Uma das grandes necessidades do ser humano é a segurança. Tudo que
compromete o sentimento de estar seguro causa mal estar psicológico.
Não é por outra razão que algumas pessoas nunca se contentam com o
primeiro parecer médico à face de uma enfermidade. Querem uma segunda e
uma terceira opinião e só a unanimidade dos pontos de vista dos clínicos
lhes proporciona tranquilidade.
Quando a questão é jurídica a diversidade, que se observa na
interpretação das leis, incomoda e perturba: por que motivo dois juízes
apresentam soluções opostas à face de um mesmo ponto?
Se a tarefa de julgar consistisse apenas em aplicar ao caso concreto a
lei existente, essa operação meramente lógica seria muito simples. Tão
simples que seria mais barato substituir os magistrados por
computadores.
Segundo Carnelutti, “o legislador tem as insígnias da soberania; mas o juiz possui as suas chaves.”
Outros pensadores do Direito reforçam essa tese:
“O aplicador não se deve encerrar no domínio da rígida lógica formal.” (Alípio Silveira).
“A lei não é sagrada; só o Direito é sagrado.” (Triepel).
“O interesse de manter a segurança jurídica não pode prevalecer
sobre o interesse de fazer triunfar a Justiça substancial sobre a
Justiça meramente formal.” (Manzini).
“É mais importante o juiz conhecer o homem submetido a seu julgamento do que o conhecer os autos.” (Moura Bittencourt).
Um Apóstolo, e não um jurista, deu um ensinamento a respeito da
interpretação das leis de Deus, que é válido também para o mundo das
leis humanas: “A letra mata; o espírito vivifica”. (Epístola de Paulo aos Coríntios).
No Espírito Santo, o então Juiz Homero Mafra absolveu dois jovens
universitários, acusados de possuir e fumar maconha, embora reconhecendo
expressamente a configuração do crime, para manter neles viva a
esperança na misericórdia humana.
Toda norma penal contém uma advertência genérica, de disciplina
social, que opera pela sua simples existência. Em muitas situações, o
simples fato de ser processado é para o acusado uma advertência
suficiente, independente de uma efetiva condenação.
O juiz não é mero porta-voz da lei, como pretendeu Montesquieu.
Direito é fato social, vivo e palpitante. A lei revela, quando revela,
uma das faces do Direito.
Muito mais que um matemático ou um geômetra, o juiz é um artista e um
pedagogo. Um artista, que usa a lei como argila, para construir poemas:
poemas de vida, da vida pulsante que geme, chora e sua e que ecoa no
pretório. Pedagogo porque educa, encaminha, aconselha, ama.
Não são apenas petições que vêm aos juízes: são lágrimas, dores, faces, gente como a gente, mais sofrida quase sempre.
Magistrado aposentado, é professor da Faculdade
Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor do
livro: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro).