A sensacional trolagem em cima de FHC

Quando você pode imaginar que um amigo de décadas vai dizer uma verdade inconveniente? Mas acontece.

Trolado
Trolado

Tenho por vezes a sensação de que FHC, o político em quem mais votei em minha vida, é uma criança octogenária.
Li sua coluna hoje no Estadão.
Ele relata um jantar entre velhos amigos. Eram ele, o crítico literário Roberto Schwarz e Serra, e mais, pelo que entendi, as mulheres dos três.
A conversa acabou em política, naturalmente. Não sei se FHC esperava tamanha franqueza de Schwarz, mas ouviu dele a frase mortal: Lula fez mais que ele, FHC, na área social.
Isso significa, dada a importância da área social num país tão brutalmente iníquo como o Brasil, que Schwarz estava dizendo algo mais ou menos assim: “Camarada, sinto informar, mas o Barba foi melhor que você.”
Bem, tenho a sensação de que FHC prefere tudo a ser posto atrás de Lula. E reconheçamos: Schwarz deve saber disso melhor que nós todos. Não sei por que ele, num jantar de amigos, disse o que disse, como se fosse um autêntico troll. Teria sentido que ali estava a derradeira oportunidade?

Mas o mais curioso foi a reação infantil de FHC. Ele fez questão de dizer que os avanços começaram em seu governo. O imperador filósofo Marco Aurélio recomendava vivamente que você fugisse da autodefesa e da autolouvação, mas FHC não parece versado em Marco Aurélio.
Trolador
Trolador

A trolagem continuou. Schwarz fez o que me pareceu ser uma concessão retórica com um “tudo bem” obsequioso, mas depois reforçou seu ponto. Fez questão de deixar claro, segundo o relato de FHC no Estadão, que os avanços sociais “inegáveis” se deram com o PT.

Você pode estar perguntando: e Serra, a célebre vítima do Atentado da Bolinha de Papel, onde estava?
Calado, reflexivo? Jamais. Nunca se deixará de ouvir a voz de Serra num ambiente em que ele esteja presente. Só o caixão parece forte o bastante para silenciá-lo.

FHC disse que Serra murmurava críticas à “desindustrialização” do Brasil. Note. Questões sociais não fazem parte do rol de interesses de Serra. Por piedade, ou por solidariedade, ele poderia ter defendido a herança social de FHC, e dito a Schwarcz que ele estava enganado.

Mas não.
Serra trouxe à conversa a “desindustrialização”, um tema que ele arranhou levemente no final de sua última campanha presidencial, depois de ter prometido aos eleitores, espetacularmente, dobrar o Bolsa Família.

Em seu artigo, FHC afirma ter aplicado um “xeque mate” no trolador ao falar no Mensalão, mas francamente: quem acredita que Roberto Schwarz ficou abalado com a menção ao Grande Circo do Mensalão, dirigido por eminências como JB, Gilmar e Ayres de Britto, acredita em tudo. Acredita até que Scwhwarz assina a Veja, admira a verve de Jabor e, bem, vota em Serra.

A vantagens de jantares indigestos de octogenários é que a natureza tende a impedir que eles se repitam. Mas ficou, no artigo de FHC, o registro da memorável reunião entre a vaidade atormentada de um octogenário infantil, a monomania recente de um eterno candidato presidencial em torno da “desindustrialização” e a trolagem perfeita de um amigo que, pelo visto, deve ter sido na juventude um mestre nesta disciplina.