Filho
de um tintureiro semi-analfabeto e de uma dona-de-casa com o primeiro
ano primário, Gilberto Miranda nasceu em São José dos Campos (SP), em
1946. Garotão bonito, físico de atleta, ele chegou a Brasília em 1967
para tentar a vida. Arrumou emprego de professor de natação em uma
escola pública de bom nome, CIEM. Fernando Collor de Mello e Paulo
Octávio estudaram lá e foram seus alunos.
Entrou para uma
faculdade particular, a única na época, o Ceub, e conseguiu diploma de
bacharel em Direito. Em outro emprego, professor de natação do Iate
Clube, conheceu um sujeito que mais tarde mudaria sua vida, Aloísio
Campelo. Guardem esse nome que adiante ele entra em nossa história.
Praticante
de artes marciais, Gilberto Miranda dava aulas de Natação durante o dia
e trabalhava à noite como leão-de-chácara do restaurante Gaf, no Centro
Comercial Gilberto Salomão, que se transformara em um badalado reduto
de políticos, socialites e endinheirados.
Em virtude de uma
queda de cavalo, o então Chefe do SNI, general João Figueiredo, sofria
de dores intermináveis nas costas. No restaurante Gaf, ele ficou sabendo
que o garboso leão-de-chácara também era um massagista de mão cheia.
Gilberto começou a cuidar das dores lombares do general com técnicas de
shiatsu, dando início a uma grande amizade.
Em 1973, Gilberto
sacou sua carteirinha da OAB e anunciou que iria tentar a sorte grande
no Rio ou São Paulo. “Vou arrumar um baú”, informou aos amigos, que
caíram na gargalhada. Entenda-se por baú isso mesmo que vocês estão
pensando: o mais do que manjado golpe do baú.
Chegou o bacharel
primeiro ao Rio de Janeiro. Não deu certo. Mudou-se para São Paulo, onde
o ajudou um antigo e rico amigo de piscinas olímpicas. Vivia ele de
procurar no Diário Oficial empresários autuados pelo governo, INPS,
Receita Federal, esses probleminhas menores. Detectada a presa, então se
oferecia para resolver o assunto em Brasília, em contrato de risco.
Certo
dia fechou um acerto com a Gentek. A empresa tinha mandado vir do Japão
uma partida de contrabando de máquinas de calcular e os caixotes
estavam detidos no depósito da Suframa, em Manaus.
Gilberto
Miranda lembrou-se de que conhecia o chefão do órgão, o supracitado
Aloísio Campelo, e foi lá tentar liberar a muamba, na maior cara-de-pau.
Doutor Campelo gostava do rapaz e deu o toque: “Olha, quem fizer
fábrica aqui em Manaus vai ficar rico”.
Com a frase na cabeça,
Giba voltou para São Paulo com todo o contrabando legalizado sob o
eufemismo de “mercadoria importada”. Logo depois, surgiu em sua vida um
negociante, Mário Lander, representante no Brasil de uma indústria sueca
de calculadoras, a Facit.
O hoje digníssimo empresário
procurou-o para que apresentasse um projetozinho à Suframa para montar
uma fábrica de calculadoras maquiadas. Era aquele tipo de empresa que
queria importar tudo mais ou menos pronto, contratar uns peões para
apertar uns parafusos e pregar a etiqueta “Made in ZFM”.
“Sabe,
sei que o cara lá é seu amigo...”, insinuou Lander. Gilberto Miranda
topou o desafio, com uma exigência. Não queria pagamento em espécie
alguma. “Quero ser sócio”. Hoje ele conta: “Eu não tinha um puto no
bolso. O cara foi embora e três dias depois voltou, aceitando o
negócio”.
Foi isso que Gilberto Miranda fez a vida inteira. É
disso que vive até hoje. Detecta indústria que estão a fim de montar
fábricas em Manaus e consegue a liberação dos projetos em troca de
participação acionária.
Conseguiu levar, segundo sua própria
contabilidade, cerca de 250 empresas para a Zona Franca e aprovou uns
200 projetos. Vende as ações quando estão valorizadas e gasta a grana
comprando bens de neo-pobres. Já foi sócio de Dílson Funaro, Mathias
Machline e ainda é sócio de Mário Amato, entre outros.
