Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?
Por Paulo Moreira Leite
O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de
Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.
A primeira e única condenação acaba de sair.
Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o
direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas
de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso,
nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a criminalidade.
Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os
petistas, que não têm direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um
segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos
infringentes.
Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre
os embargos como um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que
os embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao
Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber se, num país onde os três poderes
devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças
especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no
império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto
destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião, mas acho que
estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos
diferentes para situações iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma
mentira, na qual fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque
não tem força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao
desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente
para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de
ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica
combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais tarde.
Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das
grades, como querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo
depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece muitos detalhes do mensalão PSDB-MG
por um bom punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que
ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do
PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade
política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como os
beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a
conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em
1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula?
A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro
para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para
Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa,
na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
Como é inevitável numa fábula, havia um vilão
necessário no centro desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico,
diretor do Banco do Brasil. Ele foi condenado como responsável pelos
pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão
PSDB-MG de lado.
Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos
pagamentos as agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer
decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma
auditoria interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem
qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os
pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era
para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a teoria
do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com atribuições e
assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.
O problema é que Leo Batista e os colegas de
diretoria eram, todos, remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique
Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse
fato foi descoberto por uma auditoria feita pelo banco, logo depois que o
escândalo estourou.
Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas,
curiosamente, o inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em
segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato,
embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou
conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento estava em
curso, em condições extremamente desfavoráveis.
Claro que você tem todo direito de perguntar o que
esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de
Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da
campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para quem o esquema
tucano levantou R$ 200 milhões.
Imagine, então, o que teria acontecido se todos os
réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com
base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos
pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas
reconhecidas pelos ministros – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer
esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente
politizados sobre o “maior escândalo de corrupção da história”, nossos
ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os tucanos.
Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e
tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia
contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?
Do ponto de vista da investigação policial, o
mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na
campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos
devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente sobre o assunto. Mas seu
governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar
um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB,
a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido.
Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.
Mas vamos seguindo a história para chegar ao final.
Com início diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar,
certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente
irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número
crescente de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o
que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos
infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.
Quem conhece as relações entre os meios de
comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado, butim da campanha de 1998,
sabe que não se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da
ação penal 470.
No julgamento dos petistas, os meios de comunicação
assumiram a dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em
certa medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso
é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de
comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o STF
atrás de si.
Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa
dos réus e, do ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não
são juízes. Com base no veredicto de seus “repórteres investigativos” jornais e
revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas
objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o tribunal
no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo mundo de fazer
pizza. O STF veio atrás, como o presidente Ayres Britto deixou claro ao
prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou essa postura duríssima dos
meios de comunicação.
É curioso notar que apenas no julgamento dos
embargos infringentes a Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida
pelos meios de comunicação. Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão
divergente. Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o
esforço de outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas
faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os
embargos possam beneficiar os réus.
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão
PSDB-MG.
Meus leitores sabem que estou convencido de que as
principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados
de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Ives
Gandra Martins, para citar pólos ideologicamente opostos do Direito brasileiro,
pensam da mesma forma.
Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos
verbas de campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações
menores.
Eu acredito que o interesse político em
criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem provas. Mas será
possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político não existir?
É claro que
não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.