by bloglimpinhoecheiroso
O que está por trás do aluguel de ações. Governo federal e acionistas minoritários são os principais prejudicados.
Amadeu Leite Furtado, texto recebido por e-mail
O que é o short selling?
Short selling
é uma estratégia especulativa no mercado de ações composta por duas
operações: uma operação de aluguel de um respectivo titular (mediante
uma taxa de aluguel) com a subsequente venda do mesmo ativo, ou seja,
aluga-se a ação de um investidor para em seguida vendê-la.
A aposta é
comprar o ativo numa data futura, com o preço mais baixo e, dessa forma,
ganhar com a queda do preço, devolvendo-a a seu titular original
auferindo ganhos, já descontados os custos da transação.
As
operações de aluguel de ações são feitas dentro do ambiente de
negociação e liquidação da BM&FBovespa e cujos limites e regras para
sua realização são estabelecidas pela própria Bolsa, de acordo com
Instrução CVM 441/06, podendo ser realizada por um prazo mínimo de um
dia útil.
Apesar
de a operação ser considerada promovedora de liquidez conforme
explicado pelos experts do mercado, da forma como vem ocorrendo, ela
está se tornando extremamente danosa para o mercado de ações
deteriorando os preços e reduzindo o valor do mercado acionário.
Mas o que se quer realmente com isso? Apenas uma estratégia operacional que visa ganhar no mercado long short
ou promover o derretimento do mercado de ações nacional para
desacreditar a política econômica governamental? É o que explicamos
nesse artigo.
Crise! Mas que crise?
Acreditamos que por traz das operações de short selling está um estratagema montado por um grupo de instituições financeiras com a participação da chamada mídia especializada [sic]
e da BM&FBovespa para denegrir a imagem do governo no plano
nacional e internacional, promovendo a falsa ideia de crise econômica,
atingindo o principal indicador, o mercado de ações, referência de saúde
econômica do País. Assim, o que é uma operação especulativa traz
consigo uma intenção perversa de prejudicar a política governamental
gerando um clima de fracasso econômico em que o principal benchmark (o Índice BM&FBovespa) entrou em processo de colapso (derretimento).
O
curioso é que esse tipo de estratégia foi feito contra o Brasil no
final dos anos de 1990 por um banco brasileiro no exterior com os
chamados bradies bonds para forçar ao governo da época a
desvalorização da cotação do dólar. Esse banco já não existe mais, porém
sua estratégia parece estar sendo repetida cuja intenção de gerar um
clima de caos no ambiente econômico.
Como desmoralizar o governo
Nessa estratégia de desmoralização, a mídia especializada [sic]
participa com notícias e análises do mercado de ações. Vários
“especialistas” dão entrevistas tecendo comentários sobre a saúde de
determinadas empresas. Como o mercado é suscetível a essas análises
cria-se a condição perfeita para um ambiente de pânico financeiro em que
se especula com queda do preço de determinadas ações.
A partir daí,
para promover a queda dos ativos, os players (ou jogadores) realizam as operações de short selling
derrubando as cotações, sancionando o ambiente de queda como se o
Brasil estivesse realmente derretendo aos olhos do mercado nacional e
internacional. Perde com isso o País que vê instalado um clima de
incerteza e insegurança econômica; os investidores pessoas físicas, que
veem suas poupanças irem para o ralo; as empresas emissoras que veem
suas ações desvalorizadas. E, por outro lado, ganha os especuladores e a
BM&FBovespa com o aumento do número de negócios. Vamos ver alguns
exemplos:
Caso Eletropaulo
A Eletropaulo, como outras ações do setor elétrico, já vinha sofrendo forte ataque especulativo por conta das operações de short selling
devido à MP 579, que antecipa a renovação das concessões elétricas e
reduzia a tarifa da conta de luz. No dia 6 de fevereiro, por bater no
limite do aluguel estabelecido pela BM&FBovespa (20% do free float
– total de ações em circulação) houve a alta da ação ELPL4 (Eletropaulo
PN) de 13%.
