"Fascismo não passa de um formato atualizado das estruturas coloniais"

 

Entre nós, aqui e alhures, o senso comum acerca de justiça se restringe ao âmbito punitivo. Recuperar, reinserir, nada disso nos ocorre, via de regra. Nossa incapacidade em compreender e reconhecer nossas próprias falhas e fraquezas costuma nos transformar em juízes impiedosos.

Transformamos em perigo iminente tudo o que não entendemos muito bem ou tudo o que nos desagrada em algum grau. Já tratamos como vilã número um uma jovem chamada Sininho e já encarceramos um rapaz flagrado em posse de um perigosíssimo pote de vinagre.

Nesse contexto, somos insensíveis ao inferno vivido 24 horas por dia pelos presidiários pátrios, um contingente de seres humanos que só cresce e que se vê diante do desprezo também crescente da sociedade. Há uma ânsia pela punição, pelo castigo. Somos uma sociedade ávida por linchamentos.

Com ares de juristas, há uma miríade de defensores da pena de 14 anos da pichadora daquele janeiro, por exemplo. Nada é levado em conta a não ser a sede de punição, numa atitude policialesca que, devo admitir, fala e explica muito sobre a triste história dessa colônia mal ajambrada batizada de Brasil.

Ontem, um humorista foi condenado a 8 anos de prisão. Suas piadas de baixíssimo nível foram consideradas como discurso de ódio. 

A meu ver, o discurso só poderia ser criminalizado quando revelasse indiscutível conteúdo de incitação à violência. Se eu disser que sou a favor do aborto livre não devo ser criminalizado. Se eu incitar alguém a fazer um aborto, aí sim eu poderia ser indiciado, posto que o aborto ainda é proibido.
Pra mim, isso vale pra tudo. Não acho crime que se considere pecado qualquer coisa diferente da heterossexualidade. O crime só se estabelece em atos ou em incitações ao ato. O discurso, a palavra, a opinião, tudo isso está no campo da política e é aí que devem se dar os confrontos e as disputas. E não falo apenas da política institucional, falo da política no sentido mais amplo, no dia a dia de nossas relações sociais.

Não assisti ao vídeo que transformou o tal humorista em réu e em sentenciado. Mas já o vi em outros vídeos e nunca ouvi dele alguma incitação contra A ou B. Acharia válida qualquer manifestação organizada contra o dito cujo. Boicote ao teatro que o abriga, ao canal que o propaga, ao patrocinador que deixa sua marca perto desse conteúdo, ato público na porta do teatro em que ele esteja programado, piquete, denúncia do conteúdo para que ninguém o assista por boa fé, enfim, tudo isso seria válido e eficiente, tudo isso seria uma disputa política legítima pela opinião e pelo posicionamento da sociedade.

Oito anos de prisão por crime de palavra? E vocês ainda não entenderam que suas tias sempre foram fascistas? Vocês ainda não entenderam que o fascismo não passa de um formato atualizado das estruturas coloniais de gestão de terras e gentes? Oito anos de vida?

Alexandre Lemos 

 

Compositor 

Formado na UFF

Leninista