Retornemos
àquele início de vida. O general Figueiredo foi responsável por
introduzir seu novo massagista particular no mundo empresarial paulista.
Em 1974, outro fato relevante surgiu para alavancar nosso herói
emergente: apareceu o “baú”.
Ele conheceu a socialite Ana Alicia
Scarpa, filha de Don Nicolau Scarpa e prima do playboy Chiquinho
Scarpa. Casou-se com a moça rapidinho e tratou de fazer de cara seus
herdeiros. Nasceram duas meninas.
Nessa mesma época, ele também
conheceu o jornalista e advogado Orestes Quércia, que acabara de deixar a
Prefeitura de Campinas. Os dois montaram um escritório de advocacia na
Avenida 9 de Julho, em São Paulo.
Quando o general Figueiredo
assumiu a presidência, em 15 de março de 1979, a carreira de lobista de
Gilberto Miranda começou a deslanchar. Seu escritório de advocacia foi
encarregado de fazer a renegociação das dívidas que os grandes
conglomerados industriais do País tinham com o extinto INPS.
Com
carta branca para estabelecer novos prazos para pagamento parcelado das
dívidas (50, 100, 150 ou 200 anos, com juros de pai pra filho), aquilo
foi uma moleza semelhante a pescar em balde. Quando as renegociações
terminaram, Miranda era um novo milionário.
Há 30 anos, possuía
um Passat e um patrimônio de US$ 10 mil. Foi quando abriu sua primeira
empresa em Manaus. De lá para cá, sua vida mudou muito.
O
senador declara possuir uma ilha em Ilhabela (5 milhões), uma casa de
campo (5 milhões), duas casas no Jardim Europa (3,5 e 2 milhões), um
jatinho Lear Jet 36 (2 milhões), quatro fazendas em São Paulo (preços
incalculáveis), oito carros importados (1 milhão), parte menor de um
patrimônio total de R$ 1 bilhão e faturamento anual de 600 milhões em
cerca de 20 empresas.

Ainda
nos anos 80, Gilberto Miranda começou a se interessar pela política
local. Em 1986, ele foi primeiro suplente do candidato ao senado Carlos
Alberto Di Carli, tendo investido R$ 2 milhões na campanha. Depois de
eleito, Di Carli se licenciou durante 120 dias para que Gilberto Miranda
assumisse o senado pela primeira vez.
Em 1990, quando Gilberto
Mestrinho disputou o governo do Estado pela terceira vez, Gilberto
Miranda foi escalado como primeiro suplente do ex-governador Amazonino
Mendes, candidato ao Senado. Investiu R$ 4 milhões na campanha.
Quando
Amazonino renunciou ao mandato, em 1992, para disputar a Prefeitura de
Manaus, Gilberto Miranda assumiu a vaga e seis anos de mandato.
Em
1996, o ex-massagista era senador do PMDB e contavam com seu voto para
eleger o peemedebista Íris Rezende presidente do Senado. Rezende
disputava com Antonio Carlos Magalhães, do PFL.
De repente, sem
que até hoje se saiba o porquê, Miranda bandeou-se para o PFL. Garantiu a
vitória de ACM e caiu-lhe nas graças, até a morte do babalorixá baiano.
O senador sem voto foi relator do orçamento da união, do
polêmico projeto Sivam e do novo Código Brasileiro de Trânsito. Teve
atuação destacada na CPI dos Precatórios.
Foi dele o projeto que
propôs a extinção dos juízes classistas e o que propõe a legalização
dos jogos de azar, dois entre dezenas dos que apresentou.
Em
1998, Gilberto Miranda foi o segundo suplente do candidato a senador
Gilberto Mestrinho (o primeiro era o ex-deputado federal João Thomé,
filho de Mestrinho).
O empresário investiu R$ 5 milhões na
campanha e por muito pouco o candidato petista Marcos Barros, ex-reitor
da Ufam, não conquistou a vaga.
O derramamento de grana no
interior para reverter o quadro (Marcos Barros havia colocado uma
diferença de quase 100 mil votos em Manaus) até hoje ainda tira muita
gente do sério.
