% que faltam são exatamente a lacuna de como o governo, sendo acionista majoritário, se comunica e organiza as diretrizes e instruções que ele dá para a diretoria.
Como enfrentar esses 2%?
“Toda crise que acontece não é provocada pela oposição, é pela própria base governista”. “O problema não era o ministro (Silveira) indicar conselheiro, mas
alguns conselheiros começaram a deliberadamente dificultar as coisas”
Talvez o presidente da República poder escolher o presidente da Petrobras, uma diretoria e eles terem mandato para fazer as coisas. E, no dia a dia, as instruções do governo teriam que ter um ritual, um rito, para serem passadas.
Como avalia os resultados da nova presidente, Magda Chambriard?
Não vou julgar os resultados, até porque ainda não estão consolidados. Agora, que a gente tem que comentar é o que será a Petrobras daqui para a frente. Estávamos buscando fazer o ponto de inflexão para a transição energética, que não havia sido feita antes. A gente já estava atrasado dez anos. Eventualmente, é possível adotar posição um pouco mais comedida e dizer: ‘vou fazer aqui o arroz com feijão, o petróleo mesmo, e ver o que vai dar’. A meu ver, isso já foi experimentado antes. Na época da presidente Graça Foster, ela fez isso por necessidade, porque pegou a ressaca da Lava-Jato. Travou a empresa toda.
O senhor vê a presidente Magda neste mesmo momento?
É a impressão que dá, ao menos no discurso, não sei se a prática é continuar fazendo o que estava sendo feito, mas sem botar a cabeça fora. Já não se vê mais falar de determinados assuntos. Se a política energética não está clara, ou
melhor, está claro que é influenciada por quem tem mais prestígio junto às autoridades, a tendência é distorcer o processo de transição energética.
O senhor tem planos de voltar a disputar um cargo político?
Não. Zero intenção de disputar. Saí da Petrobras e ninguém me ofereceu nada. Foi tão bem feito que as pessoas devem ter pensado: alguma coisa ele fez, sendo que não fiz nada. Não roubei, não traí o presidente, tudo balela. Conto nos dedos de uma mão pessoas do PT que me ligaram e foram meus amigos até o momento.
Sua imagem foi prejudicada?
Não acho que ficou prejudicada. Se estou na política partidária e eleitoral, meu técnico não sou eu, é o partido. Compreendi que a mensagem é: ‘Você não está escalado para nada’. Então, vou cuidar da minha vida porque não tenho política como profissão. Minha profissão é executivo e gestor público ou privado de recursos naturais e energia.
Como vê a estratégia do PT em governabilidade, ao abrir espaço a partidos de centro, como o PSD, de Silveira?
As circunstâncias mudaram. O que antes o governo controlava com ministérios, abrindo espaços, não controla mais. Acabamos de ver uma votação em que dois partidos governistas votaram majoritariamente contra medidas do governo. Falta articulação, mas não é só isso. Falta visão de guarda-chuva geral, chamar todo mundo e dizer: ‘Se você é o partido x e tem o delegado, o coronel, o antilulista, ou trata com esse cara ou tem que sair da base do governo.
Vai me devolver o ministério’. Tem que haver um basta para atrair uma base uníssona. A oposição hoje está dentro do governo Lula. Toda crise que acontece não é provocada pela oposição, é pela própria base governista.
Inclusive na da sua demissão?
Inclusive nessa.