Manifestação coxinha.
(co.xi.nha) Bras. Cul.
sf.
1. Coxa de galinha, que se usa ger. na preparação de canjas e sopas, ou como parte do frango à passarinho.
sf.
2. Salgadinho
empanado e frito em forma de coxa de galinha, com uma porção de sua
carne envoltos em massa de farinha de trigo [F.: coxa + –inha.]
As
manifestações que se proliferam Brasil afora deixaram, em São Paulo,
marcas muito maiores do que a vitória do Movimento Passe Livre, que
conseguiu reduzir em R$0,20 o preço da passagem nos transportes
públicos. Incluiu mais um significado à palavra “coxinha” e ao verbo
“coxinhar” para, no futuro, ser sintetizada nos dicionários.
Por
agora, no calor dos pneus em chamas, entre balas de borracha e gás de
pimenta, o cientista social Leonardo Rossatto e o professor de Português
Michel Montanha, de Santo André, no ABC paulista, redatores do blog
Aleatório, Eventual & Livre,
fazem uma “análise sociológica” do significado do termo, aplicado à
definição de quem integra “um grupo social específico, que compartilha
determinados valores”, segundo o texto.
Leia-o, adiante, na íntegra:
O coxinha, uma análise sociológica
Um
fenômeno se espalha com rapidez pela megalópole paulistana: os
“coxinhas”. É um fenômeno grandioso, que proporciona uma infindável
discussão. A relevância do mesmo já faz com que linguistas famosos se
esforcem em entender a dinâmica do dialeto usado por esse grupo,
inclusive.
Afinal, quem são os coxinhas, o que eles querem, como esse fenômeno se originou? O que eles são?
“Coxinha”,
sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha
determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e
dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em
relação ao restante da sociedade, a forte priorização da segurança em
sua vida cotidiana, como elemento de “não mistura” com o restante da
sociedade, aliadas com uma forte necessidade parecer engraçado ou bom
moço.
Os
coxinhas, basicamente, são pessoas que querem ostentar um status
superior, com códigos próprios. Até algum tempo atrás, eles não tinham
essa necessidade de diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente,
com a absurda desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com
cada vez mais gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social
busca outras formas de afirmar sua diferenciação.
Para
isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma maneira
específica, são “politicamente corretos”, dentro de sua noção deturpada
de política e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima
tolerância a qualquer crítica.
A origem
Existe
muita controvérsia a respeito do tema. Já foram feitas reportagens para
elucidar o mistério, sem sucesso, mas é hora de finalmente revelar a
verdade a respeito do termo.
A
origem do termo “coxinha”, como referência a esse grupo diferenciado,
não tem nada de nobre. O termo é utilizado, ao menos desde a década de
1980, para se referir aos policiais civis ou militares que, mal
remunerados, recebiam também vales-alimentação irrisórios, também
conhecidos como “vales-coxinha” (os professores também recebem, mas não
herdaram o apelido). Com o tempo, a própria classe policial passou a ser
designada, de forma pejorativa, como “coxinhas”. Não apenas por causa
do vale, mas por conta da frequência com que muitos policiais em ronda,
especialmente nas periferias das grandes cidades, acabam se alimentando
em lanchonetes, com salgados ou lanches rápidos, por conta do caráter de
seu serviço.
Os
policiais, apesar de mal remunerados, são historicamente associados à
parcela mais conservadora da sociedade, por atuar na repressão aos
crimes, frequentemente com truculência. Com a popularização de programas
policialescos como Aqui Agora, Cidade Alerta e Brasil Urgente, o
adjetivo “coxinha” passou a designar também toda a parcela de cidadãos
que priorizam a segurança antes de qualquer outra coisa. Para designar
essa parcela que necessita de “diferenciação” e é individualista ao
extremo, foi um pulo.
Expoentes
Não
cabe citar socialites ou coisa do tipo. São pessoas que vivem em um
mundo paralelo. Mas vou citar três criadores de tendências no universo
coxinha:
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Um exemplo do que o Tiago Leifert trouxe pro jornalístico Globo Esporte: apostas babacas envolvendo a seleção da Argentina. |
1. O “engraçado”: Tiago Leifert
Uma
característica importante do coxinha padrão é tentar ser descolado,
descontraído e não levar as coisas a sério. E nisso o maior exemplo é
esse figurão da foto ao lado. Filho de um diretor da Globo, cavou espaço
para introduzir o jornalismo coxinha na grade de esportes da emissora.
Jogos de futebol valem menos do que as piadas sem graça sobre os jogos.
Metade do Globo Esporte é sempre sobre videogame ou sobre a dancinha
nova do Neymar, e tudo vira entretenimento, não esporte.
Prova
disso são declarações do próprio, como a em que ele diz que não leva o
esporte a sério, ou quando fala que o Brasil não é o país do futebol, é o
país da novela. Isso revela duas características do coxinha default:
ele não aceita críticas (e isso fica claro pelo número imenso de
usuários bloqueados no Twitter pelo Tiago Leifert – incluindo este que
vos escreve) e ele não tem conteúdo, provocando polêmicas para aparecer.
Tudo partindo, obviamente, da necessidade quase patológica de
diferenciação.
2. O “bom moço”: Luciano Huck
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Aparência de bom moço. Só aparência. Luciano Huck apresentou ao público Tiazinha e A Feiticeira. |
O
apresentador, que revelou beldades como a Tiazinha e a Feiticeira na
Band, na década de 1990, virou, na Globo, símbolo do bom-mocismo
coxinha. Faz um programa repleto de “boas ações”, que, no fundo, são
apenas uma afirmação de superioridade, da mesma forma que a filantropia
dos Rockfellers no início do século 20.
Puro marketing.
Quando
você reforma um carro velho ou uma casa, além de fazer uma boa ação,
você se autopromove. Capitaliza com o drama alheio mostra que, além de
“bondoso”, você é diferente daquele que você está ajudando. Como preza a
cartilha do bom coxinha.
Além
disso, Luciano Huck é a representação da família bem-sucedida e feliz.
Casado com outra apresentadora da Globo, Angélica, forma um dos “casais
felizes” da emissora. Praticamente uma cartilha de como montar uma
família coxinha. “Case-se com alguém bem-sucedido, tenha dois ou três
filhos, e leve eles para festinhas infantis junto com outros filhos de
famosos”.
Para
se mostrar engajado e bom moço, Huck deu até palestra sobre
sustentabilidade na Rio+20. Irônico, pra quem foi condenado por crime
ambiental, em Angra dos Reis. Ele fez uma praia particular sem
autorização. Diferenciação, novamente. Isolamento. Características
típicas do coxinha default. Assim como “ter twitter”. Mas o twitter dele
é praticamente um bot, só serve pra afagar seus amigos famosos e mandar
mensagens bonitinhas.
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Soninha Francine |
3. A “coxinha política”: Soninha Francine
O
terceiro e último (graças a Deus) exemplo de coxinha é a figura da
imagem ao lado. Soninha Francine deve ser o maior caso de metamorfose
política do Brasil. Até 2006 era petista convicta, mas o vírus da coxinhice já afetava seu cérebro, a ponto dela sair na capa da Época em 2001 falando “eu fumo maconha”, provavelmente por um brilhareco.
Daí
ela saiu do PT, entrou no PPS, caiu nos braços de José Serra e do PSDB
paulista e se encontrou. Tenta conciliar a fama de “descolada”,
adquirida nos anos como VJ da MTV, com uma postura política típica de um
coxinha padrão: individualista e conservadora. E, pra variar, manifesta
tais posturas via… Twitter. Emblemático foi o dia em que Metrôs bateram
na Linha Vermelha e ela, afogada em seu individualismo, disse que não
encarou nenhum problema e que o Metrô estava “sussa”. Assim como a
acusação de “sabotagem” do Metrô às vésperas da eleição de 2010.
Soninha
ajuda a definir o estereótipo do coxinha default. O coxinha tenta de
forma desesperada parecer um cara legal, descolado e antenado com os
problemas do mundo. Mas não consegue disfarçar seu individualismo e sua
necessidade de diferenciação. Não consegue disfarçar seu rancor quando
os outros passam a ter as mesmas oportunidades e desfrutar dos mesmos
serviços que ele.
Conclusão
O
coxinha é um fenômeno sociológico disseminado em vários lugares, mas,
por enquanto, só “assumido” em São Paulo (em outras cidades, os coxinhas
ainda devem ter outros nomes). Não por acaso, tendo em vista que São
Paulo é um dos ambientes mais individualistas do Brasil.
São
Paulo é uma das cidades mais segregadas do País. É uma cidade de grande
adensamento no Centro, com as regiões ricas isoladas da periferia. A
exclusão é uma opção dos mais ricos. Eles não querem se misturar com o
restante da população. E, nos últimos anos, isso ficou mais difícil: não
dá mais para excluir meramente pelo poder econômico.
Daí, é necessário
expor um personagem, torná-lo um padrão, para disseminar essa
mentalidade individualista e conservadora: é aí que surge o coxinha.
E
isso é bom. Porque o coxinha, hoje, é exposto ao ridículo pelo restante
da sociedade. Até algum tempo atrás, ele era apenas uma personagem
latente. Ele não aparecia, portanto, não podia ser criticado ou
ridicularizado. No final, o
surgimento dos coxinhas só reflete a mudança de nosso perfil social. E, por incrível que pareça, o amadurecimento de nossa sociedade.