Em novembro de 2004, Gilberto Miranda assumiu a
cadeira de senador pelo Amazonas, em lugar do titular Gilberto Mestrinho
(PMDB), que se licenciou por motivo de saúde até o dia 31 de março de
2005.
Miranda ocupou o lugar de Mestrinho porque o primeiro
suplente, João Thomé Mestrinho, também se licenciou por motivos
particulares. Aquela foi a terceira vez que Miranda assumiu uma cadeira
no Senado sem ter tido um único voto.
De quase tudo em que o
senador sem votos se meteu surgiram denúncias de interesses ocultos. No
caso Sivam, Gilberto Miranda foi citado no diálogo grampeado entre o
embaixador Júlio César Ferreira Gomes e o empresário José Affonso, dono
da Líder e representante da Raytheon no Brasil.
Ambos reclamavam
que o senador, alegando irregularidades, dificultava as coisas para a
empresa americana. “Você já pagou para este cara?”, perguntou, na
conversa gravada, o embaixador a José Affonso. O “cara” era Miranda, que
negou tudo.
No caso dos precatórios, o senador foi citado como
defensor dos interesses de Paulo Maluf e Celso Pitta, ex-prefeitos de
São Paulo. Em troca, teria direito a ingerências na prefeitura na gestão
Pitta.
Quando rompeu com o marido, Nicea Pitta citou Miranda.
“Ele pressionava o Celso para que a prefeitura pagasse as dívidas da
OAS, construtora do genro de Antonio Carlos Magalhães”, mantém Nicea até
hoje.
O último imbróglio envolvendo Miranda foi o chamado
dossiê Cayman – papelada falsificada sobre suposta empresa e depósitos
em paraísos fiscais que seria uma sociedade entre os tucanos Sérgio
Motta e Mario Covas, além do ministro José Serra e do presidente
Fernando Henrique.
O dossiê começou a circular, clandestino, no
fim da campanha eleitoral de 1998. Só veio à luz depois da eleição de
Fernando Henrique. As primeiras citações a Miranda registram um suposto
encontro com o advogado Marcio Tomaz Bastos, representante do PT (e
ex-Ministro da Justiça do presidente Lula), quando teria exibido o
dossiê.
O advogado teria convencido a direção do partido a não
usar a papelada e teria prometido segredo sobre o encontro com Miranda,
que negou qualquer envolvimento.

Em
2007, Gilberto Miranda se casou com a estilista Caroline Andraus Lane –
sócia da grife de moda praia Beach Couture –, numa festa de arromba.
Os
padrinhos eram ilustres personagens do cenário político nacional, como o
prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o ex-presidente José Sarney e
sua filha Roseana Sarney, acompanhada pelo marido, Jorge Murad.
Entre
os 300 exclusivíssimos convidados, o publicitário e apresentador
Roberto Justus e a atriz Ticiane Pinheiro, a estilista Cris Barros, a
modelo Mariana Weickert, o publicitário Nizan Guanaes e a empresária
Donata Meirelles, o cantor Paulo Ricardo e a arquiteta Raquel Silveira e
Marina Mantega, filha do ministro da fazenda Guido Mantega.
Naquele
mesmo ano, a Fundação José Sarney recebeu R$ 300 mil de uma empresa de
fachada, a KKW do Brasil, que representa duas “offshores” (firmas no
exterior), com sedes na Inglaterra e no paraíso fiscal das Ilhas Virgens
Britânicas.
Apesar de ter capital social de R$ 80 milhões
(cifra de uma empreiteira de grande porte), a KKW não tem negócios
visíveis, site ou sede própria.
Seus endereços e telefones
correspondem aos da casa e do escritório de Gilberto Miranda em São
Paulo, onde funcionam outras firmas atribuídas ao ex-senador, igualmente
registradas (integral ou parcialmente) em nome de “offshores”.
As
“offshores”, em especial as que têm sede em paraísos fiscais, são
costumeiramente usadas para repatriar dinheiro que deixou o país de
forma ilegal, em regra via doleiros.
Resumo da ópera: às vezes,
ser um simples massagista pode transformar alguém em bilionário da noite
pro dia. Basta que ele obtenha os contatos certos na hora certa.
Comecem a aprender shiatsu, homeboys!