Por Péricles Capanema -
Nunca fui nacionalista;
vejo com simpatia a presença de empresas estrangeiras entre nós. Mas o caso
agora é outro. Em 25 de novembro último, o governo colocou à venda concessões
por 30 anos para as usinas de Ilha Solteira, Jupiá, Três Marias, Salto Grande,
vinte e nove hidrelétricas no total. Ganharam o leilão CEMIG (estatal), COPEL
(estatal), CELG (estatal), CELESC (estatal), ENEL (forte presença do governo
italiano) e THREE GORGES (estatal chinesa). A estatal chinesa ficou com 80% da
energia e pagou R$13,8 bilhões pela outorga.
Vejam esta falácia lida por milhares, quem sabe
milhões, ilustra como os meios de divulgação vêm tratando o caso: “Com os ativos
recém-adquiridos, a CTG [China Three Gorges, a estatal chinesa] atinge
capacidade instalada de 6.000 W, tornando-se a segunda maior geradora privada do
país”. Privada? Quem acredita? — É estatismo do pior, mais danoso que o
estatismo brasileiro.
E agora mergulho em assunto sobre o qual não
apenas a ignorância e o descuido, mas a covardia e até o temor reverencial
emudecem as línguas. Quem tomou conta de boa parte da geração de energia no
Brasil, à vera, foi um país totalitário e imperialista que caminha a passos
gigantescos para ser a primeira potência do mundo. Vai chegar lá? Sabe Deus. E
que, ponto que ninguém de bom senso nega, usa sem escrúpulos todos os
instrumentos de que dispõe para impor seus objetivos. O que aconteceu em 25 de
novembro não foi fato isolado, faz parte de política de longo alcance; grande
parte do capital chinês investido no Brasil é estatal, controlado pela ditadura
comunista. Imagine uma disputa comercial de uma estatal chinesa — tributos,
mercados, preços, admissão e demissão de empregados,dumping, oligopólios e
monopólios, sei lá mais o que — com o governo brasileiro. Pelo que estamos
acostumados a ver, bastaria a ameaça de retaliação comercial do nosso mais
importante parceiro internacional, por exemplo, cortar a importação de ferro ou
carnes, perseguir empresas brasileiras instaladas na China, para Brasília piar
fino.
Falando em pios, a esquerda não solta um pio a
respeito desta gritante desnacionalização, que carrega no bojo potencial e
gravíssima ingerência externa em assuntos internos. Essa mesma esquerda que
esgoelava décadas atrás contra a Light, o chamado polvo canadense, e berrou
contra as privatizações do período FHC (entrega de propriedade do povo ao
capital estrangeiro), vê agora, silenciosa, o governo, entre outros motivos
premido por terríveis problemas de caixa, se lançar às carreiras numa política
suicida de desnacionalização.
Repito, o episódio das três gargantas que
engoliram de uma só vez parte do potencial elétrico do Brasil não é isolado. As
estatais chinesas estão ativamente comprando propriedades entre nós nas mais
variadas áreas. Na década de 70 foi usual a palavrafinlandização. A Finlândia
havia perdido mais de 10% de seu território para a Rússia, quase 20% de seu
parque industrial e, pelo temor do vizinho ameaçador e poderoso, acertava sempre
o passo com Moscou, não importava o que fizessem os tiranos comunistas. Aquele
antigo e civilizado país, formalmente soberano, de fato padecia uma forma
larvada de protetorado.
Queiramos ou não, a mesma situação, ainda que
incipiente, ocorre no Brasil. Com a enorme e cada vez maior presença econômica
do Estado chinês entre nós, vai chegar o dia em que o país, em numerosos
assuntos internos, vai ter diante de si potência mundial imperialista. E, se
colocarmos como padrão como trata os governos esquerdistas e comunistas,
facilmente imaginaremos a subserviência diante do poderio chinês.
Cortando caminho, vilmente protegido pelo mutismo
da covardia e da cumplicidade, está em curso entre nós um processo que vai levar
à perda efetiva da soberania nacional. No fundo do horizonte, terrível
perspectiva, nos espera o protetorado envergonhado, mesmo que cuidadosamente
disfarçado.