Porém, no mesmo dia, a BM&FBovespa alterou os limites
no meio do pregão do dia por ter ocorrido a situação chamada de squeeze
(falta de ações para a devolução dos alugueis).
Mas por que a Bolsa se
apressou a mexer no limite do aluguel no meio do pregão?
Porque naquele
mesmo dia houve uma reunião na Associação das Instituições do Mercado
Aberto (Anbima) em que esteve presente o diretor de Valor Mobiliários da
Bolsa, senhor Júlio Ziegelmann (ex-Itaú), que foi devidamente
“enrabado” pelos representantes de alguns bancos presentes, dentre eles,
o próprio Itaú, por ter permitido que batesse o tal limite e
impossibilitasse novas operações. Imediatamente, o limite foi alterado,
no meio do pregão, abortando uma alta do preço das ações que já estava
sendo muito castigada. Isso beneficiou apenas a ponta vendedora do
mercado nesse jogo especulativo.
Como
essa atitude provocou muita indignação, alguns acionistas da
Eletropaulo entraram com uma queixa na Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), em 5 de março passado, reclamando da atitude da Bolsa, da forma
como ela se posicionou a favor de especuladores e buscando seu próprio
benefício para aumento do número de negócios. Mas percebemos que a Bolsa
agiu por pressão dos players do mercado para continuar na sua estratégia de derretimento.
Caso OGX
Em 18 de março, a Bolsa elevou o limite de 20% para 30% do free float
para as ações da OGX. Em seguida, esse limite foi elevado novamente,
para 45%, mas sem nenhum comunicado formal ao mercado e sem nenhuma
transparência.
Participantes
do mercado viram a decisão da Bolsa de elevar os limites operacionais
para empréstimo como uma forma de favorecimento aos vendidos.
Os
investidores também questionaram se a Bolsa – que é uma companhia que
aufere ganhos com o aumento dos negócios – não se teria beneficiado da
medida, uma vez que o limite maior incrementou o volume negociado no
empréstimo de ações e no mercado a vista, derrubando a cotação de uma
ação que já estava sendo muito castigada pelo mercado e que devido ao
peso no índice de ações Ibovespa, o mercado vai junto com ele.
Petrobras
Agora, a bola da vez são as ações da Petrobras. Segue-se o mesmo
receituário. Primeiro a empresa é bombardeada na mídia. Em seguida, os “experts” aparecem fazendo declarações contra a saúde da empresa alegando motivos de sua fragilidade.
Em seguida, os players seguem derrubando as cotações com o short selling
na ponta vendedora e pronto. A ação começa a derreter e o mercado, como
um todo, acompanha. É bom que se diga que a Petrobras sozinha responde
por cerca de 13% do montante de operações de aluguel.
Outras
ações também são vítimas desse mesmo processo, mas o foco são em ações
que possuem a maior representatividade no Ibovespa.
E a Bolsa nisso tudo?
Devido
às fortes reclamações que surgiram e para dar uma justificativa ao
mercado, tendo em vista a inusitada alteração no meio de um pregão, a
Bolsa divulgou, na noite de 6 de fevereiro de 2013, um comunicado em que
trouxe pela primeira vez a novidade da “realocação de limites” (ou
seja, tira de um canto e coloca no outro quando necessário) para
justificar o aumento de limites de aluguel. E o principal argumento é
que a regra já existia no manual da CBLC, porém nunca foi utilizada.
Com
o aumento das reclamações, a Bolsa soltou também outros comunicados
(04/2013 e 23/2013), em que explica o que seria a “realocação de
limites”. Nesses comunicados surge pela primeira vez o limite percentual
de 50% do free float. Ora, não é de hoje que os comunicados da
Bolsa são caracterizados pela dificuldade de entendimento com regras a
gerar interpretações dúbias, ou seja, criam uma regra tecnicamente
confusa para justificar qualquer alteração e favorecer a quem interessar
(o mercado, é claro, dependendo da pressão).
