A encruzilhada de um juiz
Joaquim Barbosa assumiu a presidência de
uma Suprema Corte manchada pela nódoa de um julgamento político
conduzido contra lideranças importantes da esquerda brasileira.
Monocraticamente,
como avocou e demonstrou inúmeras vezes, mas sempre com o apoio indutor
da mídia conservadora, e de seu jogral togado - à exceção corajosa
do ministro Ricardo Lewandowski, Barbosa fez o trabalho como e quando
mais desfrutável ele se apresentava aos interesses historicamente
retrógrados da sociedade brasileira - os mesmos cuja tradição egressa da
casa-grande deixaram cicatrizes fundas no meio de origem do primeiro
ministro negro do Supremo.
Não será a primeira vez que diferenças históricas se dissolvem no liquidificador da vida.
Eficiente
no uso do relho, Barbosa posicionou o calendário dos julgamentos para
os holofotes da boca de urna no pleito municipal de 2012.
Fez pas de deux
de gosto duvidoso com a protuberância ideológica indisfarçável do
procurador geral, Roberto Gurgel - aquele cuja isenção exortou o
eleitorado a punir nas urnas o partido dos réus.
Num ambiente de
aplauso cego e sôfrego, valia tudo: bastava estalar o chicote contra o
PT, cutucar Lula com o cabo e humilhar a esquerda esfregando-lhe o
relho irrecorrível no rosto. Pronto. Era correr para o abraço dos
jornais do dia seguinte ou antes até, na mesma noite, no telejornal de
conhecidas tradições democráticas.
Provas foram elididas;
conceitos estuprados ao abrigo tolerante dos doutos rábulas das
redações --o famoso 'domínio do fato'; circunstâncias atropeladas;
personagens egressos do governo FHC, acobertados em processos paralelos,
mantidos sob sigilo inquebrantável, por determinação monocrática de
Barbosa (leia:'Policarpo & Gurgel: ruídos na sinfonia dos contentes'); tudo para preservar a coerência formal do enredo, há sete anos preconcebido.
O anabolizante
midiático teve que ser usado e abusado na sustentação da audiência de
uma superprodução de final sabido, avessa à presunção da inocência
e hostil à razão argumentativa --como experimentou na pele, inúmeras
vezes, o juiz revisor.
Consumada a meta, o conservadorismo e seu
monocrático camafeu de toga, ora espetado no supremo cargo da Suprema
Corte, deparam-se com a vertiginosa perspectiva de uma encruzilhada
histórica.
Ela pode esfarelar a pose justiceira dos torquemadas
das redações e macular a toga suprema com a nódoa do
cinismo autodepreciativo.
Arriadas as bandeiras da festa
condenatória, esgotadas as genuflexões da posse solene desta 5ª feira, o
espelho da história perguntará nesta noite e a cada manhã ao juiz da
suprema instância: -- E agora Joaquim?
O mesmo relho, o mesmo
'domínio do fato', o mesmo atropelo da inocência presumida, a mesma
pressa condenatória orientarão o julgamento da Ação Penal 536 - vulgo
'mensalão mineiro'?(tucano NB)
Coube a Genoíno, já condenado - e também ao
presidente nacional do PT, Rui Falcão - fixar aquela que deve ser a
posição de princípio da opinião democrática e progressista diante da
encruzilhada de Barbosa: 'Não quero para os tucanos o julgamento injusto
imposto ao PT', fixou sem hesitação o ex-guerrilheiro do Araguaia, no
que é subscrito por Carta Maior.
Mas a Joaquim fica difícil abrigar o mesmo valor sob a mais suprema das togas. Sua disjuntiva é outra.
Se
dispensar ao chamado mensalão do PSDB o mesmo tratamento sem
pejo imposto ao PT na Ação 470, sentirá o relho que empunhou voltar-se
contra a própria reputação nas manchetes do dia seguinte.
Tampouco terá
o eco obsequioso de seus pares na repetição da façanha - e
dificilmente a afinação digna dos castrati no endosso sibilino
do procurador -geral.
Ao revés, no entanto, se optar pela
indulgência desavergonhada na condução da Ação Penal 536, ficará nu com a
sua toga suprema durante longos dois anos, sob a derrisão da sociedade,
o escárnio do judiciário, o desprezo da história - e o olhar
devastador do espelho a cada noite e a cada dia, a martelar: 'E agora,
Joaquim?'
Saul Leblon - do Carta Maior