Policiais militares no centro de São Paulo (Foto: Ricardo Lisboa/Agência Estado) |
A Globo foi condenada no mês passado a pagar uma indenização de R$
200 mil a um policial militar que, erroneamente, acusara de ter
participado do estupro de uma menina de 11 anos dentro de uma delegacia.
Além do valor da indenização, considerado alto, chama a atenção o fato de o caso ter ocorrido há quase 21 anos.
O sargento E.R.J., hoje com 41 anos, tinha apenas 11 meses de Polícia
Militar na época. Ele estava de plantão na delegacia de Itapecerica da
Serra (Grande São Paulo) no dia 19 de novembro de 1991. Foi preso junto
com outros quatro policiais civis.
O caso foi noticiado pelo telejornal local da Globo, na época chamado de São Paulo Já. No Fantástico, ilustrou com destaque uma reportagem sobre policiais que viraram bandidos.
Lição de jornalismo
Assim relata a juíza Alena Cotrim Bizzarro, na sentença que condenou a Globo, dando uma lição de jornalismo:
"A requerida [Globo] alega que apenas cumpriu sua função de informar
os fatos, mas não é isso o que se constata quando se assiste ao DVD
acostado aos autos pela parte autora [o policial]. Para que cumprisse o
dever de informar, deveria apenas ter divulgado que o requerente [o
policial] era acusado da prática do delito, jamais afirmado que ele
praticou o delito, como foi feito".
E prossegue:
"De fato, na reportagem exibida pelo Fantástico há narração
do suposto crime de estupro de forma direta, objetiva, como se não
houvesse dúvidas de sua prática [...]. Narrando os fatos
afirmativamente, menciona a reportagem com relação à vítima [a menor]:
'Nesse período, ela foi estuprada por dois carcereiros, um investigador,
pelo operador de telex e por um soldado da Polícia Militar que fazia
ronda na delegacia'".
Delegacia de Itapecerica da Serra (Foto: Reprodução) |
A reportagem encerrava mostrando o rosto de E.R.J., o soldado da PM
que fazia ronda na delegacia, e infomava que ele confessara o crime.
Ocorre que o policial nunca confessou o estupro _e ficou marcado por isso.
Alguns meses depois, o repórter policial Gil Gomes, então no Aqui Agora, do SBT, entrevistou a menina, e ela confessou que acusou os policiais injustamente.
A garota revelou que teria agido a mando de um delegado. Soube-se,
então, que acusação de era uma "armação" do delegado, que teria
propositalmente "plantado" a menor na delegacia.
O delegado teria como alvo o investigador que estava de plantão
naquele dia. O investigador supostamente sabia da participação do
delegado em um esquema de venda de sentenças judiciais.
Inferno
E.R.J. ficou preso durante um ano e meio. Foi ao inferno e voltou,
costuma dizer. Hoje, está casado e tem filhos. Um dos policiais civis
teve destino pior: se envolveu com drogas, perdeu tudo.
Inconformado com a acusação de que teria confessado o estupro, o PM
tentou processar a Globo três vezes. Seus advogados, conta, sempre
perdiam prazo ou deixavam de pagar alguma taxa de valor irrisório, mas
que impediam o andamento do processo.
Até que em 2010 ele conheceu o advogado Álvaro Nunes Júnior. Nunes
pediu R$ 300 mil de indenização. "Ele foi acusado de uma coisa
terrível", justifica o advogado. A Justiça concedeu R$ 200 mil.
Cabe recurso.
Procurada, a Globo não comentou o caso, por estar sub judice.