Quando
foi questionada, a Bolsa, representada pela sua diretoria executiva, se
limitou a dizer que realmente havia “muito ruído” no mercado sobre o
assunto e que a regra não era clara. Quanto ao possível conflito de
interesses na definição dos limites de aluguel e aumento do volume
negociado, a BM&FBovespa preferiu se calar e não deu nenhuma
explicação.
A
CVM, por sua vez, disse que não comenta casos específicos se limitando a
dizer que apenas acompanha e analisa as operações envolvendo companhias
abertas e adota as medidas cabíveis, quando necessário (ou seja, tirou o
corpo fora).
Falta de senso
Sempre
foi objetivo alardeado da BM&FBovespa ampliar o número de
investidores pessoas físicas por meio de cursos e campanhas
institucionais (chamaram, certa vez, até o Pelé numa campanha
promocional para atrair novos investidores).
Porém, esse objetivo vai de
encontro com a especulação focada no aluguel de ações, na qual a
BM&FBovespa age como sancionadora de um mercado especulativo de
baixa. Isso tem contribuído para o enfraquecimento dos preços das ações
do mercado como um todo e levando ao prejuízo os pequenos investidores
pessoas físicas que decidiram entrar nesse mercado por terem acreditado
nessas campanhas.
Como resultado disso, forma-se a ideia de que bolsa
brasileira é um cassino. Haja vista que o diretor de Infraestrutura da
Fiesp, doutor Carlos Cavalcanti, numa entrevista à imprensa sobre o
sistema elétrico, em 17 de dezembro de 2012, chamou, em alto e bom som,
que a bolsa de valores era uma “jogatina”.
Os números comprovam
Analisando
o montante financeiro de aluguéis de ações e comparando ao volume
negociado no mercado a vista chega-se a dados impressionantes.
O volume
financeiro total do montante alugado comparado com o volume financeiro
de ações negociadas chegou a ser 63% em março de 2013.
Foram R$89
bilhões alugados contra R$141 bilhões de ações negociadas, ou seja, a
maior parte das operações de venda da BM&FBovespa foi originada de
uma ponta especulativa. É importante frisar que esse percentual saiu de
6% em 2002 para 57% em maio de 2013 (gráfico abaixo).
Em maio de
2013, foram alugadas cerca de R$88,3 bilhões o que representa 55% do
volume negociado no mesmo período (R$162 bilhões).
Ou seja, de cada
R$1.000,00 negociado na BM&FBovespa, R$550 foi oriundo de uma ponta
especulativa sem que o vendedor detenha realmente a titularidade da
ação, pois esta foi “emprestada”. Com um aumento irreal da ponta da
oferta, os preços inevitavelmente caem.
Em
número de negócios, o percentual de operações alugadas versus número de
operações negociadas a vista se mantém nos mesmos níveis históricos em
torno de 1%.
Os efeitos
Quando
as operações de aluguel de títulos foram sugeridas a Secretaria do
Tesouro Nacional para o segmento de títulos públicos federais, os
representantes do governo federal não quiseram nem ouvir falar dessa
possibilidade nos mesmos moldes que são feitos pela BM&FBovespa
devido aos efeitos que poderiam ter na dívida pública federal.
Ora,
se o titular de 100 títulos cede seus ativos em aluguel e esses mesmos
títulos são posteriormente vendidos, esses títulos se duplicam, pois
haverá dois clientes titulares do mesmo título (titular original e o
novo titular que adquiriu mediante uma compra oriunda de um aluguel).
Nesse caso, apesar de ter sido emitido 100 eles se tornam
artificialmente 200.
Aumentando
a quantidade ofertada na ponta da venda, os preços tendem a cair. Logo,
é só comprar os títulos de algum vendedor desesperado no período mais a
frente e realizar o ganho, cabendo ao “vendido” devolver as ações ao
dono original ou renovar o aluguel. Isso, é claro, pode gerar uma
situação explosiva, pois estamos vendo uma situação especulativa de
ativos que estão sendo artificialmente multiplicados.
O que aconteceria
se todos os titulares de ações resolvessem pedir seus ativos de volta?
