Operação Zelotes
Sigilo bancário, telefonemas e e-mails de empresa investigada apontam
ministro do TCU beneficiado em anulação fraudulenta de dívida fiscal da
RBS
por André Barrocal
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O ministro do TCU, Augusto Nardes, nega qualquer participação em esquema de corrupção no Carf
A acusação de violar a
Lei Orgânica da Magistratura na condução do exame das contas de 2014 do
governo Dilma Rousseff não é a única razão para o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), preocupar-se por estes dias.
O avanço da Operação Zelotes reforça as suspeitas de envolvimento dele com o esquema fraudulento de anulação de dívidas fiscais.
No material já recolhido durante as
investigações, há indícios a apontar Nardes como destinatário de
pagamentos de aproximadamente 1,8 milhões de reais, divididos em três
parcelas de cerca de 600 mil reais cada.
Os pagamentos são suspeitos por
terem na origem uma das principais empresas investigadas, a SGR
Consultoria.
As desconfianças sobre Nardes amparam-se em
informações obtidas a partir da quebra de sigilo bancário da SGR, de
anotações encontradas em escritórios da empresa e de interceptações de
telefonemas e e-mails de investigados.
Em alguns telefonemas e e-mails, por exemplo, uma
funcionária da SGR tida como responsável por distribuir dinheiro
ilícito, chamada Gigliane, recebe orientação para efetutar pagamentos ao
“tio” e ao “Ju”. Nardes já foi sócio de um sobrinho advogado, Carlos
Juliano Ribeiro Nardes, na empresa Planalto Soluções e Negócios. Os
investigadores vêem ligações entre a SGR e a Planalto.
O repasse da SGR seria uma espécie de comissão
paga a Nardes por ele colaborar de algum modo com um caso específico na
mira da Operação Zelotes: o sumiço de 150 milhões de reais em dívidas da
RBS, retransmissora da TV Globo no Rio Grande do Sul, terra do ministro
do TCU.
Nardes teria usado sua influência em Brasília e no seu antigo
partido, o PP, para ajudar o grupo de comunicação.
O cancelamento dos débitos da RBS ocorreu no
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério
da Fazenda em que as fraudes apuradas pela Zelotes se materializavam.
Em
troca da anulação da dívida, a empresa teria pago 15 milhões de reais a
uma série de pessoas. Entre estas, um ex-conselheiro do Carf e sócio da
SGR, José Ricardo da Silva, o Zé Ricardo.
Silva e a SGR tinha papel-chave no esquema no
Carf. Intermediavam os contatos entre conselheiros do Carf e empresas
endividadas dispostas a subornar. E distribuiam o dinheiro entre as
partes.
Nenhum cliente fez tantos pagamentos à
consultoria quanto a RBS. É o que diz um relatório da Polícia Federal
(PF) elaborado a partir da análise de 909 transações financeiras da SGR
realizadas entre 2005 e 2013, um total de 115 milhões de reais.
Dos 15 milhões de reais que o grupo teria pago
para se safar no Carf, 11,9 milhões foram para a SGR. Foi desta última
quantia que a consultoria teria direcionado uma fatia cerca de 1,8
milhão a Nardes.
O ministro do TCU é de uma mesma pequena cidade
gaúcha, Santo Ângelo, que um investigado na Operação Zelotes que acabou
por virar delator. Paulo Roberto Cortez também já foi conselheiro do
Carf e já trabalhou com Zé Ricardo, da SGR.
Quando policiais federais e
procuradores de Justiça saíram a campo pela segunda vez, em 3 de
setembro, Santo Ângelo era um dos alvos.
Há quem veja possível ligação de Nardes com o esquema
no Carf também por razões partidárias. Até ser nomeado ministro do TCU,
ele era deputado federal pelo PP. A mira da Operação Zelotes já atingiu
um conselheiro do Carf, Francisco Maurício Rebelo de Albuquerque e
Silva, que é pai de um ex-líder do PP na Câmara dos Deputados, Dudu da
Fonte.
CartaCapital procurou Augusto
Nardes para pedir esclarecimentos sobre eventuais relações dele com a
SGR, José Ricardo da Silva, a Planalto, Paulo Roberto Cortez e
indicações de conselheiros do Carf. O ministro respondeu por e-mail.
Sobre a Planalto, disse “que se afastou da Planalto
Soluções e Negócios em maio de 2005 e não recebeu nada proveniente ou
relacionado a empresa”. Acrescentou ainda “que não participou de nenhuma
atividade desta já que dela não mais participava de nenhuma forma”.
Sobre a escolha de conselheiros do Carf, Nardes afirmou
que “não tem nem nunca teve qualquer participação seja por indicação ou
quaisquer outras questões a isso relacionadas”.
Sobre a SGR, José Ricardo da Silva, o ministro não se pronunciou.
Sobre sua relação com Paulo Cortez, disse que
"conheceu o mesmo quando morava em Santo Ângelo, por volta dos anos 80,
há mais de 30 anos. Depois desse período não teve mais qualquer relação com o mesmo".
O aparecimento do nome de Augusto Nardes na Operação Zelotes foi revelado em setembro por CartaCapital.
O material sobre ele tem de ser enviado ao Supremo Tribunal Federal
(STF). Por ser ministro do TCU, Nardes só pode responder a eventuais
processos criminais perante o STF.
A juíza que cuida do caso na 10 Vara
Federal de Brasília, Marianne Borre, volta de férias no dia 8.