Brasil sofre cobrança
para punir empresas corruptas;
projeto está em xeque
BRASÍLIA e RIO - O Brasil se tornou alvo de pressão
internacional porque protela a aprovação de uma lei anticorrupção que puna até
mesmo com a extinção empresas que pagam suborno para fechar negócios dentro e
fora do país. O governo levou a proposta ao Congresso em 2010, mas a tramitação
se arrasta em uma Comissão Especial da Câmara desde setembro do ano passado.
Deputados da comissão, ouvidos pelo GLOBO na última semana, afirmam que o
atraso é provocado pelo lobby de empresas de engenharia e de construção civil,
contrárias ao texto do Executivo.
Por trás do embate está a responsabilização
administrativa e judicial das empresas — e não só seus representantes flagrados
em atividades ilícitas. Se já estivesse em vigor, a lei poderia, em tese,
sepultar a Delta Construções, empreiteira cujos ex-diretores foram presos sob
acusação de negociar ilicitamente contratos públicos, até mesmo sob o comando
do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Entre as penalidades previstas na lei em
debate está multa de até 20% do faturamento bruto do último exercício anterior
à instauração do processo administrativo. Em 2011, só em contratos com o
governo federal, a Delta faturou R$ 862 milhões.
Os parlamentares da comissão, sob a condição do
anonimato, revelam que, além do caso Delta, o desfecho do julgamento do
mensalão, com identificação da cadeia de comando do esquema, pôs diretores e
representantes de empreiteiras em alerta. O movimento contrário ao texto do
relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), defende o substitutivo apresentado
pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, na avaliação do governo, desfigura
o projeto e retira a responsabilização objetiva das empresas na esfera
judicial.
— É preciso definir melhor o limite da
responsabilidade. A empresa não pode ser responsabilizada, por exemplo, por um
ato individual de um office-boy que não tenha tido o conhecimento da direção —
sustenta Cunha.
Planalto já identificou lobby
O articulado lobby na comissão especial vem dando
certo até agora. Não há qualquer acordo para a votação do projeto. Cunha é o
interlocutor procurado pelo governo para negociar concessões à proposta.
O Brasil se comprometeu em aprovar a lei contra a
corrupção ao se tornar signatário da Convenção da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra o Suborno Transnacional, no ano 2000.
A OCDE é um órgão de desenvolvimento formado por 34 países, a maioria ricos da
Europa e da América do Norte.
Em 8 de outubro, durante reunião em Paris, o
presidente do grupo de trabalho da convenção, Mark Pieth, afirmou que o Brasil
corre sério risco por não cumprir integralmente os compromissos da convenção. E
alertou que a OCDE poderia recomendar às empresas de países-membros que não
façam negócios com empresas daqui. Além do Brasil, considerado parceiro-chave
da OCDE, a Argentina é o único país signatário que não tem uma lei para punir
empresas corruptas.
— A aprovação desse projeto dará ao poder público
um instrumento muito mais eficaz para se defender das empresas fraudadoras e
desonestas, alcançando-as naquilo que lhes é mais sensível, o patrimônio. A lei
vai retirar o Brasil da desconfortável situação de devedor inadimplente de uma
obrigação solenemente assumida quando ratificou a Convenção da OCDE contra o
Suborno Transnacional — diz o ministro-chefe da Controladoria Geral da União
(CGU), Jorge Hage.
A lei anticorrupção foi elaborada pela CGU, em
parceria com a Advocacia Geral da União (AGU) e com a Casa Civil da Presidência.
Levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)
mostra que US$ 6 bilhões (R$ 12 bilhões) foram recuperados em países com leis
de combate ao suborno transnacional. O Brasil, por não ter uma lei própria,
ficou fora do levantamento.
A movimentação das empreiteiras para barrar a
proposta já foi detectada pela Secretaria de Relações Institucionais da
Presidência da República. Um dos deputados integrantes da comissão contou ao
GLOBO ter recebido a ligação de um empresário preocupado com as novas
interpretações do STF sobre o crime de corrupção. A ligação foi para pedir o
veto ao projeto anticorrupção. Os primeiros telefonemas, no entanto, começaram
após a crise da Delta.
Presidentes de associações de empresas de
engenharia e de construção civil procuraram outro deputado em seu gabinete na
Câmara. Também pediram que não apoiasse o projeto.
A lei brasileira, hoje, permite a punição apenas de
gestores acusados de pagamento de propina em território nacional. A punição
máxima possível é o que a CGU fez, por exemplo, com a Delta: a declaração de
inidoneidade e a consequente impossibilidade de firmar novos contratos com a
União. Nas contas do governo, se o texto do relator Zarattini for aprovado na
comissão, em caráter terminativo, a oposição silenciosa ao projeto deve reunir
52 assinaturas para levar o texto ao plenário, onde o Planalto teme ser
derrotado.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/lei-anticorrupcao-se-arrasta-no-congresso-6759762#ixzz2CZZAQXCa
© 1996 - 2012. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
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