Com certeza não haveria ações para todos e os preços explodiriam.
Onde está o regulador?
Como
visto acima, essa estratégia causa um efeito danoso a uma empresa que
passa por alguma fragilidade recebendo um tremendo ataque especulativo
contra as suas ações e pior, sancionada por aquela que deveria zelar
pela integridade do mercado. A CVM, por sua vez, se faz de morta e
parece não entender o que está acontecendo.
Mas
por que isso acontece? Quanto à atitude da BM&FBovespa, é bom
enfatizar que os mesmos que estão promovendo esse tipo de coisa mantém
assentos em seu Conselho de Administração e a direção da Bolsa não tem
como negar um pedido de manipulação de seus limites.
Já a atitude da CVM em aceitar passivamente as explicações dos players
(de que a operação é salutar ao mercado, pois aumenta a liquidez e que
os fundamentos do País são ruins e está produzindo a fuga do investidor
estrangeiro etc.) na verdade esconde uma verdadeira omissão, pois os
diretores da CVM possuem mandato e quando este termina eles querem ter
empregos garantidos junto a esses players.
Dessa forma, eles não
desejam se indispor com o mercado, pois representaria uma ameaça as suas
carreiras no período pós-CVM, haja vista as declarações de ex-diretores
da CVM que se propuseram a escrever artigos ou dar declarações na mídia
em favor dessas operações quando a discussão surgiu. Claro, pois essa
operação é rentável para seus atuais empregadores (e dane-se o
minoritário). Nesse momento, percebe-se um evidente conflito de
interesses.
Já
os reguladores de outros países proibiram essas operações em seus
mercados pelo efeito danoso que produzem. A Securities and Exchange
Commission (SEC) aprovou, em 24 de fevereiro de 2010, uma regra que
proíbe esse tipo de negociação com ações que apresentem queda superior a
10% no seu preço em um dia.
Os reguladores da Itália, da Espanha e da
França proibiram as operações de short selling de instituições
financeiras em agosto de 2011. E não faltam estudos que mostram o
caráter destrutivo de valor dessas operações, como o Effectiveness of short selling bans on minimizing stock decline: A Spanish case study e o Short selling bans around the world: Evidence from the 2007-09 crisis.
E
por que não fizemos o mesmo? Porque estamos indo na contramão do mundo?
As respostas são simples: é devido à pressão que os grandes players
exercem sobre nossos reguladores e sobre o mercado e que permitiu a
ampliação de uma operação que visa não apenas o lucro do especulador,
mas também traz consigo a possibilidade de mostrar ao mundo o fracasso
da política econômica do governo federal diretamente representada pelo
derretimento “artificial” do mercado acionário nacional.
Conclusão
Alega-se que as operações de short selling
oferece vantagens ao mercado ao promover a liquidez, mas os níveis
sancionados pela Bolsa está causando muito mal às empresas emissoras,
aos pequenos investidores e ao mercado como um todo para favorecer
apenas uma parte que deseja ganhar com especulação, além de prejudicar
seriamente a imagem do Brasil no exterior passando a imagem que o Brasil
está mergulhado numa crise econômica sem precedentes.
E
tudo isso por motivações políticas para apostar contra o governo
Lula–Dilma sinalizando para a comunidade financeira nacional e
internacional que os nossos fundamentos econômicos são ruins e, assim,
prejudicar o País no exterior, destruindo umas das principais bandeiras
do Partido dos Trabalhadores.
Dessa
forma, questionamos: temos realmente uma bolsa com um ambiente saudável
de negociação ou de pura especulação? Nossa bolsa realmente se tornou
uma jogatina? Com um nível de especulação vendida tão alto, o que
acontecerá numa reversão?
Em
tempos de manifestações pelo País seria interessante que todos que se
sentem alijados nesse processo se dirigissem a BM&FBovespa para
pedir satisfações a seus administradores que parecem compactuar com uma
estratégia que está destruindo o patrimônio formado por anos de esforço.
Com a palavra os experts no assunto.